Olívio Dutra, velho militante sindical, fundador do PT, ex-prefeito de Porto Alegre, ex-governador do Rio Grande do Sul e ex-ministro de Lula (Foto: blog Viomundo) |
"Não mexemos na estrutura deste Estado, que continua sendo uma cidadela dos grandes interesses econômicos e culturais", afirma Olívio Dutra
Por Daniel Cassol, de Porto Alegre (RS), do jornal Brasil de Fato, de 23/01/2013
Desde quando criticou as “más companhias” que teriam levado o PT a enveredar pelos caminhos ortodoxos da política, Olívio Dutra vem sendo uma das vozes internas críticas ao processo de inflexão conservadora do próprio partido. Fundador do partido, primeiro prefeito petista em Porto Alegre, governador do Rio Grande do Sul entre 1999 e 2002 e ministro das Cidades no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Olívio Dutra faz um balanço realista dos dez anos de PT no governo federal.
“Não mexemos na estrutura deste Estado, que continua sendo uma cidadela dos grandes interesses econômicos e culturais”, afirma. Em entrevista ao Brasil de Fato, Olívio, que esteve presente no lançamento do jornal durante o Fórum Social Mundial em janeiro de 2003, em Porto Alegre, reconhece os limites da gestão petista, que começou naquele mesmo mês. “Temos uma grande dívida pela frente, mesmo que tenhamos conquistado melhores condições de vida e de protagonismo político de milhões de brasileiros“, reconhece, defendendo que o partido e a esquerda retomem o debate sobre as transformações necessárias na sociedade brasileira.
Além de um balanço dos últimos dez anos, o ex-governador gaúcho apontou os limites da experiência petista, os desafios da esquerda e não deixou de reforçar sua posição sobre a postura do partido em relação ao “mensalão”: “O PT jamais poderia ter feito isso mas pode, daqui para frente, se assumir como partido da transformação e não da conciliação”.
Desde quando criticou as “más companhias” que teriam levado o PT a enveredar pelos caminhos ortodoxos da política, Olívio Dutra vem sendo uma das vozes internas críticas ao processo de inflexão conservadora do próprio partido. Fundador do partido, primeiro prefeito petista em Porto Alegre, governador do Rio Grande do Sul entre 1999 e 2002 e ministro das Cidades no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Olívio Dutra faz um balanço realista dos dez anos de PT no governo federal.
“Não mexemos na estrutura deste
Estado, que continua sendo uma cidadela dos grandes interesses
econômicos e culturais”, afirma. Em entrevista ao Brasil de Fato,
Olívio, que esteve presente no lançamento do jornal durante o Fórum
Social Mundial em janeiro de 2003, em Porto Alegre, reconhece os limites
da gestão petista, que começou naquele mesmo mês. “Temos uma grande
dívida pela frente, mesmo que tenhamos conquistado melhores condições
de vida e de protagonismo político de milhões de brasileiros“,
reconhece, defendendo que o partido e a esquerda retomem o debate
sobre as transformações necessárias na sociedade brasileira.
Além
de um balanço dos últimos dez anos, o ex-governador gaúcho apontou os
limites da experiência petista, os desafios da esquerda e não deixou de
reforçar sua posição sobre a postura do partido em relação ao
“mensalão”: “O PT jamais poderia ter feito isso mas pode, daqui para
frente, se assumir como partido da transformação e não da conciliação”.
Brasil
de Fato – O Brasil de Fato foi lançado em janeiro de 2003, logo após a
posse de Lula, durante o Fórum Social Mundial. O primeiro número do
jornal trazia uma entrevista com o economista Celso Furtado e a
manchete: “É preciso coragem para mudar o Brasil”. Passados dez anos do
projeto do PT no poder, houve necessária coragem para as mudanças
profundas no Brasil?
Olívio Dutra –
Lembro de um cidadão da Bossoroca (cidade gaúcha das Missões, terra
natal de Olívio) que tinha 90 e tantos anos e dizia: “Coragem não me
falta, me falta ar”. Não faltou coragem nos dois mandatos do Lula e
neste que está se desenrolando com a Dilma. Mas é bem verdade que não
rompemos com conjunturas adversas. Acabamos contemporizando sob a
alegação da governabilidade, tendo que construir uma maioria não
programática no Congresso, tanto no primeiro quanto no segundo governo
do Lula, e até mesmo agora. Mesmo havendo coragem para enfrentar os
desafios de um país tão grande e com desigualdades imensas, esta maioria
não programática sempre puxou para baixo a execução de um pro-grama
que enfrentasse com radicalidade situações de desigualdade que
penalizam milhões de brasileiros. Então, penso que coragem não faltou.
