Jornal GGN - Em ação movida
contra o Blog (Do Nassif), a defesa do deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ)
escreveu que "depois de vários anos de sua vida como administrador digno
e honesto", o hoje presidente da Câmara dos Deputados chegara, lá no
início dos anos 1990, "ao elevado cargo de presidente da extinta Telerj
[operadora de telefonia do Rio de Janeiro], no qual destacou-se
sobremaneira", com direito a um editorial "elogioso" de O Globo à época
de sua deposição.
A cobertura da Folha de S. Paulo sobre a passagem de Cunha pela
Telerj, entretanto, é marcada por denúncias de fraudes em licitações
assinadas pelos jornalistas Janio de Freitas e Elvira Lobato. O caso
começou a ganhar dimensão em novembro de 1991, quando seis empresas
contestaram na Justiça uma concorrência para produção e comercialização
das listas telefônicas no estado. O protesto era contra o "cerceamento
do acesso de novas empresas ao mercado". Janio classificou a licitação
como restritiva, ilegal.
À época, Cunha respondeu que o certame não era restritivo porque
permitia a formação de consórcio entre empresas nacionais (de porte
inferior ao indicado no edital) e estrangeiras. O edital foi modificado
por Cunha mas, de acordo com artigo publicado por Janio no mês seguinte,
os vícios do primeiro certame não foram superados e o presidente da
Telerj continuava vedando a participação de alguns grupos. Cunha
beneficiava a Listel, do grupo Abril, escreveu Janio.
Em janeiro de 1992, Janio, ainda em cima do caso, publicou que Cunha
era adepto de "métodos da obscuridade". No artigo "Conversa fora dos
moldes", o jornalista destacou o hábito de alguns gestores em escolher
datas festivas para praticar atos impopulares, para não chamar a atenção
da sociedade. Foi o que o hoje deputado federal fez ao soltar um
terceiro edital para produção de listas telefônicas em meio ao Carnaval.
Janio ainda frisou que o então presidente da Telerj estava enrolando
para prestar esclarecimentos sobre o novo certame.
O desgaste de Cunha com o caso das listas telefônicas se arrastou
durante meses e definitivamente marcou sua passagem na Telerj. Na edição
de 7 de abril de 1993 da Folha, o ele teve de comprar um espaço de
publicidade para rebater as reportagens contrárias à sua gestão.
PC Farias e o Grupo Globo
Na mesma edição, Janio de Freitas lançou um artigo detonando a
estadia de Cunha na Telerj. O jornalista escreveu que Cunha "foi
escolhido a dedo" para o cargo por PC Farias, após sua contribuição na
campanha de Collor. A Folha publicou mais recentemente que o
apadrinhamento de PC foi um prêmio por Cunha ter freado a candidatura de
Silvio Santos à Presidência da República.
Janio relatou, no texto de 22 anos, a tentativa do então presidente
da Telebras, brigadeiro Adyr da Silva, de remover Cunha da presidência
da tele fluminense. A missão foi abortada porque Cunha mexeu os
pauzinhos e conseguiu fazer com que empresários influentes demonstrassem
insatisfação com a ideia. A ordem para parar a movimentação veio de
cima. Janio cravou que quem mobilizou o ministro das Comunicações em
prol de Cunha não foram apenas políticos aliados, mas a empresa NEC, do
Grupo Globo.
"Não sei se essa outra informação ajuda a compreender alguma coisa,
mas vamos lá: a concorrência para telefonia celular do Rio foi 'vencida'
pela NEC, que depois obteve de Eduardo Cunha um aditivo, mantido em
sigilo, que onerou o contrato em US$ 100 mihões", explicou Janio.
A própria Globo estava por trás da nomeação de Hugo Napoleão para o
Ministério das Comunicações, segundo Janio. O titular preferiu baixar as
armas contra Cunha e negociar outros cargos no governo Itamar para o
PFL. Janio torceu para que esses postos não fossem ocupados por mais
pessoas "indicadas por PC" Farias.
Hoje, Eduardo Cunha pede indenização por danos morais ao Blog, pois entende que um artigo publicado neste espaço (leia aqui), destacando seu envolvimento no caso PC Farias, é "ofensivo à sua reputação".
O marajá
As denúncias da Folha sobre a Telerj de Eduardo Cunha não cessaram
com o escândalo das listas telefônicas. Em maio de 1993, quando Cunha já
não era mais presidente da tele, sob o título "O marajá", Janio
escreveu:
"O novo presidente da Telerj e ex-advogado-geral da União, José
de Castro Ferreira, em seu primeiro dia no novo cargo, ontem, descobriu
que o antecessor, Eduardo Consentino Cunha, servia-se de um carro
especialíssimo, todo blindado e munido dos melhores requintes. Castro
Ferreira mandou desativá-lo e dar-lhe destino que ressarça os cofres da
Telerj."
Castro Ferreira, segundo publicou a Folha em 19 de janeiro de 1994,
acabou seguindo os passos de Cunha e assinou um novo aditivo com a NEC
do Grupo Globo.
Em meados de 1994, com o processo de loteamento das teles no governo
FHC (o ex-presidente entregou ao PSDB as chefias das principais
companhias telefônicas e deixou o segundo escalão para aliados), Cunha
tentou retornar à Telerj, mas não obteve sucesso. Perdeu para um
indicado dos tucanos.
Anos depois, virou presidente da Cehab, Companhia de Habitação do
Rio, durante o governo Anthony Garotinho. Voltou a brilhar nas páginas
da Folha em função de novos escândalos, incluindo a reaproximação com o
ex-procurador de PC Farias, o argentino Jorge La Salvia. Mas essa
história fica para um próximo capítulo.
***
Esse artigo teve contribuição da leitora Lenara Abreu, que vaculhou o
acervo da Folha de S. Paulo em busca de publicações sobre Eduardo Cunha
e a Telerj.
Para colaborar com o mutirão "Dossiê Eduardo Cunha", envie sua pesquisa para lourdes@jornalggn.com.br
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