terça-feira, 10 de agosto de 2010

Lula:O azar do Serra é que ele foi candidato em um ano em que eu não tinha como perder ... e agora a Dilma tem todas condições de ganhar..


Continuação da entrevista de Lula .


Jornalista: O senhor acreditava que tinha?

Presidente: Tinha, acreditava que tinha. E fui colocando a Dilma em muitas reuniões e muitas coisas que, teoricamente, não precisaria participar. Comecei a levar ela para viajar comigo para ela poder começar a ver o mundo um pouco mais... numa concepção política.

Jornalista: Política.

Presidente: Eu acho, hoje, ela uma figura extraordinariamente preparada, politicamente preparada. É lógico que em política você está sempre se preparando. Às vezes as pessoas ficam comparando comigo. Não é possível comparar comigo porque eu venho de um mundo diferente, comecei...

Jornalista: História diferente...

Presidente: ...num mundo político diferente, e tenho um acúmulo diferente.

Jornalista: A geração é a mesma.

Presidente: A geração é a mesma.

Jornalista: A geração é a mesma, mas...

Presidente: A geração é a mesma, caminhos diferentes, traçamos caminhos diferentes. E eu acho que o que é importante é que ela hoje é uma mulher sem ressentimento, sem mágoa.

Jornalista: Pela história...

Presidente: Eu conto sempre o dia em que eu desci com ela de helicóptero no quartel do 2º Exército, em São Paulo. Quando o helicóptero parou, ela ficou olhando, olhando, e ela disse: “Foi aqui que eu fui trazida quando eu fui presa”.

Jornalista: Na Rua Tutóia, não é?

Presidente: E ela falou para mim: “Engraçado, eu não estou ressentida”. Entramos lá, fomos tomar café, cumprimentamos todo mundo. Eu achei isso um gesto de superação, o que é importante para alguém governar este país. Ninguém pode, ninguém pode... Quando você chega ao cargo de presidente da República, você não tem o direito de ter mágoa, de ter rancor, de ter ressentimento, de dizer “eu gosto de fulano...

Jornalista: Ser vingativo.

Presidente: ...e não gosto de beltrano.” Você não tem esse direito.

Jornalista: Presidente, um dos ministros também que esteve com o senhor no primeiro governo e que muita gente falava em eventual candidato, até pela projeção e surpresa que foi ele para todo o cenário político e econômico do Brasil, foi o próprio Palocci que, de alguma forma, está hoje com a ministra... candidata Dilma, e que provavelmente deve estar dentro desse governo, pelo que a gente viu, aí, falar. Como é que o senhor vê o papel do Palocci num eventual futuro governo Dilma?

Presidente: Olha, eu não gostaria de ver o Palocci num futuro governo, porque aí é um problema do futuro governo. Eu vou te dizer o que eu penso do Palocci. Eu acho que no Brasil nós temos, se é que temos, raríssimas pessoas com a inteligência política do Palocci. Eu digo sempre que eu debito uma parte do sucesso do meu governo, os primeiros dois anos, quando nós tivemos que comer carvão em vez de filé mignon, quando nós tivemos que trocar todo o capital político que eu tinha por uma política fiscal dura para a gente poder chegar onde nós chegamos... E, possivelmente, se não fosse o Palocci, a gente não teria feito isso. Talvez pela qualidade de médico, de não sentir a dor que sente o paciente, de não... ele manejava a economia com uma maestria...

Jornalista: É verdade.

Presidente: ...que possivelmente...

Jornalista: ... e com uma credibilidade...

Presidente: ... que possivelmente, um economista não manejasse. Então, eu debito muito o sucesso do governo ao Palocci, e é um animal político que, certamente, dará contribuições enormes a este país. Ele é muito jovem e eu acho que ele tem muitas contribuições a dar para o país ainda.

Jornalista: Presidente, o senhor, quando escolheu a Dilma, não era uma escolha clara do Partido. O senhor, em vários outros momentos, mostra uma posição independente do Partido, e o Partido terminou adotando. O senhor ficou maior que o Partido?

Presidente: Olha, primeiro, é humanamente impossível fazer qualquer DNA no PT e não me encontrar lá dentro. Da mesma forma, é muito difícil fazer um DNA em mim e não encontrar o PT aqui dentro. O fato de eu ter sido presidente me transformou numa figura infinitamente mais projetada do que o PT. Agora, isso não significa que eu seja maior do que o PT. O PT é um partido muito organizado no Brasil inteiro, é um partido que tem muita força, e muitas vezes as pessoas se enganam com relação ao PT porque as pessoas analisam o PT pelo diretório, pela direção estadual, pela direção municipal. E o PT é muito maior do que isso. Se vocês quiserem ver o que é o PT, é sair por este Brasil – e eu convido vocês, a partir do ano que vem, quando eu não for mais presidente –, sair para vocês verem o que é...

Jornalista: Estamos na caravana.

Presidente: ...a força desse Partido nos lugares em que a gente pensa que nem igreja existe. É um partido muito enraizado no movimento social. E veja que interessante: nós conseguimos construir no governo uma coisa mais ampla do que o PT. Quando eu criei o Instituto Cidadania, antes de ser presidente da República, era porque nas campanhas eu já tinha tido uma amplitude maior do que no PT. E como era difícil você levar as pessoas que não são do PT para conversar dentro da sede do PT, eu criei um instituto para levar as pessoas que não eram do PT, para se sentirem mais confortáveis conversando comigo fora da sede do PT. Foi daí que eu criei o Governo Paralelo, de que participou gente importante. Eu vou lhe dar um exemplo. Eu não conhecia o Roberto Rodrigues, e ele virou ministro da Agricultura. Apenas um exemplo de uma figura que eu não conhecia. E por que foi possível fazer isso? Porque nós tínhamos feito no Instituto Cidadania uma porta um pouco maior do que a porta do PT.

Eu, agora, acho que nós temos condições de construir uma coisa mais forte. Eu tenho dito a alguns companheiros – não é uma tarefa fácil –, mas eu gostaria de criar, dentro de um processo de reforma política, eu gostaria de criar uma frente ampla de partidos que...

Jornalista: Quer dizer, mais forte que o PT?

Presidente: ...pudessem construir um programa para o Brasil mais forte do que um partido, que pode ter gente de todos os partidos, que pode ter a maioria dos partidos...

Jornalista: Isso não significa a dissolução do partido.

Presidente: Hein? Não, isso não significa a dissolução do partido.

Jornalista: ...significa uma frente...

Jornalista: Mas é um pouco o que está dizendo o governador Aécio Neves.

Presidente: Significa uma espécie de Seleção brasileira. O Corinthians não deixa de ser Corinthians porque o Mano Menezes convocou o Juciley.

Jornalista: Juciley...

Presidente: E assim, nenhum time deixa de ser... deixar porque foi convocado.

Jornalista: Quer dizer, é uma frente mesmo.

Presidente: Mas é uma coisa maior, para construir um arco de aliança maior, para construir...

Jornalista: E poderia ter o PSDB nessa... nesse grupo ou não?

Presidente: Eu acho, eu acho, veja... Eu acho que acabou o tempo da ilusão em que a gente podia trabalhar junto com o PSDB. Eu acreditei nisso e muita gente do PT acreditou...

Jornalista: O senhor concorda com quem diz que eles foram para a direita mesmo? O senhor concorda com essa visão?

Presidente: O que eu acho é que eles escolheram outro projeto. Vocês estão lembrados...