E
política evidentemente se faz com coragem, mas também com clareza dos
objetivos. Por isso, penso que ainda há muito o que fazer. Estamos
devendo muito ao povo brasileiro, mesmo que tenhamos conquistados
direitos sociais, melhor distribuição da renda, oportunidade de
emprego e trabalho regular. Mas não fizemos, por exemplo, a reforma
agrária com a radicalidade necessária. Com a maioria que constituímos,
não fizemos nenhuma das reformas fundamentais do Estado. Temos uma
grande dívida pela frente, mesmo que tenhamos conquistado melhores
condições de vida e de protagonismo político de milhões de brasileiros.
Como
o senhor mesmo diz, apesar dos avanços nas áreas econômica e social, os
governos Lula e Dilma não enfrentaram questões estruturais. Foi por
causa da governabilidade ou o projeto do PT no poder acabou sendo não
enfrentar estes temas?
Sou um dos fundadores do PT e até
hoje não vi nenhuma instância do partido se decidir por um projeto que
fique estacionário ou que se condicione às conjunturas. Se isso está
andando, é por conta de alguns setores que estão se contemplando com o
que já se conquistou. Se pensamos que dialogar com amplos setores da
sociedade brasileira é suficiente, que isso abre espaços e reduz
pressões, o projeto vai ficando, na sua realização, cada vez mais longe. O
horizonte vai ficando mais distante. E isso sem ter tido uma discussão.
Qual
é o papel de um partido de esquerda e do socialismo democrático em
sendo governo e tendo representação política para enfrentar um Estado
que não é o que acolhe um projeto de transformação social? Não mexemos
na estrutura deste Estado, que continua sendo uma cidadela dos grandes
interesses econômicos e culturais. As elites se sentem muito
contrariadas em terem tido a fraqueza de deixar o povo brasileiro
eleger um metalúrgico para a Presidência da República, e agora uma
mulher que vem de uma luta que não é a luta que eles sempre
patrocinaram. Mas isso não os impede de continuar tendo poder. Porque
poder não é apenas estar no governo. O protagonismo do povo brasileiro
ainda precisa ser estimulado, provocado. Nós chegamos no governo e de
certa forma contemporizamos com as coisas.
Os movimentos sociais
têm presença nos conselhos aqui e acolá, mas isso garante força para
os movimentos sociais e mobilização ampla que um governo de
transformação precisa ter na base da sociedade para poder avançar? Isso
não temos respondido como partido. Aliás, qual o projeto que a
esquerda brasileira tem para o país, não apenas para ganhar eleições?
Como a esquerda vê o Brasil e a possibilidade de transformá-lo? E
estabelecer entre si compromissos e poder alternarse por dentro da
esquerda, e não a esquerda disputar esta ou aquela eleição e depois ter
que fazer negociações em que o seu projeto se estilhaça e o horizonte
da transformação fica cada vez mais distante.
O PT é o maior
partido de esquerda do país e não nasceu de gabinetes, mas está cada
vez mais dependente destes nichos de poder dentro de um Estado que está
longe de ter esse controle público e popular efetivo. E estamos
gerindo esse Estado. É uma discussão séria que precisamos nos debruçar
sobre ela. O PT tem que fazer a obrigação de fazer isso. Não esgotou
este projeto na medida em que não se tornar um partido da acomodação e
se mantiver como partido da transformação.
O senhor defende a necessidade de a esquerda, não só o PT, discutir o que quer para o Brasil.
O
PT aceitou o jogo democrático, mas a democracia não é estática, é um
processo. Temos que estabelecer formas de ir desmontando a lógica do
Estado que funciona bem para poucos e mal para a maioria. Temos que
discutir como agir por dentro do Estado, em um processo democrático, mas
não perdendo o objetivo estratégico de ganhar força na base da
sociedade, semear transformações. Não temos que sair com um tijolo em
cada mão, ou dando murro em ponta de faca, mas temos que ter consciência
que o partido tem de ser uma escola política. Pode haver uma
alternância entre as figuras dos diferentes partidos de esquerda, desde
que haja um compromisso de sequência do projeto de transformação, e
não de acomodação. Nosso partido tem que tirar lições dos governos que
já exercemos, mas não ficar se autoelogiando e nem se remoendo. Há uma
realidade a ser enfrentada. E é preciso ter povo mobilizado
constantemente, não como massa de manobra, mas para for-mar uma base de
sustentação.
