Na Alemanha os partidos sociais democratas abriram o caminho
para Hitler, e pagaram muito caro por isso. O PSB com sua guinada a direita,
apoiando um candidato que até ontem tinha um programa antagônico ao seu
(maioridade aos 16 anos, Independência do Banco Central, privatizações, recessão e cortes no orçamento para politicas
socias e etc..), acaba fazendo uma ponte para que a direita neoliberal volte a
governar o Brasil, e desequilibre o processo latino americano.
Abaixo o texto de Uraniano Mota que detalha essa guinada do
PSB.
A memória de Arraes e o PSB, por Urariano Mota
Para a nova face do PSB, que ainda mantém o nome de Partido
Socialista Brasileiro, foi decisivo o papel da direção partidária de
Pernambuco. Nesta nova face, que alguns já chamam de novo fascio, têm
lugares decisivos o avô Miguel Arraes e o neto Eduardo Campos. Mas como
opostos e ruptura em um processo de morte, enterro e transformação.
Façamos um brevíssimo recuo.
Em 13 de agosto de 2005, escrevi que os obituários, sempre tão
generosos no olho e olfato de abutres, pois sempre esvoaçam e rondam a
agonia dos grandes homens, daquela vez haviam falhado no alcance e na
mira. Sempre tão bons no faro e argúcia, daquela vez os obituários
haviam errado o cadáver do brasileiro Miguel Arraes. No entanto hoje, no
mais recente outubro de 2014, que continua o trágico 13 de agosto deste
ano, o cadáver é outro. Ou melhor, Eduardo Campos ainda não é um
cadáver, como foi o socialista e avô em 2005. Hoje, Eduardo Campos se
tornou um fantasma, que ronda o Brasil a partir de Pernambuco.
A mudança no perfil do PSB foi de tal forma, que não devemos falar em
diferenças. Talvez devêssemos falar na decomposição de um nobre que
gerou um vampiro. Quando era presidente nacional do PSB, Miguel Arraes
alertava que as eleições não deviam contaminar o partido. Mas o que
Arraes dizia, os valores pelos quais o pensador de esquerda Miguel
Arraes lutava têm agora a moldura de marketing. As ideias de Arraes não
mais lutam, hoje apenas enlutam. Em lugar da luta, o luto, das suas
ideias. Para o luto de Eduardo Campos.
Desde o velório, diante do seu corpo, os sinais de esgotamento do PSB
pulavam entre os vivos. De fato, no contexto armado do show mortuário
em frente ao palácio do governo de Pernambuco, cujo mote era uma
tragédia, entre os telões com os atores políticos e pessoas com
bandeiras eleitorais do PSB e de Marina Silva, a ressurreição falava
mais perto à terra. Porque o significado era mais simples e baixo, nas
condições do show eleitoral criado em torno da missa: a ressurreição era
para Marina Silva e a inclinação à direita.
Ali começou a campanha da onipresença da direita no Recife e no
Brasil, de modo sufocante e matador da sensibilidade e inteligência. A
trágica morte de Eduardo Campos foi usada sem nenhum pudor. Desde o
velório, plantaram-se boatos de que Dilma e o PT eram responsáveis pela
morte física de Eduardo Campos. Durante toda a campanha, Eduardo Campos
se tornou o personagem El Cid, aquele que morto teve o cadáver posto,
amarrado a um cavalo, a cavalgar na batalha, para que desse a ilusão de
vida e assim melhor ânimo espalhasse na tropa. Mas o caminho à direita
já estava aberto bem antes do feito heroico do novo El Cid.
Para o PSB, Arraes como pensamento já era passamento, morte, anterior
ao desastre de 13 de agosto de 2014. A sua prática, do avô, a sua
destruição, pelo neto, estava em queda antes da tragédia do avião.
Aquele abraçar contrários, ex-adversários, inimigos do avô Arraes, como
Jarbas Vasconcelos, ao mesmo tempo que se voltava para um lugar
distante de aliados, amigos de esquerda e socialistas históricos, a
quem antes havia abraçado, isso já estava claro, porque se fazia a olhos
vistos. Mas sempre com um sorriso aberto, que era um passaporte para a
mordida, que a maioria de nós não víamos.