Jornalista: (incompreensível)

Presidente: Vocês estão lembrados, vocês estão lembrados que logo que o Fernando Henrique Cardoso assumiu a Presidência, alguns companheiros que, naquela época se comportavam como gente de esquerda, até do PPS, que hoje não é mais um partido de esquerda, e criaram um jornal. Aquelas pessoas achavam que ia ter uma participação do governo Fernando Henrique Cardoso. Qual foi o problema? O problema foi o projeto da reeleição, que conduziu para uma relação promíscua com o Congresso Nacional e que desandou um pouco a coisa. Então, eu, eu... Essas coisas... é muito fácil falar, mas é muito difícil falar [fazer] porque você, para construir uma frente ampla, você precisa construir uma direção partidária, uma direção partidária que as pessoas respeitem...

Jornalista: Sim.

Presidente: ...que as pessoas vejam nela a liderança. Mas, de qualquer forma, eu, como vou ter tempo, eu vou... essa questão política...

Jornalista: Mergulhar nesse projeto.

Presidente: Essa questão política vai voltar com muita força na minha cabeça porque eu acho que nós temos que fazer uma reforma política para moralizar a política no Brasil, para fortalecer os partidos políticos, para moralizar a fidelidade partidária, para parar com esse negócio de judicializar a política, como ela está judicializada.

Jornalista: Isso não se faz por decreto.

Presidente: É isso. Isso você faz com debate político e eu quero estar vivo no debate político.

Jornalista: Nesta campanha, Presidente, com esse capital político que a gente já falou, enfim, é notório o senhor. Como é que é possível... como é que ele... a sua imagem pode ser usada sem ser... qual a dosagem certa que não ofusque a própria candidata? Como é que o senhor sente a sua participação nesta campanha?

Presidente: Olha, primeiro...

Jornalista: Com a ressalva, desculpe, que a própria IstoÉ fez na semana passada, na reportagem, mostrando que todo mundo quer ser Lula, é impressionante. Todo e qualquer candidato...

Presidente: Veja, eu fico feliz em saber que ninguém quer fazer campanha falando mal do Lula. Isso já é uma coisa boa, isso é uma coisa...

Jornalista: Isso é bem inédito.

Jornalista: É inédito também, não é?

Presidente: ...agradável. Mas eu tenho um lado, eu tenho partido e tenho candidato, e isso eu vou fazer questão de deixar público durante o processo...

Jornalista: Eleitoral.

Presidente: ...eleitoral. Eu acho que... uma coisa que nós temos que compreender... Eu, quando cito muito futebol, é porque futebol é a coisa mais fácil de o povo entender. O Fernandão era ídolo do Internacional de Porto Alegre. Ele foi jogar contra o Internacional agora, no Beira-Rio, e ele foi vaiado muitas vezes, ele foi provocado muitas vezes. Então, não existe possibilidade de o Lula ofuscar...

Jornalista: A candidata.

Presidente: ...a grandeza da candidata, porque vai chegando um momento em que, por si só, o clima na sociedade, o clima na imprensa, o clima no debate é da candidata, não é do Presidente. A sociedade vai percebendo isso. E muito melhor para a candidata se tiver um presidente que ela não tenha que ter vergonha de dizer: “Eu sou apoiada pelo Presidente”. Como, por exemplo, o Al Gore fez com o Bill Clinton. Então, nós estamos em uma situação boa, e acho que eu jamais faria qualquer coisa para ofuscar a importância da minha candidata como gestora deste país.

Jornalista: Dizem, dizem, Presidente, que o senhor, evidente que se tornou maior que o PT. Mas, no caso dela, o PT tem um peso muito grande, inclusive na campanha dela, não é? Porque tem o Presidente do PT na campanha dela, tem o Secretário-Geral, tem o Falcão, o Zé Eduardo, e que isso significa que no governo dela também – no provável governo dela – o PT também teria uma influência mais forte do que tem no seu governo, que, na verdade, o senhor é que dá a direção para o PT.

Presidente: Traz um café para nós.

Falar uma coisa...

Jornalista: O senhor acha que essa visão é correta?

Presidente: Não, não é correta, não é correta. Quem fala isso, na verdade, não conhece a Dilma. A Dilma é uma mulher de personalidade muito forte e...

Jornalista: Isso todo brasileiro (incompreensível)

Presidente: E o PT... Veja, primeiro, o PT está na direção da campanha, como esteve na direção da minha campanha em [19]89, [19]94, [19]98, 2002 e 2006. O PT esteve na minha campanha o tempo inteiro.

Jornalista: Mas, Presidente, mesmo esse relacionamento do senhor com o PT, ele foi mudando porque o senhor fez, inclusive, depois, campanha mais forte.


Presidente: Não, não, não, mas vamos ver uma coisa...

Jornalista: Fora do programa partidário.

Presidente: Mas vamos ver uma coisa, companheiros: a minha relação com o PT era diferente porque eu fui o criador do PT.

Jornalista: Sim, perfeito.

Presidente: Então, eu fui 13 anos presidente do PT. A minha relação com o PT sempre foi diferente da relação da Dilma,...

Jornalista: Sim, é uma história...

Presidente: que era uma filiada. Agora, o que acontece? O que acontece? A direção do PT, hoje, está totalmente afinada com a candidata, e a candidata totalmente afinada com a direção.

Jornalista: E aquele episódio do programa?

Jornalista: Do programa que...

Presidente: É que o programa... deixa eu contar uma coisa para vocês. Uma coisa que vocês não podem errar é confundir uma tese com um programa. Quando você constrói um programa suprapartidário, que cada partido coloca uma palavra, uma vírgula, alguma coisa, enquanto você não tiver a operação definitiva que diga “está pronto o programa”, não é programa, é pré-programa. E no pré-programa entra qualquer coisa. O programa, veja, não é um programa do PT e nem pode ser um programa do PT. Se o PT tem aliados políticos, o programa tem que ter uma síntese daquilo que é o pensamento dos partidos que compõem a base de apoio da ministra Dilma. É com isso que ela vai governar o país. E ela tem clareza disso e o partido tem clareza disso. Eu estou convencido de que os dois quadros principais do partido que estão na campanha dela, o Zé Eduardo [Dutra] e o... o Palocci e o Zé Eduardo Cardozo são três quadros extraordinários, e sobretudo a aliança política...

Jornalista: O senhor acha que ela vai ter ascendência no Partido, no momento em que ela for eleita, ela vai ter ascendência no Partido?

Presidente: Vai ter, vai ter. Deus queira que ela não tenha muita ascendência, porque não é importante que a candidata passe a ser muito mais forte, porque passa a querer desrespeitar. Não. O que eu quero é que ela tenha uma relação com o partido que seja uma relação de liderança, de respeito. Eu não quero nem que o partido tenha medo dela e nem que ela tenha medo do partido. Eu quero que os dois se respeitem. Se os dois se respeitarem, eles vão divergir, vão brigar, e vão construir o melhor para este país.

Jornalista: E ela parece que é boa de briga, não é?

Presidente: Ela é boa de briga.

Jornalista: Dizem que ela é firme nas posições dela, não é?

Presidente: Ela é boa de briga, é boa de briga, sabe defender as suas teses e sabe, quando perde, cumprir de forma categórica a tese vencedora.

Jornalista: Vai ter o PMDB no governo, e o senhor acha... Como é que o senhor vê a relação com o PMDB? O PMDB é tradicionalmente um partido fisiológico, faz muita exigência, pede muito ministério, pede muito cargo público. Como é que o senhor vê?

Presidente: Eu não acho que seja assim. Veja, nós temos que levar em conta que o PMDB é um partido forte e que continuará sendo um partido forte. É um partido que tem muitos vereadores, muitos prefeitos, muitos governadores, muitos deputados, muitos senadores. Sempre, qualquer que seja o governo, de ultraesquerda ou de ultradireita, vai precisar trabalhar com o PMDB.

