sábado, 13 de fevereiro de 2010

" A Busca do Socialismo não é Quixotesca" : Entrevista do Jornalista Jadson Oliveira Para o Jornal A Tarde Salvador em 28/12/09


Jornalista e atual blougueiro Jadson Oliveira (Foto), 64 anos, trabalhou como jornalista, em diversos jornais e assessorias de comunicação, de 1974 a 2007, sempre em Salvador (Bahia). Na década de 70 militou no PCdoB e no movimento sindical bancário. Ao aposentar-se, em fevereiro/2007, começou a viajar pelo Brasil, América Latina e Caribe. Esteve em Cuba, Venezuela, Manaus, Belém/Ananindeua (quando do Fórum Social Mundial/2009) e Curitiba, com passagem por Palmas, Goiânia e Campo Grande. Depois Paraguai e Bolívia. Virou viajante e blogueiro. Clic aqui e acesse o blog do Jadson Oliveira.



ENTREVISTA: Jadson Oliveira

BIAGGIO TALENTO -A Tarde

O jornalista Jadson Oliveira chutou o pauda barraca em 2007 e partiu para correr a América Latina com objetivo de conhecer, na prática, as experiências socialistas. Visitou Cuba, Venezuela e Bolívia, países onde morou nos últimos dois anos. Colaborou com artigos para vários blogs, entre os quais Fazendo Media:a Média que a Mídia faz. Escreveu também para a Caros Amigos.

O velho comunista que andava desiludido com a política se sentiu revigorado com o que viu. De volta a Salvador, continua escrevendo no seu próprio blog Evidentemente “embora quase não tenha leitor” e cujo endereço é www.blogdejadson.blogspot.com . Nesta entrevista, fala do que viu nas suas andanças.

A Tarde
Como surgiu a ideia de conhecer as experiências socialistas na América Latina? Havia um desencanto com o socialismo petista?


Jadson Oliveira
Que socialismo petista, companheiro? Fui militante do PCdoB entre 72 e 81. Fiz muito trabalho clandestino.
Era encarregado da “gráfica”, que na verdade era um mimeógrafo potente. Depois, numa daquelas rachas do partido, eu saí, embora sempre tenha votado nas esquerdas, defendia em mesa de bar, votava preferencialmente no PT. Quando fiz 50 anos, decidi deixar de trabalhar em jornal.
Fiquei só na assessoria da Assembleia Legislativa. Aliás foi uma virada na minha vida: saí do jornal, me separei e vendi meu Fusquinha (que tinha 15 anos comigo). Em 2007, resolvi parar de trabalhar, eu já era aposentado pelo INSS e fui viver só dessa aposentadoria. Eu já pensava em aproveitar “o resto da minha mocidade” viajando.

AT
Você então não planejou essa viagem?

JO
A decisão central foi parar de trabalhar e viver da aposentadoria. E aí surgiu aquela coisa do comunista antigo que tem essa ideia de conhecer Cuba, ver como é a coisa polêmica que a gente sempre discute em mesa de bar. A imprensa internacional toda esculhamba e muita gente afinada com a luta do socialismo defende.

AT
Quanto tempo você morou em Cuba? Como ficou lá?

JO
Oito meses. Tem uma fórmula que sai mais barato que é você se hospedar em casas de famílias que são autorizadas pelo governo a receber visitantes estrangeiros. Fiquei na casa de uma senhora, com um quarto exclusivo e direito de usar os outros cômodos da casa.

AT
Qual a sua impressão sobre a vida em Cuba?

JO
Em termos dos nossos hábitos de consumo de classe média, tem muita precariedade. Só para lhe dar um exemplo, eu não encontrei lá fio dental. Um dentista inclusive me garantiu que esse produto não existia na ilha. Café descafeinado, tive dificuldade de encontrar, e bloqueador solar eu não achava. Em suma, uma pessoa de classe média sentirá muita diferença se for morar em Cuba.

AT
As pessoas já se acostumaram com isso?

JO
E
m parte. Em um dos meus artigos, disse que, apesar de a revolução ter 50 anos e ter se consolidado, a coisa do consumismo, acho que eles (os revolucionários) não conseguiram acabar com essa ideologia.

AT
Mas o consumismo é inerente ao ser humano...


JO
Você diz isso. Eu não acredito nisso, não. Acho que o homem pode viver sem isso .Mas o cerco, o apelo consumista é muito grande lá.

AT
Como isso ocorre?

JO
Os cubanos recebem as mensagens pelo cinema americano, que é muito difundido, pelas novelas brasileiras, que são popularíssimas, e tem também as emissoras de TV e rádio clandestinas transmitidas dos EUA justamente para minar a cabeça das pessoas com valores consumistas

AT
Os cubanos têm a percepção de que o regime é ditatorial?

JO
Eu acompanhei um processo eleitoral, com nível de participação altíssima. É difícil falar sobre isso. Percebi que uma parcela do povo é tocada pelos apelos consumistas e sente falta disso.Outro segmento sente falta da possibilidade de progredir na vida, melhorar o salário. Alguns têm o sonho de mudar para o Brasil ou EUA para ganhar dinheiro. Agora, a maioria da população aceita a situação. Aquela coisa de Raúl Castro substituir Fidel Castro, que nós achamos uma sacanagem, lá seria uma coisa estranha se não fosse o irmão, remanescente da revolução, que substituísse o comandante.

