terça-feira, 7 de abril de 2015

Dossiê Eduardo Cunha: Escândalo da Telerj na Folha dos anos 90





Jornal GGN - Em ação movida contra o Blog (Do Nassif), a defesa do deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) escreveu que "depois de vários anos de sua vida como administrador digno e honesto", o hoje presidente da Câmara dos Deputados chegara, lá no início dos anos 1990, "ao elevado cargo de presidente da extinta Telerj [operadora de telefonia do Rio de Janeiro], no qual destacou-se sobremaneira", com direito a um editorial "elogioso" de O Globo à época de sua deposição.

A cobertura da Folha de S. Paulo sobre a passagem de Cunha pela Telerj, entretanto, é marcada por denúncias de fraudes em licitações assinadas pelos jornalistas Janio de Freitas e Elvira Lobato. O caso começou a ganhar dimensão em novembro de 1991, quando seis empresas contestaram na Justiça uma concorrência para produção e comercialização das listas telefônicas no estado. O protesto era contra o "cerceamento do acesso de novas empresas ao mercado". Janio classificou a licitação como restritiva, ilegal.



À época, Cunha respondeu que o certame não era restritivo porque permitia a formação de consórcio entre empresas nacionais (de porte inferior ao indicado no edital) e estrangeiras. O edital foi modificado por Cunha mas, de acordo com artigo publicado por Janio no mês seguinte, os vícios do primeiro certame não foram superados e o presidente da Telerj continuava vedando a participação de alguns grupos. Cunha beneficiava a Listel, do grupo Abril, escreveu Janio.




Em janeiro de 1992, Janio, ainda em cima do caso, publicou que Cunha era adepto de "métodos da obscuridade". No artigo "Conversa fora dos moldes", o jornalista destacou o hábito de alguns gestores em escolher datas festivas para praticar atos impopulares, para não chamar a atenção da sociedade. Foi o que o hoje deputado federal fez ao soltar um terceiro edital para produção de listas telefônicas em meio ao Carnaval. Janio ainda frisou que o então presidente da Telerj estava enrolando para prestar esclarecimentos sobre o novo certame.


O desgaste de Cunha com o caso das listas telefônicas se arrastou durante meses e definitivamente marcou sua passagem na Telerj. Na edição de 7 de abril de 1993 da Folha, o ele teve de comprar um espaço de publicidade para rebater as reportagens contrárias à sua gestão.


PC Farias e o Grupo Globo

Na mesma edição, Janio de Freitas lançou um artigo detonando a estadia de Cunha na Telerj. O jornalista escreveu que Cunha "foi escolhido a dedo" para o cargo por PC Farias, após sua contribuição na campanha de Collor. A Folha publicou mais recentemente que o apadrinhamento de PC foi um prêmio por Cunha ter freado a candidatura de Silvio Santos à Presidência da República. 

Janio relatou, no texto de 22 anos, a tentativa do então presidente da Telebras, brigadeiro Adyr da Silva, de remover Cunha da presidência da tele fluminense. A missão foi abortada porque Cunha mexeu os pauzinhos e conseguiu fazer com que empresários influentes demonstrassem insatisfação com a ideia. A ordem para parar a movimentação veio de cima. Janio cravou que quem mobilizou o ministro das Comunicações em prol de Cunha não foram apenas políticos aliados, mas a empresa NEC, do Grupo Globo.

"Não sei se essa outra informação ajuda a compreender alguma coisa, mas vamos lá: a concorrência para telefonia celular do Rio foi 'vencida' pela NEC, que depois obteve de Eduardo Cunha um aditivo, mantido em sigilo, que onerou o contrato em US$ 100 mihões", explicou Janio. 

A própria Globo estava por trás da nomeação de Hugo Napoleão para o Ministério das Comunicações, segundo Janio. O titular preferiu baixar as armas contra Cunha e negociar outros cargos no governo Itamar para o PFL. Janio torceu para que esses postos não fossem ocupados por mais pessoas "indicadas por PC" Farias.

Hoje, Eduardo Cunha pede indenização por danos morais ao Blog, pois entende que um artigo publicado neste espaço (leia aqui), destacando seu envolvimento no caso PC Farias, é "ofensivo à sua reputação". 


O marajá

As denúncias da Folha sobre a Telerj de Eduardo Cunha não cessaram com o escândalo das listas telefônicas. Em maio de 1993, quando Cunha já não era mais presidente da tele, sob o título "O marajá", Janio escreveu:

"O novo presidente da Telerj e ex-advogado-geral da União, José de Castro Ferreira, em seu primeiro dia no novo cargo, ontem, descobriu que o antecessor, Eduardo Consentino Cunha, servia-se de um carro especialíssimo, todo blindado e munido dos melhores requintes. Castro Ferreira mandou desativá-lo e dar-lhe destino que ressarça os cofres da Telerj."

Castro Ferreira, segundo publicou a Folha em 19 de janeiro de 1994, acabou seguindo os passos de Cunha e assinou um novo aditivo com a NEC do Grupo Globo. 


Em meados de 1994, com o processo de loteamento das teles no governo FHC (o ex-presidente entregou ao PSDB as chefias das principais companhias telefônicas e deixou o segundo escalão para aliados), Cunha tentou retornar à Telerj, mas não obteve sucesso. Perdeu para um indicado dos tucanos.

Anos depois, virou presidente da Cehab, Companhia de Habitação do Rio, durante o governo Anthony Garotinho. Voltou a brilhar nas páginas da Folha em função de novos escândalos, incluindo a reaproximação com o ex-procurador de PC Farias, o argentino Jorge La Salvia. Mas essa história fica para um próximo capítulo.

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Esse artigo teve contribuição da leitora Lenara Abreu, que vaculhou o acervo da Folha de S. Paulo em busca de publicações sobre Eduardo Cunha e a Telerj.

Para colaborar com o mutirão "Dossiê Eduardo Cunha", envie sua pesquisa para lourdes@jornalggn.com.br

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