Jornalista: Mas o Brasil vive um parlamentarismo, embora não pareça.

Presidente: Veja, mas é porque, quando nós fizemos a Constituição, esse foi um equívoco da Constituição de [19]88. Os constituintes e, sobretudo, o relator da Constituinte que cuidava da sistematização, o Bernardo Cabral, mais o companheiro Mário Covas, que era o líder do partido majoritário na época, nós construímos uma Constituição parlamentarista,...

Jornalista: Parlamentarista, é verdade.

Presidente: ...fizemos um plebiscito e o Parlamentarismo tomou uma “trolha” de 80%.

Jornalista: Aí fizemos uma coisa híbrida.

Presidente: Só para vocês saberem, só para vocês saberem, o PT, a direção do PT, a direção do PT da qual eu fazia parte, nós éramos parlamentaristas. Aí eu ia para o debate, o pessoal falava assim para mim: “Ô Lula, você é tonto, rapaz? Agora que...” – eu tinha 40% nas pesquisas – “Você é tonto, rapaz? Você, você...”.


Jornalista: (incompreensível)

Presidente: Não, ainda, naquele tempo, ainda não. O pessoal falava assim: “Agora que está chegando a hora de a gente chegar ao poder, você vai querer transferir para o Congresso te eleger? Não vai te eleger nunca, meu caro!”. Então, a conclusão: nós perdemos internamente. Internamente, no PT, a direção tomou uma surra. Acho que mais de 70% do PT...

Jornalista: Uma lavagem.

Presidente: ...votou contra a direção.

Jornalista: E hoje, o senhor continua parlamentarista?

Presidente: Veja, eu acho... deixa eu lhe falar. Eu acho que tudo está ligado à evolução cultural da sociedade e do Congresso. O parlamentarismo não dará certo, como não dará certo uma cooperativa, se você criá-lo de cima para baixo. Tem que haver uma descoberta dos partidos políticos de que aquilo é importante.

Jornalista: Um movimento...

Presidente: Eu, por exemplo, trabalhava com a ideia de que eu era favorável ao voto distrital. Por que eu era favorável ao voto distrital misto? Ora, por quê? Porque como eu imaginei e sonhei organizar o PT por núcleo - cada rua tem um núcleo, cada vila tem um núcleo, cada... - eu imaginava, com um partido com uma organização tão forte, que não haveria dinheiro no mundo capaz de ganhar uma eleição se você estivesse muito organizado. Então, eu sonhava isso. Então, você poderia ter as personalidades, que fossem candidatos gerais, e você poderia ter as lideranças sociais, que poderiam ser eleitas ali. Mas muita gente no PT não acreditava nisso. Muita gente no PT acreditava que o voto, tem que se pedir para todo mundo. E, nessa história, favorece quem? Quem tem dinheiro.

Jornalista: (incompreensível) poder econômico.

Presidente: Eu conheci deputado, eu conheci deputado que pegava helicóptero, ia para o interior para passar a tarde carregando gente de helicóptero. Parava em um campo de futebol, convocava cinco pessoas, colocava dentro, dava uma volta. E um coitadinho, que nunca andou de helicóptero, dar uma volta de helicóptero (risos)...

Jornalista: Votava nele.

Presidente: Então, só favorece quem tem dinheiro. Mas também, esse processo, ele não pode ser um estupro: ter apenas a maioria, e empurrar na garganta da minoria. Não. Nós temos que construir, com muito debate. O problema é que não há muito debate. Eu lembro que quando nós fizemos a campanha parlamentarismo x presidencialismo, quase todo ato público tinha briga entre o pessoal do PDT e o pessoal do PCdoB. Vira e mexe era...

Jornalista: Pancada física.

Presidente: ... pancada de bandeira, de cadeira, não pode ser assim. Então, eu pretendo, veja... Hoje, eu acho que eu tenho mais autoridade moral de chamar os companheiros e dizer: Olha, vamos ver o que é importante para o Brasil? Vamos abrir um pouco mão dos nossos interesses partidários? Não é o que é bom para o PT ou que é bom para o PC do B, para o PSB. O que é bom para este país, para melhorar o país? Para melhorar a qualidade política deste país?

Jornalista: Presidente, nesse momento o senhor vai ter novamente, talvez até lá, um papel de protagonista de um momento histórico político, caso, caso, nesses termos, o senhor criando essa grande aliança, ampla aliança política brasileira, se converte em uma revolução do modo como a política vem no país. Quer dizer, a sua intenção, então, é ter esse papel maior do que (incompreensível)?

Presidente: Eu quero. Eu quero ter esse papel aqui dentro, e quero me dedicar aqui dentro, e obviamente que a base para que eu tenha esse papel é eu tomar cuidado para não ser tratado como vaso chinês: que ninguém me queira, você sabe? Então...

Jornalista: Bonito, grande, vistoso...

Presidente: A primeira...

Jornalista: (incompreensível) deixa ele no canto.

Presidente: Grande e bonito, mas não tem onde pôr. Então, eu não quero. Eu, primeiro, preciso convencer o meu partido da ideia; depois, junto com o meu partido, convencer outros partidos da ideia. Eu já tenho conversado com algumas pessoas, e eu acho que há...

Jornalista: Há caminho para isso.


Presidente: ...há caminho enorme para isso.

Jornalista: Presidente, ainda na campanha da Dilma, da candidata Dilma, se fala muito da possibilidade...

Presidente: Até porque, veja... até porque... Deixa eu dar um dado, para depois a gente falar da Dilma. Até porque você... Eu tenho discutido muito também em nível internacional. Eu acho que... muita gente já conversou comigo para que eu tivesse um papel na Internacional Socialista. Eu acho que a Internacional Socialista é uma coisa que tem a cara da Europa, não tem a cara da América Latina, então eu seria um estranho no ninho nessa coisa. Mas eu quero também contribuir para que a gente discuta um pouco uma organização política aqui na América Latina.

Jornalista: Nos mesmos termos, nos mesmos moldes?

Presidente: Eu não sei, eu não sei.

Jornalista: Não é uma nova leitura de uma revolução social?

Presidente: Eu... Veja, porque... Você veja que mudou a cara política da América Latina, mas os partidos continuam os mesmos, as forças são as mesmas, a gente não evoluiu na organização internacional, não evoluiu. Então, o que é o partido do Chávez? O que são os partidos políticos na Argentina, que tem um monte de partidos, mas todos são peronistas? O que é o... o partido mais organizadinho é o do Uruguai, que tem a frente ampla, já muito consolidada. O que é no Paraguai, os partidos políticos em que você tem um presidente que foi eleito por fora dos dois partidos maiores? Então, é juntar essa coisa toda e começar a elaborar, possivelmente, uma nova doutrina da criação de uma instituição política, que pense em uniformizar determinados...

Jornalista: Princípios.

Presidente: ...princípios aqui na América Latina. Que não venha com o dogmatismo do Manifesto, que não venha com aquele negócio da Terceira, da Quarta Internacional. Ninguém quer...

Jornalista: Aí é um retrocesso.

Presidente: Não quero mais saber disso, não quero mais saber...

Jornalista: Não é marxista.

Presidente: Não, não.

Jornalista: Não é... Definitivamente, não é marxismo.

Jornalista: E a pergunta que eu ia fazer, da Dilma, é...

Presidente: Não, nem pensar nisso.