AT
O que dizem de Fidel?

JO

Ele é endeusado por quase todos. Se houvesse uma eleição direta (uma eleição burguesa que nós fazemos aqui), ele teria 90% dos votos tranquilamente. Lembrese dos vários ditadores eleitos pelo voto. Getúlio Vargas no Brasil, Hugo Banzer na Bolívia também, Antonio Carlos Magalhães na Bahia. Então, sem dúvida, Fidel também seria. A percepção que tive é que para os mais pobres o regime cubano é uma beleza.

AT
O nível de exigência dessas pessoas é pequeno?

JO

Veja só, a repressão policial aqui é muito pior que em Cuba. Aqui a polícia mata negro e pobre todo dia. Em Cuba, não existe isso. Em termos de qualidade de vida, os cubanos têm o mínimo para comer, assistência de saúde e escola de graça. Isso para os pobres é muito representativo.

AT
E como surgiu a ideia de visitar a Venezuela?

JO
No aspecto da efervescência política, Cuba me decepcionou, pois a coisa lá está meio institucionalizada com mobilizações populares burocratizadas. Aí eu inventei ir até a Venezuela. Fiquei lá em Caracas três meses e me encantei com a ebulição política do lugar.O que me chamou a atenção é que tem manifestação de rua quase todo dia. Eles inclusive usam muito o verbo “trancar”, pois passam grande parte do tempo trancando ruas. Aquilo é democracia participativa, quando o povo procura influenciar nas coisas.

AT
Você me falou certa vez que, apesar das notícias que Chávez cerceia a imprensa, ele sofre um bombardeio de várias TVs...

JO
Quando eu estava lá, Chávez tinha quatro canais de TV estatais, mas havia oito emissoras privadas que batem nele direto, à vontade. E a oposição a Chávez é muito grande? Muito grande e raivosa. Esse debate todo, com o protagonismo do povo,das organizações populares, me animou, pois foi uma coisa que eu não vi em Cuba.

AT
Chávez tem conseguido distribuir a riqueza do petróleo?

JO
Ele é muito centralizador, a implantação da revolução bolivariana depende muito dele e ele tem conseguido incluir organizações populares no processo político. Claro que tem avançado na distribuição de renda.

AT
E a Bolívia de Evo Morales?

JO
Lá, sim, a participação é ampla dos camponeses e da classe operária, dos mineiros que foram protagonistas da revolução de 1952. O protagonismo dos movimentos sociais é até bem maior na Bolívia que na Venezuela.

AT

Você esteve lá este ano, no período da eleição presidencial?

JO
Cheguei lá dois meses antes da eleição. E a participação dos movimentos sociais foi excepcional. No Brasil você não vê o povo participando e influenciando na política. O povo vota em Lula e pronto, não vai para a rua para defendêlo dos direitismos do Congresso, da Justiça. Lá, o povo está na rua por qualquer coisa, para defender Evo, que é muito fiel ao povo. Ele tem uma norma muito bonita: “mandar obedecendo”.

AT
Como ele combate a desigualdade social?

JO
De várias formas. Por exemplo, ele tem três programas sociais semelhantes ao Bolsa Família, um voltado à assistência da mulher parida e com filho até 2 anos; outro para crianças que estudam no primário; e a renda dignidade, que dá salário mensal às pessoas acima de 60 anos.Tudo tirado do dinheiro dos impostos do gás e petróleo que ele nacionalizou no primeiro ano do seu governo, em maio de 2006.

AT
Você é fã de Dom Quixote e fez uma espécie de jornada semelhante ao homem de La Mancha. Mas sua busca foi ao socialismo. Afinal o socialismo está vivo na América?

JO
Não considero a busca do socialismo quixotesca, (embora Dom Quixote na loucura dele também achasse sua jornada uma coisa séria). Hoje, depois de Cuba, Venezuela, Bolívia, Nicarágua, Equador e outros países, como Paraguai, El Salvador e o próprio Brasil, embora tenha avançado pouco, fica claro que o socialismo está vivo na América. Eu reproduzi, há pouco tempo no meu blog, um artigo do (filósofo e ativista americano) Noam Chomsky em que diz que a política da América Latina era uma dos mais interessantes para estudar, pois há a semente de uma integração soberana que contrariava realmente os interesses do império americano.

3 comentários:

Anônimo disse...

Bem que os Jornais do Pará poderiam seguir o exemplo, desse jornal da Bahia, e fazer uma entrevista com essa qualidade, e não ficar só nas baboseiras.
Macio Moreira estudande de História da UVA.

Anônimo disse...

Grande Jadson, e a Nossa Bahia está viva ainda lá, essa entrevista ficou execelente.
abraços
Rui Santana

Anônimo disse...

Boa entrevista, companheiro.

Parabens!

Zezé.