Uma das maiores contribuições de Maquiavel foi abstrair da análise
política os propósitos virtuosos, repletos de valores éticos e
edificantes. Mas isso não significa que a moral, no reino até dos
animais, tenha deixado de existir. Daí que lembramos de passagem a
mudança assustadora do PSB em Pernambuco, que se transformou também em
partido fincado em laços de amizade e genéticos. Com Arraes, naquele
tempo que se apagou definitivo, havia ex-companheiros do tempo da
resistência democrática que o acusavam de concentrador, porque não
distribuía generoso cargos, valores e representações, e, pior, não abria
espaço para que os ex-companheiros também ascendessem ao poder no tempo
das vacas gordas. Quanta ironia, quando se compara com o PSB que
Eduardo Campos construiu. O neto não seguiu o avô, embora tenha usado a
sua memória mais de uma vez para receber apoios na esquerda e receber
atenções materiais dos governos Lula e Dilma.
Quando se olha a administração pública, pela incidência de nomes
vinculados aos Campos e Arraes, temos a impressão de que estamos diante
de novos nobres, ou um clã de novos Kennedys. A comparação, a lembrança
do nome Kennedy, não vem por acaso, mas não cabe um aprofundamento nos
limites deste artigo. O fato é que o DNA Arraes aparece em todos os
caros cargos da administração. Segundo uma pesquisa publicada no site Vi
o Mundo, em reportagem de Conceição Lemes, Chico Diniz e Daniel Bento,
os parentes de Eduardo Campos se estendiam da mãe Ana Arraes, no
Tribunal de Contas da União, a sobrinhos, tia, sogro, cunhada,
ex-cunhado e primos em cargos relevantes de Pernambuco. O que mais
chamava a atenção na lista era a presença de três gerações de familiares
de Eduardo e Renata Campos na administração estadual, inclusive jovens.
(Em http://www.viomundo.com.br/denuncias/eduardo-campos-tem-parentes-no-governo-secretario-nega-nepotismo.html ) É uma família de gênios, reconheçamos. Da mãe aos primos e filhos, a quem já prometem um futuro venturoso na política.
Que diferença, para os princípios “atrasados“ do velho Arraes, que
exigia da filha Mariana uma prática de jornalismo sem privilégios, pois a
deixava correr perigo em programa de rádio de Direitos Humanos, como
fui testemunha e com quem trabalhei. Para o velho pensador, para o
socialista Miguel Arraes, a família era acima de tudo os trabalhadores
espoliados. Uma das maiores dificuldades de Gregório Bezerra, no
primeiro de abril de 1964, foi convencer camponeses a não virem ao
Recife. Massas de trabalhadores se dispunham a vir à luta armados apenas
de facões, facas e enxadas contra fuzis e tanques do exército
brasileiro. Bastaria esse fato para dar a dimensão do velho. Mas ainda é
pouco. A coisa dita assim, até parece que massas ignorantes,
fanatizadas, dispunham-se ao sacrifício, a entregar o próprio corpo ao
genocídio. Mas não. Tal amor era manifestação testemunhal por atos
concretos do que foi o primeiro governo Miguel Arraes. É com ele que
surge o revolucionário, o pioneiro e odiado "Acordo do Campo":
trabalhadores da cana-de-açúcar tiveram os mesmos direitos que os
trabalhadores urbanos de Pernambuco: salário, décimo terceiro, carteira
assinada... deixavam de ser escravos. Daí o fanatismo daquela grande
família.
As últimas notícias falam que na portaria da sede do PSB, a quem os
jornais chamam com acerto de “sigla”, na região central de Brasília,
chegaram a ser pregadas folhas com a inscrição: "Aqui o socialismo
resiste. #nenhumvotonoPSDB". Coitados dos idealistas, tão inocentes. E
tão frágeis, porque afinal se mantiveram neste novo PSB, que nega e
renega o que foi o partido de Miguel Arraes. O compressor da direita de
Eduardo Campos foi mais pesado.
Há nove anos, em um 13 de agosto, escrevi “Arraes, urgente”. Naquele
dia, para a memória de um dos mais ilustres brasileiros, lembrei uma
declaração de princípios do velho político: "Como homem público, tenho
que esperar tudo, sem queixa, porque é minha obrigação ir pra cadeia, se
é pra manter a minha posição de defesa do povo e não capitular diante
dele. É minha obrigação ir pro exílio, se não posso ficar na minha
terra”.
Quantas ciladas a vida nos prega. Hoje, com o apoio do PSB à direita
brasileira, a história responde com o fantasma do neto Eduardo Campos:
Arraes, adeus.
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