Jornalista: A pergunta que eu fazer, da Dilma, vem até de um temor que tem muito, por exemplo, na área empresarial, até – eu ouvi muito, em algumas conversas – de ser um governo eventualmente mais estatizante, por exemplo. O senhor acredita na...

Presidente: Não há, não há, não há hipótese. Eu conheço, gente, a Dilma e sei o que a

Dilma pensa.


Jornalista: A estatização não é um caminho?

Presidente: Obviamente, veja... Obviamente que nem nós queremos ser estatizantes, nem nós queremos carregar a pecha que nos imputaram nos anos 80, de que o Estado não valia nada e que o mercado era o deus todo poderoso. Essa crise americana mostrou que o mercado é frágil, é corrupto, e que quem tinha Estado mais forte se salvou primeiro. Quer dizer, no caso do Brasil, se a gente não tivesse o Banco do Brasil, como é que a gente iria comprar a carteira de financiamento do carro usado do Bamerindus [Votorantim]?

Jornalista: Do Votorantim.

Presidente: Do Votorantim. Eu, eu lembro de uma outra conversa que eu tive com um cara, uma vez, que valeu para o Banco Votorantim. Eu, uma vez, era candidato, cheguei para um cara e o cara falou assim para mim: “Ô Lula, como é que você vai democratizar as Forças Armadas?” Eu disse: Olha, não, nós vamos cuidar de... os militares vão ter que estudar nas escolas públicas, vão ter que participar junto com toda a sociedade e... E fui falando: fazer as mesmas universidades, não tem essa de ter escola particular, de ter formação. E o cara falou: “Você sabe quanto tempo a gente leva para formar um general? Quarenta anos. Você só tem quatro anos de mandato. Então, meu filho, você não pode esperar. Tudo o que a gente tiver que fazer, o nosso tempo é quatro anos”.

Jornalista: Talvez oito.

Presidente: Talvez oito, talvez oito. Então, vejam, aí eu cheguei para o Banco do Brasil e para o Guido Mantega, numa reunião, e falei o seguinte: Companheiros, nós não podemos deixar quebrar as finanças [o financiamento] de carro usado, porque se não vender o carro usado, não tem compra de carro novo. Só um jornalista da IstoÉ pode trocar [comprar] carro novo sem vender o usado, mas os outros...

Jornalista: Olhe, nem todos... (risos).

Presidente: Aí, aí eu falei para o Dida: Ô Dida, como é que o Banco do Brasil está nessa? O Banco do Brasil pode financiar carro usado? “Ah, nós não temos expertise, Presidente”. Eu falei: O que a gente faz, então? “Nós temos que formar”. Eu falei: Mas que formar, porra, nós não temos tempo de formar! A crise está aqui, batendo...

Jornalista: É hoje!

Presidente: ... está batendo hoje! Vamos comprar quem tem. Votorantim tem e quer vender? Aí, compramos 50% da expertise do Votorantim. Acabou o problema, acabou o problema. O Serra queria vender a Caixa Econômica estadual [Nossa Caixa]. Aí começaram a dizer para mim: “Você não pode comprar, você não pode comprar porque o Serra é candidato adversário, o Serra vai juntar muito dinheiro para a campanha”. Eu falei: Ô gente, vocês são doidos? Você acha que eu vou deixar de comprar um banco que interessa para mim, para fazer o Banco do Brasil voltar a ser o maior banco do Brasil, por causa de campanha do Serra? Quem vai fiscalizar o dinheiro do Serra é a Justiça eleitoral, não vou ser eu. Nós vamos comprar. Compramos.

Jornalista: É verdade, são dois grandes movimentos, não é?

Presidente: Então, a gente não... Quando a gente chega aqui, é menos teoria e mais prática. Quando a gente está na oposição, a gente está discutindo, você fica na mesa de um bar conversando, você fala: “Eu penso isso, eu acho aquilo, eu acredito naquilo”. Mas quando você se senta naquela cadeira, você não acha, você não pensa, e você não acredita: você faz ou não faz. E tem que tomar decisão é na hora e não tem que se preocupar com a repercussão. Eu, de vez em quando, adoto uma máxima do Chico Buarque: tem que ouvir o “ministério do vai dar merda”. Então, eu aprendi, aprendi... quando vai tomar a decisão, sempre chamar outras pessoas para perguntar: Escuta aqui, isso aqui vai dar merda ou não? Que é para...

Jornalista: Muito bom.

Presidente: Que é para a gente estar preparado para isso.

Jornalista: Perfeito. Presidente, e até na direção contrária, a Ministra...

Presidente: Eu vou te contar uma história, como é que a gente... Governar é uma coisa engraçada. Uma vez, o Gilberto Gil propôs criar a...

Ministro Franklin Martins: Ancinav.

Presidente: Acinav.

Ministro Franklin Martins: Ancinav.

Presidente: Ancinav. Era uma proposta, era uma proposta e, de repente, a gente estava tomando porrada de todos os lados. De todos os lados a gente estava tomando bordoada. Então, eu reuni todos os ministros envolvidos naquilo – Justiça, Fazenda, Indústria e Comércio, Cultura –, e tinha mais uns três ou quatro – Secom, Comunicação – em uma mesa, esta mesa aqui – lá no Alvorada. Eu falei, companheiros, olha, eu estou vendo pela imprensa essa proposta da Ancinav aí, nós estamos apanhando muito e eu quero saber o seguinte: se todos nós estamos de acordo com a proposta que está na mesa.

Jornalista: Ao governo.

Presidente: Foi fantástico. Nenhum ministro concordava com a proposta.

Jornalista: Nem o Gil?

Presidente: Não, porque era uma proposta para debate, era uma proposta para debate, e surgiu como se fosse uma proposta acabada do governo.

Jornalista: Que coisa, hein?

Presidente: Então, eu falei: pelo amor de Deus, gente, alguém tem que comunicar à imprensa que está retirada a proposta. Se ninguém está defendendo a proposta, por que ela vai continuar? Então, isso são coisas de governo...

Jornalista: Claro.

Presidente: ...que ou você toma a decisão rapidamente ou você é engolido rapidamente.

Jornalista: O Inácio tem uma dúvida, que ele ontem falou comigo, e o senhor está falando sobre essa questão, inclusive, do pulso, do comando. Na verdade, o Brasil, pela primeira vez, vai ser presidido por uma mulher. O senhor acha que... É evidente que o brasileiro ainda é muito machista. Isso, não há nenhuma dúvida. O senhor acha que isso não... A gente já tem experiência para isso? Quer dizer, o país já é capaz, de fato, de conviver com isso?

Presidente: Olhe, eu penso que o preconceito é uma coisa cultural muito forte no mundo e no Brasil. Mas se você vir a ascensão das mulheres nesses últimos 20 anos, é uma coisa extraordinária. Eu fui a um debate com os empresários no Paraná, na sexta-feira passada, e eu dizia para os empresários: o que leva um homem a ter preconceito contra o ser humano que o carregou na barriga nove meses? Que o limpou enquanto ele não sabia se limpar, que o ensinou a comer quando ele não sabia comer, que formou o seu caráter, e que continuou cuidando dele até ele casar, e só parou quando a sogra começou a se invocar.

Jornalista: É, aí realmente...