O senhor acredita que ainda haja espaço
para isso no PT? O senhor e outros dirigentes vêm defendo uma retomada
de velhas tradições do PT, mas não é ilusório imaginar que o partido
voltar a ser algo que já não é mais?
Eu não prego este
retorno, mas também afirmo que, sem raízes, uma árvore não tem tronco
com seiva sufi ciente para sustentar a galharia lá em cima. E essas
raízes são as lutas sociais e populares, de um período histórico
importante do país, no qual se originou esse ambiente de fundação do
PT. A conjuntura mundial é desafiadora. Vamos buscar apenas nos adaptar?
Não é uma oportunidade de darmos um salto? O PT tem que debater isso.
As
instâncias partidárias afrouxaram-se de tal maneira que inclusive
tivemos pessoas importantes do PT que cometeram políticas que não se
diferenciam das políticas tradicionais que sempre condenamos, sob
alegação da governabilidade e essas coisas todas. Isso não pode ser
culpa apenas desta ou daquela figura, mas as estruturas partidárias não
estavam suficientemente atentas ou atuantes, e se criaram essas situações
em que as pessoas pensavam que podiam fazer ou desfazer coisas que
depois se justificariam pelos objetivos. E isso levou a essa situação
que estamos sofrendo, que é a Ação Penal 470, o chamado mensalão, que
não pode ser o objetivo do nosso debate ficar remoendo, acusando aqui ou
ali, mas se superando.
Achar que podemos comprar e vender
opinião, comprar e vender posições, comprar e vender votos, isso é o
pior da política, que tem desgraçado o povo brasileiro e desqualificado
as instituições políticas. O PT jamais poderia ter feito isso mas pode,
daqui para frente, se assumir como partido da transformação e não da
conciliação.
Apesar das críticas ao julgamento do
mensalão, o governador gaúcho Tarso Genro vem afirmando em artigos que o
partido deve mudar de agenda. É o que o senhor está dizendo também?
O
partido não deve ficar se justificando, mas não deve também colocar a
cabeça no chão como avestruz. Tem que assumir que houve erros de
conduta política. Não é condenar Fulano ou Beltrano, mas assumir que
em uma situação tal, as instâncias do partido não foram capazes de não
se deixar aprovar por condutas assim. E ir adiante, evidentemente.
Penso que a política para nós tem que ser a construção do bem comum, com
protagonismo das pessoas. O Estado, para funcionar bem, tem que estar
sob controle público efetivo. Esse é um objetivo, colocar o Estado sob
controle da sociedade. E para isso é preciso ter espaço para os
movimentos sociais, instigá-los dentro da sua autonomia. Um governo
tem limites para executar coisas, mas não pode submeter os movimentos
sociais a esses limites que tem na institucionalidade.
O
Brasil de Fato foi lançado durante o Fórum Social Mundial. O balanço que
o senhor faz do FSM e das coisas que aconteceram no Brasil e na América
Latina nestes dez anos é otimista ou pessimista?
É
realista. Há avanços importantes, que não fossem as edições do FSM não
teriam acontecido. Agora, há coisas que poderiam ter ido mais longe. O
FSM também não pode ficar atrelado e dependente de governos, mesmo que
sejam governos sérios e comprometidos com as lutas sociais. O Fórum tem
que ter for-mas de fazer com que suas deliberações ecoem nas instâncias
supranacionais, nos organismos internacionais. O fato de o FSM ter
perdido um pouco do foco, porque se mundializou, passou a acontecer em
diferentes locais e depois ter encontros maiores, continentais, para
depois ter um encontro global, tem que ser revisto, para não se
perder.
E qual o balanço realista que o senhor faz da imprensa alternativa brasileira neste período?
Cresceu
muito, eu penso. Temos muitos veículos alternativos, mas qual é o
conteúdo, o que estão provocando? Pen-so que esse florescimento de uma
imprensa alternativa é um caminho importante para enfrentar os grandes
grupos econômicos que lidam com a informação. É preciso ter uma
miríade de fontes alternativas de informação e comunicação. Mas
precisam ter uma visão, não é cada uma no seu território, na sua
categoria, é preciso ter uma visão de como as coisas se relacionam, se
interligam. E isso também é papel dos partidos políticos, instigar
essas relações e a qualificação da intervenção. Temos um governo com
problemas sérios na relação com os grandes grupos econômicos e a grande
mídia.
A grande mídia se alimenta das contas de publicidade do
governo e das empresas públicas. Enquanto isso, para jornais e veículos
alternativos sobram migalhas. São questões políticas e precisam ser
encaradas. Isto é uma dívida que ainda não saldamos.