Da Redação GGN
Era uma noite de setembro, mais especificamente a terceira daquele
mês, em 1973. Carmen de Souza Nakasu, 40 anos, tinha um ano de idade e
estava na companhia dos pais, Elzira Vilela e Licurgo Nakasu, na estação
da Luz, no centro da capital paulista. Membro da Ação Popular, o casal
tinha como intenção ir embora para o Rio de Janeiro e, desta maneira,
despistar os agentes do governo que praticavam a caça aos comunistas.
A viagem da família foi interrompida por uma equipe de policiais da
Operação Bandeirantes. No momento da prisão, antes de ser encapuzada e
levada às dependências do DOI-CODI (Destacamento de Operações de
Informações - Centro de Operações de Defesa Interna), a mãe de Carmen só
conseguiu ouvir um grito: "Entrega a menina!". Mesmo contrariada, ela
entrega a criança às mãos de uma investigadora e fica três meses
afastada da filha.
Naquele período, a menina ficou no poder de policiais e também passou por casas de amigos dos pais, até ser entregue a sua avó.
"É claro que sofri com a tortura física a qual fui submetida, mas a
pior tortura foi a de ter ficado todo esse tempo longe dela", disse
Elzira, durante o seminário Verdade e Infância Roubada, da Comissão da
Verdade de São Paulo, na terça-feira (7).
Os pais de Carmen ficaram 90 dias nas dependências do DOI-CODI e,
durante este tempo, a menina foi usada pelos policiais para fazer
chantagem - eles queriam que o casal delatasse os companheiros de luta. A
resistência dos pais é reconhecida por Carmen, que nasceu, sob uma
identidade falsa, em Valinhos, no interior do estado.
"Eu tenho muito orgulho dos meus pais, por eles terem resistido
bravamente por todo o tempo de tortura sem ter delatado ninguém", disse
Carmen, a esta altura, já às lágrimas.
Medo da água
Pelas histórias que ouviu dos pais, Carmen disse que, antes do
sequestro, era um bebê alegre e que gostava muito de brincar na água.
Depois do trauma, ela passou a ter medo não só de banho, mas de qualquer
barulho de água. Carminha, como é chamada pela mãe, diz que até um
tempo atrás ainda tremia só de ouvir o barulho de uma simples descarga
de vaso sanitário.
Se isso faz parte de uma possível sevícia à época da prisão, nem ela
nem os pais podem dizer, mesmo havendo uma infeliz coincidência do pavor
de Carmen com a técnica de afogamento usada pelos militares durante as
sessões de tortura.
Aos três anos, por ter se tornado uma criança introspectiva, ela
começou a fazer terapia psicológica. Durante as sessões, a terapeuta
constatou que a pequena Carmen tinha, por repetidas vezes, sonhos em que
era arrancada dos braços da mãe por soldados. Até aquele momento, nunca
ninguém tinha contado a ela as circunstâncias em que tinha sido detida
com os pais.
"Eu era uma criança muito insegura, e na adolescência fui
extremamente tímida, sem amigos. Eu sempre fui tomada de uma angústia
tremenda, uma falta de ar. Tinha medo de largar a mão da minha mãe".
Aos 19 anos, Carmen passou por uma sessão psicoterapêutica que a
ajudou a superar parte do trauma que guarda até hoje. Durante uma
espécie de regressão, ela pôde se deparar com um bebê, muito assustado,
que havia sido separado brutalmente dos pais. Ao se deparar com a
criança, ela disse que pode "acalmar" o bebê e dizer que estava tudo
bem.
A lembrança do procedimento faz Carmen sentir todo o pavor que estava
guardado em algum espaço de sua memória. Às lágrimas, ela afirma que,
mesmo com a sombra da ditadura em sua vida, tem a sorte de poder ter
tido de volta seus pais. E ambos, vivos.
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