Presidente: Sabe, qual é a razão que a gente tem para não acreditar no ser que fez a gente? Porque vamos ser francos: o nosso caráter é da nossa mãe. A gente pode adorar o pai da gente, mas na hora que a gente caiu, quem estava perto da gente era a nossa mãe; na hora que a gente tinha dor de barriga, quem estava perto da gente era a nossa mãe; na hora que a gente acordava de noite chorando, quem estava do nosso lado era a nossa mãe; quem se levantava para trocar a nossa fralda de noite era a nossa mãe; quem colocava a mamadeira na nossa boca, de manhã, era a nossa mãe; quem dava o peito para a gente machucar era a nossa mãe. Por que nós temos preconceito contra essa figura tão nobre? Eu tenho dito para a Dilma: a única diferença, Dilma, é que você tem que dizer: eu não vou governar o Brasil, eu vou cuidar do povo brasileiro. Porque a palavra correta é cuidar. Você tem que cuidar, e cuidar da parte mais pobre, porque o rico vem aqui e pede um bilhão e sai falando mal de você. O pobre te pede R$ 10 e fica agradecido pelo resto da vida. Então, nós temos que cuidar do povo. Este país não pode continuar com o povo esquecido.

Então, eu acho que nós vamos vencer o preconceito. Eu quero ajudar, ajudar a vencer esse preconceito porque eu fui vítima de muito preconceito. Vocês sabem que as primeiras eleições que eu perdi, eu perdi porque o pobre não confiava em mim. E eu não tinha mágoa dele porque ele não confiava em mim. Ora, ele me via e ele falava: “Pô, esse cara... porque eu vou votar nele?” Era isso que levava ele a desconfiar de mim. Então, eu precisei perder três eleições, eu amadureci muito e a sociedade foi amadurecendo para poder compreender que poderia votar. Hoje eu acho que o grande legado que vai ficar da minha passagem pela Presidência são os pobres deste país estarem acreditando que eles podem chegar lá, eles podem. Então, eu acho que esse é o grande... e é isso o que eu quero fazer com a mulher. A mulher não é apenas a maioria numérica. A mulher, em muitas funções, ela é igual à gente ou mais competente do que a gente. A mulher... todos vocês são casados. As mulheres de vocês são mais corajosas do que vocês, e a minha também.

Jornalista: A minha vai adorar escutar.

Presidente: Ela tem coragem... As nossas mulheres têm coragem de fazer brigas que nós não fazemos.

Jornalista: É verdade.

Presidente: Às vezes, o vizinho enche o saco e nós ficamos “não, vamos conversar”. A mulher fala: não tem essa, não! Abre a porta, vai lá e fala... Eu acho isso uma coisa estupenda.

Jornalista: Quer dizer que nessa ...

Presidente: Eu acho a coragem da Marisa, para tomar decisão, infinitamente maior do que a minha. Com ela... eu tento contemporizar: não, não vamos brigar agora, vamos deixar para...

Jornalista: ... é a palavra dela é (incompreensível)...

Presidente: Ela fala...

Jornalista: Todas elas, não é?

Presidente: ...o negócio é o seguinte: eu tenho que resolver, é resolver já, não tem meio termo.

Jornalista: Não tem meio termo.

Presidente: Eu acho isso... e acho que toda mulher é assim, toda mulher.

Jornalista: E o grande opositor, nesta campanha, é o candidato Serra, José Serra, que também foi o seu... que também, lá atrás, já tentou um... contra o PT, uma disputa. Como é que o senhor encara hoje o papel do José Serra nessa disputa? Como é que o senhor vê ele como candidato e adversário da Dilma?

Presidente: Essa é uma eleição, essa é uma eleição, para mim, eu diria, engraçada, porque eu tenho dois candidatos que foram do meu partido. Três, o José Maria, do PSTU também.

Jornalista: Quatro, não é?

Jornalista: O Arruda.

Ministro Franklin Martins: E ainda tem o do PSOL.

Presidente: Não, tem o Plínio de Arruda Sampaio, a Marina e o Zé Maria.

Ministro Franklin Martins: Não, não. E a Dilma.

Jornalista: E a Dilma também.

Presidente: Não, não, veja... Eu estou falando...

Jornalista: Quatro.

Presidente: Eu tenho três da oposição, que foram do meu partido. Tem o Serra, que é uma pessoa com quem eu tenho uma relação de respeito muito antiga; e tem a Dilma, que é a minha candidata. Eu, quando vir eles debatendo ali, eu não tenho nenhum inimigo. Eu tenho alguns adversários disputando com a minha candidata. E eu acho que o Serra deu azar, o Serra deu azar de disputar comigo quando eu não podia perder... Em 2002, eu digo isso assim, com a alma, eu, eu nunca tive a menor preocupação de que eu não ganhava 2002. Eu estava convencido de que era a minha vez.

Jornalista: De que tinha chegado a hora.


Presidente: Eu estava convencido de que estava chegando a hora. E eu tinha participado da candidatura do Montoro, em [19]82 e... não adiantava, era a hora do Montoro ser governador. Então, podiam falar o que quisessem, que ele tinha 20 aposentadorias, 80 aposentadorias, era a hora dele. E foi a hora dele.

Em 2002, eu sabia que era a minha hora. Eu lembro que quando eu não ganhei no primeiro turno, eu cheguei no gabinete... no comitê, à noite, tinha uns cem delegados da América Latina, todo mundo lá, triste porque eu não tinha ganhado no primeiro turno. Estava lá o Zé Dirceu, o Duda Mendonça, na frente da telinha, medindo votos: “Vai dar por meio ponto, vai dar...”

Jornalista: Nós acompanhamos tudo.

Presidente: Eu falei: gente, deixa pra lá. Para mim, primeiro ou segundo turno, vai apenas demorar um pouco mais, mas vai aumentar a diferença, bem maior. E foi uma coisa extraordinária o segundo turno, porque o segundo turno, ele permite que você tenha um embate direto. Eu, eu, hoje, hoje, eu agradeço a todos os santos o segundo turno com o Alckmin, porque eu pude lavar a minha alma. E eu pude tirar... eu pude aumentar a minha votação em 12 milhões de votos, e ele perdeu uma coisa inédita: 3 milhões de votos.

Jornalista: (incompreensível) fazer menos votos, não é?

Jornalista: Mas o azar do Serra, o senhor estava falando do azar do Serra. Na primeira...

Presidente: Então, o azar do Serra é que ele foi candidato em um ano em que eu não tinha como perder as eleições. E ele, agora, é candidato em um ano em que a Dilma tem todas as condições de ganhar as eleições, porque o governo está muito bem e porque as coisas vão melhorar. Então é uma... é uma...

Jornalista: O senhor acredita no primeiro turno, ainda?

Presidente: Ora, veja, eu respeito muito o processo eleitoral, eu respeito muito. Para mim, não importa que seja no primeiro ou no segundo, nós temos que ganhar as eleições, nós temos que trabalhar para ganhar as eleições. Eu acho que é uma eleição que pode terminar no primeiro turno, mas também, se for para o segundo turno não existe nenhum problema, nenhum trauma, nós vamos fazer uma bela campanha.

Jornalista: Só uma última questão, ainda nesse aspecto aqui, quer dizer, sendo Dilma ou Serra o próximo presidente, o que se fala muito é que há uma grande possibilidade do senhor... em 2014, eles encararem o senhor, de novo, pela frente. E como é que essa possibilidade está desenhada?

Presidente: Não, vamos, vamos, vamos ver, colocar a política no seu devido lugar. Quando você tem um político cretino, esse político, ele não quer que o seu aliado ganhe, porque ele quer que o adversário ganhe, porque ele quer voltar quatro anos depois. No meu caso, eu lancei a Dilma candidata porque eu quero que ela ganhe, porque eu quero que ela faça um governo melhor do que o meu e que ela tenha direito a ser candidata à reeleição, é um direito legítimo dela. Não tem essa de que a Dilma vai ser candidata para o Lula voltar em 2014, não existe essa hipótese. A hipótese é que, se a Dilma for eleita, ela vai fazer um governo extraordinário e ela vai ser candidata à reeleição. Ora, se for o adversário que for candidato, aí a história muda de figura, mas aí eu preciso estar bem, porque eu já vou estar, meu filho, com 69 anos, e você sabe que com 69 anos parece novo, mas não é tão novo não.

Jornalista: O Serra está aí com...

Presidente: Pois é. Eu acho que chega um momento... Eu, às vezes, acho que na política deveria ser que nem na Igreja Católica: para você se aposentar... precisa se aposentar com...

Jornalista: Setenta e cinco anos.

Jornalista: Setenta e cinco.

Presidente: Não, eu acho. Setenta e cinco, se aposentar mesmo. Eu acho.

Jornalista: Setenta e cinco... (incompreensível) em 2014 dá bem, dá bem...

Jornalista: Presidente, eu sei que o tempo está...

Presidente: Fale a pesquisa aqui, para vocês, da Sensus...

Jornalista: Da Folha... Sensus.

Jornalista: Da Sensus, saiu já?

Presidente: Dilma, 41,6%; Serra, 31,6%; Marina, 8,5%.

Jornalista: Data Folha vai ter que se explicar.

Jornalista: Não, não, porque está... Ela está crescendo, o outro está caindo.


Jornalista: A sua relação com a Justiça Eleitoral: todo mundo ficou achando que o senhor estava menosprezando a Justiça Eleitoral. O senhor acha que esse é o problema, ou o problema é a lei eleitoral que é ruim?

Presidente: Não, veja, deixa eu lhe falar uma coisa: eu acho que, de vez em quando, determinadas notícias são colocadas com uma dosagem de má-fé muito grande e não com o sentido do que eu quis falar. Na verdade, eu estava fazendo uma crítica era muito mais ao Congresso Nacional, de não definir corretamente a legislação e permitir que a política fique judicializada, ou seja, a cada eleição você tem uma interpretação, quando, na verdade, o Congresso Nacional deveria fazer uma lei definitiva, em que a lei fosse para prefeito, fosse para governador e fosse durante 10 anos, 15 anos, 20 anos ou 30 anos. Você não pode, a cada legislação você ter...

Jornalista: Você ter um jogo diferente.

Presidente: Um jogo diferente. Então, a minha crítica não foi à Justiça, até porque a Justiça interpreta a legislação que é votada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República. E, muitas vezes, ela é sancionada sem que eu possa vetar, porque não há possibilidade de veto. Tal como é construído, você não pode vetar. Mas eu acho que, no Brasil, nós temos coisas para mudar, muitas. Deixa eu terminar meu mandato que aí vocês me convidam...

Jornalista: Não, o próprio Presidente... O Presidente do TSE...

Presidente: Aí, eu vou almoçar com vocês, eu vou almoçar na IstoÉ para dizer o que eu acho que deve mudar (incompreensível).


Jornalista: Não, o próprio Presidente do TSE nos deu uma entrevista, na semana passada, dizendo que ele acha que as campanhas eleitorais deviam começar em janeiro. Ele acha que é muito, muito curto o período da campanha eleitoral.

Presidente: Não, o discurso do Lewandowsky na posse dele foi extraordinário, porque ele fez uma crítica profunda à judicialização da política, ele falou. E, aí, os partidos têm culpa. A culpa não é do juiz, a culpa é dos partidos políticos, que caminham para esse lado.

Jornalista: Presidente, para não perder o plano internacional, e sei que estamos com um tempo muito rápido. Vamos direto, agora...

Ministro Franklin Martins: A agenda está toda atrasada.

Jornalista: Desculpe, Presidente. A mais ousada...

Ministro Franklin Martins: O Gilberto já ligou duas vezes.

Jornalista: A mais ousada ação do seu governo na política externa, nos últimos tempos, foi essa intermediação na questão atômica com o Irã, e eu queria saber do senhor, passado um pouco: o que faltou para essa intermediação ter tido êxito? Como é que o senhor vê (incompreensível) daquela...

Presidente: Olhe, esse é o tipo da coisa que somente o tempo vai se encarregar de mostrar o que aconteceu. Veja, eu não tinha nenhuma relação de amizade com Ahmadinejad. Eu conheci o Ahmadinejad em uma reunião da ONU, antes da minha ida a Pittsburgh para discutir o G-20, e tive uma conversa com Ahmadinejad, e discutimos duas horas. E a primeira coisa que eu comecei a discutir com ele era a respeito do Holocausto, se era verdade ou não que ele não acreditava no Holocausto. E ele disse: “Bom, não foi bem isso que eu quis dizer”. Eu falei: se não é isso que você quis dizer, então diga, porque em política, toda vez que a gente começa a se explicar muito, é porque a gente cometeu o erro. Então ele disse: “Não, é que morreram 67 milhões de seres humanos na Segunda Guerra, e só os judeus parece que morreram, se fazem de vítima”. Eu falei: se é isso que você quer dizer, Ahmadinejad, então você diga que morreram 67 milhões de pessoas na Segunda Guerra, mas que os judeus não morreram em guerra, eles foram assassinados, a sangue frio, crianças, mulheres e homens, em câmaras de gás. Então, é diferente. Não precisa negar um para reconhecer que morreram 67 milhões... Eu senti que tinha uma possibilidade de conversa.

Jornalista: E teve mesmo.

Presidente: Ele, pessoalmente, é muito mais afável do que na televisão. Mas eu, também, está cheio de gente que eu encontro e fala: “Lula, como você é simpático pessoalmente, você é mais bonito pessoalmente do que na televisão”. Na beleza, eu não acredito, mas mais simpático pode ser, porque na televisão quando acende uma câmara você fica... você fica travado. Bem, eu cheguei na ONU, cheguei em Pittsburgh, tinha dado uma entrevista: Sarkozy, Gordon Brown e Obama criticando (incompreensível) o Ahmadinejad. A primeira pessoa que eu fui foi o Obama. Falei: companheiro, você já conversou com o Ahmadinejad alguma vez? “Não”. Você se dignou a pegar o telefone e ligar para ele e dizer “eu quero conversar com você?”. “Não”


Jornalista: Ou seja, era apenas...


Presidente: A mesma conversa eu fiz com o Sarkozy: Sarkozy, você já conversou com o Ahmadinejad? “Não”. Gordon Brown, você já conversou com o Ahmadinejad? “Não”. Angela Merkel, você já conversou com o Ahmadinejad? “Não”. Ora, vocês nunca conversaram com o Ahmadinejad, e vocês estão dizendo que ele não quer sentar à mesa para negociar essa questão da paz. Então, eu queria dizer para vocês o seguinte: eu acredito que ele queira sentar. E eu vou... estou convidando ele para ir ao Brasil, estou convidando o Primeiro-Ministro de Israel, estou convidando o Shimon Peres, estou convidando o Presidente da (incompreensível), estou convidando o Presidente da Síria para ir ao Brasil. Separadamente, cada um na sua data.

O Ahmadinejad veio aqui, nós conversamos mais de duas horas, aí eu falei: se você… se for possível a gente avançar, eu mando o Celso Amorim ir muitas vezes lá. Como a Turquia também estava tentando, então, nós fomos. O Celso Amorim e o Ministro das Relações Exteriores da Turquia começaram a conversar, e a conversar com o Primeiro-Ministro do Irã, preparando a nossa ida lá. Em Copenhague, quase que eu consigo marcar um jantar entre Sarkozy e Ahmadinejad. É que a rainha da Dinamarca não convidou o Ahmadinejad para o jantar, então, ficou eu e o Sarkozy e não deu – que foi na COP 15.

Jornalista: Sim.

Presidente: Bem, aí foi chegando próximo de ir ao Irã, o Celso foi várias vezes lá, eu falei: Celso, é preciso dizer para o Ahmadinejad que eu não posso fazer uma viagem inútil.

Jornalista: A troco de nada.

Presidente: Eu preciso ir lá e conversar. E fomos ao Irã, Sarkozy tinha falado conosco da moça lá, que estava presa, se poderia ter o gesto de liberar; eu conversei com o Ahmadinejad, ele se comprometeu a liberar, tanto é que eu cheguei à meia-noite lá, às 5h da manhã ele liberou.

Jornalista: É verdade.

Presidente: Bem, e eu fui. Duas semanas antes de eu viajar, recebo uma carta do Obama, e a carta do Obama era uma carta que tinha um viés: primeiro, tratando de uma forma carinhosa pela grosseria que ele tinha tido quando nós fomos discutir o assunto nuclear lá, que ele achou que eu e a Turquia estávamos acreditando, sonhando com o Ahmadinejad, acreditando demais no Ahmadinejad; e que ele ia enganar a gente; que ele não cumpria nada e que não sei das quantas. Isso que eles falavam.

Jornalista: Ingênuos.

Presidente: E eu falei: Olha... A Hillary Clinton me chamando de ingênuo...

Jornalista: A Secretária...

Presidente: Eu falei: Olha, o problema é o seguinte: eu nasci na política, meu filho, eu nasci. Eu, toda a minha vida, desde os anos [19]69, a minha vida foi negociar; perdi muita coisa, ganhei muita coisa, mas negociar é a arte maior de fazer política. Então eu vou lá, porque eu acredito. Tanto é, quando eu cheguei à Rússia, na viagem para o Irã eu passei na Rússia, e o Medvedev me falou: “O Obama me ligou dizendo que ele acha que você vai ser enganado pelo Ahmadinejad”. Aí, teve um jornalista que perguntou: “Escuta aqui: de 0 a 100...”.

Jornalista: De 0 a 100.

Presidente: “...qual é o grau de otimismo que você tem de fazer a negociação?”.

Jornalista: Essa, essa...

Jornalista: Ele falou...

Presidente: O Medvedev falou: “30%”; eu falei: Porra!

Jornalista: (incompreensível).

Presidente: Que otimismo pessimista.

Jornalista: Eu lembro.

Presidente: Eu, 99,99%. Cheguei ao Catar, o Obama tinha ligado para o rei do Catar... para o Emir do Catar: “É... porque vão enganar o Lula, porque não sei das quantas”.

Jornalista: Estava com medo do protagonismo.

Presidente: Aí, chegamos ao Irã. Chegamos ao Irã, conversamos, conversamos, conversamos, conversamos... Quando foi 9h, fui conversar com o grande líder, fui conversar com o grande líder... não, Líder Supremo.

Jornalista: Líder Supremo.

Presidente: Duas horas de conversa. Depois fui conversar com o Larijani

Ministro Franklin Martins: Larijani é o presidente da Assembleia.

Jornalista: Sim.

Presidente: Que é a grande oposição ao Ahmadinejad. E, com todos, eu falei da importância, falei que eles não poderiam arriscar o bloqueio, porque o bloqueio começa sem dor e, daqui a pouco, começa a faltar remédio, começa a faltar comida, começa a faltar, e quem paga o preços são as crianças, depois os mais velhos.

Jornalista: Você foi envolvendo um pouco.

Presidente: Contei para ele que eu tinha vivido isso... Visto isso em Cuba, há 50 anos, visto isso na Líbia, vi na Líbia 13 anos de bloqueio, e que não é uma coisa boa. E como o Irã... Conversei tudo o que eu podia conversar.

Bem, o Celso Amorim teve um papel extraordinário, junto com os ministros. Chegou no outro dia, 9 horas da noite, nós fomos jantar, o Celso não estava no jantar e estava o ministro deles. Eu falei: “Pô, azedou. Esse aqui estava muito pessimista. Esse aqui, na hora que eu saí do hotel falou ‘ah, não vai dar nada’, sabe, isso aqui... quebramos a cara”. Calma, rapaz, calma, vamos ter fé, rapaz, a fé é que move montanhas. Aí, cheguei lá, estava o ministro dele e não estava o Celso Amorim: “Ih, rapaz, acho que azedou mesmo”. Aí eu falei para o Ahmadinejad: “Ó, companheiro, eu amanhã vou embora. Você sabe que para vir aqui eu larguei minha mulher e meus filhos, tenho tarefa para caramba no Brasil. Eu vim aqui porque eu quero para você o que eu quero para mim. Eu quero que o Irã desenvolva o enriquecimento de urânio para fins pacíficos, para produzir coisas para a indústria farmacêutica, para produzir coisas para produzir energia nuclear. E no meu país está na Constituição. E eu não quero que, por equívoco, o mundo rico, que tem bomba nuclear, te impeça de fazer isso. Então, na verdade, eu vim aqui para dar as minhas costas para repartir as chibatadas que você está tomando. E não gostaria de ir embora sem assinar esse acordo. Porque, se eu for embora sem assinar o acordo, eu vou ter que começar a fazer o discurso que você não quer negociar mesmo”.

Jornalista: E aí ele assina?

Presidente: Aí, ele falou: “Vamos conversar amanhã de manhã?”. Eu falei: “Vamos”. O Celso, o ministro dele estava comigo e ia encontrar com o Celso ainda. Aí, o ministro dele falou assim para mim: “Presidente, falta só um ponto. Eu vou encontrar com o Celso agora”. Quando foi meia-noite eu chego no hotel, o Celso me liga: “Presidente, fechamos”. Aí, nós fomos para acertar o acordo. Aí, lá, o físico dele...

Jornalista: O quê?

Presidente: Físico. Nego dando palpite, que você nem imagina, é como aqui no Brasil.

Ministro Franklin Martins: (incompreensível) do PT. (risos)

Presidente: Aí, eu chego lá, os caras não queriam colocar data, os caras não queriam assumir compromisso com data. Eu falei: “Sem data nós não concordamos”. Eu falei: “Ahmadinejad, você sabe, você sabe o que falam de você. Lá fora, na Europa, Estados Unidos, falam que você não cumpre palavra, você sabe disso. Então...

Jornalista: Importante essa franqueza, não é? Colocar isso para ele deve ter sido...

Presidente: Então...o que vai... O que vai me dar confiança é o seguinte: é você colocar data, que tal dia você vai mandar tal coisa, tal dia vai mandar tal coisa, tal manda outra coisa. Ele topou. Qual foi a minha surpresa, companheiros?

Jornalista: Ducha fria na ONU?

Presidente: Qual foi a minha surpresa? É que o pessoal que estava há não sei quantos anos tentando conversar com o Ahmadinejad, e nunca conversaram porque nunca tentaram, ficaram com ciúmes. E aí teve a reação, na minha opinião, que é a única explicação da ciumeira do Conselho de Segurança. Nós ainda mandamos para o Grupo de...

Ministro Franklin Martins: De Viena.

Presidente: De Viena, que é Rússia, Estados Unidos e França, a carta, no domingo, ou seja, e ainda assim eles tentaram...

Jornalista: Barrar.

Jornalista: O senhor acha que eles aceitariam, eles aceitariam, Presidente, o Brasil, o Brasil no Conselho? Como o senhor define? O senhor acha que um dia eles aceitariam a presença do Brasil no Conselho?

Presidente: Eu vou dizer uma coisa... Deixa eu lhe dizer uma coisa. Então eu acho – só para concluir – eu acho que... eu acho que a história vai mostrar o equívoco dos companheiros que resolveram trocar, trocar, trocar as conversas pelas sanções, porque demonstrou apenas ciúmes e, na minha opinião, uma atitude pequena na política.

Jornalista: (incompreensível)

Presidente: Veja, o problema...

Jornalista: E eles aceitam ou não aceitam, Presidente?

Presidente: O problema é o seguinte: se a ONU continuar fraca do jeito que está, vai prevalecer o unilateralismo, ou seja, a posição unilateral dos americanos vai continuar prevalecendo. Quando nós propusemos fortalecer a ONU, não é a entrada do Brasil, é a entrada do Brasil, é a entrada da Índia, é a entrada da Alemanha, é a entrada de dois ou três países africanos.

Jornalista: É uma luta histórica do Brasil, um assento (incompreensível).

Presidente: É, uma coisa, uma coisa para que tenha mais representatividade. Você imagina o continente africano, com 53 países, não tem ninguém! E quantos tem, europeus? E, agora, tem mais a Alemanha, convidada especial. Ou seja, aquilo não é um clube de amigos.

Jornalista: E o quadro ainda é da Segunda Guerra Mundial, até hoje é esse quadro.

Presidente: Aquilo não é, aquilo não pode ser tratado como se fosse um clube de amigos. Aquilo tem que ser uma instituição multilateral para resolver problemas de conflitos. No Oriente Médio, veja, no Oriente Médio, eu vou terminar dizendo isso, no Oriente Médio, na minha opinião, não haverá paz enquanto os americanos acharem que são eles os responsáveis pela construção da paz!

Jornalista: Esse caso (incompreensível).

Presidente: Porque não vai haver? Porque ali você tem que saber o seguinte: quem é que tem força no Hezbollah? Quem é que tem força no Hamas? Qual é o papel do Irã? Qual é o papel do Catar, que é aliado dos americanos de um lado, e ajuda o Hamas de outro? Qual é o papel do Presidente da Síria? Ou você tem uma instituição que congregue todos esses países juntos, e essas organizações estabeleçam um ponto mínimo de acordo, ou nunca haverá paz.

Jornalista: Esse episódio do Afeganistão, Presidente, como é que o senhor viu?

Presidente: Porque... Veja uma coisa que aconteceu agora: nós propusemos o Grupo de Annapolis; Annapolis se reuniu uma vez, não se reuniu a segunda vez. O que eu tenho dito? Se a ONU fosse forte, a ONU resolveria o problema do Oriente Médio, iria lá, demarcaria a terra dos palestinos, demarcaria as terras de Israel e faria cumprir como fez em [19]48, quando criou o Estado de Israel. Agora, como ela é fraca, fica só lá: um dia vai um, ganha o Prêmio Nobel; outro dia vai outro, ganha outro Prêmio Nobel e paz, nada! Outro dia vai outro... Então, eu acho que há, na minha opinião, uma estupidez política a não-reforma do Conselho de Segurança da ONU.

Jornalista: Presidente, nesse... só para encerrar mesmo, nesses oito anos que o senhor vai deixar, agora, daqui a cinco meses, há algum arrependimento, alguma coisa que o senhor se arrependa de não ter feito?


Presidente: Ah! talvez... talvez nesses cinco meses de reflexão que eu pedi para você, vai surgir muita coisa que eu me arrependi.

Jornalista: Agora, assim, o senhor não...

Presidente: Não, não. Eu, por exemplo, fiz duas propostas de política tributária, que todo mundo dizia que precisava, eu fiz uma de consenso com os governadores e não foi aprovada. Eu fiz uma de consenso com todos os empresários, com todos os dirigentes sindicais, com todos os líderes partidários, mandei para o Congresso Nacional e não foi votada. Então, tem um desgraçado de um inimigo oculto... agora que eu estou me lembrando do inimigo oculto do Jânio Quadros. Tem um inimigo oculto que está trancado em algum armário, que não permite que se vote política tributária.

Jornalista: Última questão, Presidente, para se despedir.

Ministro Franklin Martins: Olha, última mesma.

Jornalista: Última mesmo. Não, não, última mesmo. Do seu... Com esses legados... Qual o legado o senhor acha... o senhor quer ser lembrado daqui para frente, saindo do governo?

Presidente: Olha, eu acho que o legado mais importante que eu vou deixar foi a relação que eu estabeleci com a sociedade. Eu, no meu governo, fiz 72 conferências nacionais. Fiz conferência de GLBT, fiz conferência de política, fiz conferência de comunicação, conferência de portador de deficiência física, conferência de hanseniano, conferência de negro, conferência de índio, conferência de tudo que você possa imaginar; conferência das cidades, conferência dos sem-teto, conferência de catador de papel. Todas as políticas públicas que nós colocamos em prática é resultado de milhares de pessoas participando nos municípios, nos estados, até chegar aqui. Então, esse é o legado que eu acho que nós vamos deixar, que nenhum presidente vai ter coragem de mudar, nenhum presidente.

Eu, eu, eu... Tem muitas coisas que me emocionam, porque foi um processo educativo, de a gente teimar que era possível fazer e a gente poder provar o seguinte: o Palácio de um governo não é apenas para receber príncipe, rainha ou presidente, é para receber do pé descalço ao cara que está de sapato alto. E essa foi a coisa rica do governo, ou seja, os sem-teto entrarem lá dentro e chorar, os cegos entrarem lá dentro, aprovar aposentadoria para hansenianos, que ficaram mais de 30 anos em colônia, e beijar cada um, e eles chorarem, porque nunca um presidente tinha encostado perto deles, possivelmente de nojo. Então, eu acho que esse é o grande legado.

Jornalista: É um legado social.

Presidente: (incompreensível). Porque, se vocês souberem, gente, vocês vão cair de costas: eu sou o único presidente da República da história deste país que me reuni com reitores. Nenhum presidente se reúne com reitores, o máximo que eles faziam era se reunir com amigos deles que eram reitores. Mas chamar 60 reitores para uma conversa, nunca. Eu, todo ano, me reuni com reitores; eu, todo ano, me reuni com todos os prefeitos. Não houve, não houve segmento da sociedade, do empresário mais rico ao mais pobre...

Na crise, nós criamos um comitê de crise, em que participavam os empresários e os trabalhadores. Eu acho que esse é o grande legado, que eu espero que seja um grande aprendizado para o nosso país e que Deus queira que o Brasil continue andando desse jeito. Eu acho que se o Brasil continuar andando assim mais uns cinco, seis, sete anos, nós seremos a quinta, a quarta economia do mundo, o povo vai estar comendo mais, vai estar consumindo mais.

Eu adoro quando vejo os jornais dizerem... Às vezes dizem em letrinhas pequenas, lá embaixo, no rodapé, que os pobres estão comendo mais, que o consumo aumentou, que a classe D está comprando, a classe D está comprando...

Jornalista: C e D.

Presidente: ...mais do que a B, que a C está comprando mais do que a E. Eu acho tudo isso fantástico. E ainda falta muito para fazer.

Jornalista: Presidente, eu quero agradecer a extraordinária...

Presidente: E seis meses depois nós vamos conversar.

Jornalista: (incompreensível)

Presidente: Seis meses depois nós vamos conversar, porque aí eu já, já (incompreensível).

Jornalista: Presidente, muito obrigado, foi maravilhoso.

Jornalista: Obrigado. Parabéns, aí, pelo trabalho.

Presidente: Querido...

Jornalista: Obrigado, Presidente.

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