Por Helena Sthephanowitz
Da Rede Brasil Atual
Prisão de senador pode ter sido justa,
mas talvez tenha ocorrido antes da hora. De certo e concreto, tudo
mostra que o caso é mais um dos que se originaram sob asas tucanas
por Helena Sthephanowitz
Pelo teor das gravações que chegaram ao
conhecimento público, o senador Delcídio do Amaral (PT-MS) fez por
merecer sua prisão, apesar de alguns juristas dizerem que houve
precipitação na decisão. Isso porque, de acordo com a Constituição,
parlamentares só podem ser presos em flagrante – pode-se até questionar
se há excessos nas prerrogativas parlamentares, mas atualmente é o que
está em vigor na Carta Constitucional brasileira.
Outra questão é se a prisão irá ajudar
ou terá atrapalhado as investigações. Na prática, Delcídio foi preso por
falar demais e sua prisão imediata acaba por silenciá-lo. Daqui em
diante, o senador se limitará a só falar o que os investigadores já
sabem e, pelo jeito, vem aí um novo acordo de delação premiada.
A melhor investigação recomendava
monitorá-lo algum tempo antes de prendê-lo para obter provas mais
conclusivas, armar o flagrante em ação controlada e, assim, pegar outros
envolvidos e obter evidências de eventuais crimes ainda não elucidados
ou mesmo desconhecidos.
Mas Delcídio produziu uma combinação
fatal para si mesmo: falou em influir politicamente na decisão de
ministros do STF e citou um banqueiro bilionário (que era André Esteves,
do BTG Pactual) ter em mãos a cópia de um acordo de delação premiada do
ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, que deveria estar em sigilo
absoluto.
Tudo isso somado certamente levou os
ministros do STF citados à conclusão de que se esta gravação chegasse à
imprensa antes de prendê-lo eles próprios estariam sob suspeição diante
da opinião pública. Como agravante, o risco de dossiês secretos virem a
ser usados com fins escusos, inclusive como informação privilegiada no
mercado financeiro. Daí o imediatismo da prisão, mesmo controversa do
ponto de vista constitucional.
Apesar de a prisão silenciar as
conversas de bastidores de Delcídio sobre malfeitos na Petrobras, a
gravação feita por Bernardo Cerveró, filho de Nestor, da reunião que
teve com o advogado Edson Ribeiro, que defendia o ex-diretor, e do chefe
de gabinete de Delcídio, Diogo Ferreira, contém informações suficientes
para tirar da gaveta o que podemos chamar de "petrolão tucano". Tudo
aponta para concluir-se que o esquema de corrupção na diretoria
internacional da Petrobras após 2003 ser uma transposição vinda da
diretoria de Gás e Energia na gestão de Delcídio, durante o governo
tucano de FHC.
Já está claro que, com o apoio de
Delcídio, Cerveró foi para a Diretoria Internacional em 2003. E levou
com ele gerentes da diretoria de Gás e Energia que agora são
investigados na Lava Jato e que aparecem ligados a escândalos do passado
mal investigados até hoje.
Delcídio foi diretor de Gás e Energia da
Petrobras entre 1999 e 2001. Nestor Cerveró foi seu braço direito na
época. Eram gerentes nesta diretoria Luis Carlos Moreira da Silva e
Cezar de Souza Tavares. Foram designados naquele tempo para representar a
Petrobras no conselho de administração da Termorio S.A., empresa criada
para construir e operar a termoelétrica Leonel Brizola, em Duque de
Caxias, cujo maior fornecedor de equipamentos foi a Alstom.
Na conversa gravada, Delcídio manifestou
preocupação com a possibilidade de Cerveró delatá-lo por questões
relacionadas a contratos da Alstom com a Petrobras.
Apesar de fazerem parte apenas do
conselho de administração da termoelétrica, posto que não tem função
executiva, os dois gerentes viajaram para a Suíça junto com o presidente
da Termorio em junho de 2002 para participar de negociações do contrato
da Alstom, conforme descrito em ata de reunião da diretoria registrada
na Junta Comercial do Rio de Janeiro. Na 20ª fase da Operação Lava Jato,
os dois foram alvos de mandados de busca e apreensão por evidências de
terem recebido propina na compra da Refinaria de Pasadena, nos EUA.
Luis Carlos Moreira da Silva foi levado
por Cerveró para ser gerente-executivo de desenvolvimento de negócios da
diretoria internacional. Cezar de Souza Tavares se aposentou e abriu a
empresa Cezar Tavares Consultores, que foi contratada pela diretoria de
Cerveró para atuar na negociação dos contratos de compra da Refinaria de
Pasadena. Em 2008, após Cerveró sair da diretoria Internacional,
Moreira tam´bem se aposentou e virou sócio na consultoria de Tavares,
mesmo movimento feito por outro investigado, Rafael Mauro Comino,
igualmente "transposto" da diretoria de Delcídio para a Internacional de
Cerveró.
No diálogo gravado, Delcídio dá a
entender que tinha uma combinação para Cerveró não falar sobre
envolvimento dele com a Alstom e questiona o rascunho da delação
mostrado por André Esteves conter isto. Bernardo e o advogado Edson
confirmam que Cerveró e Moreira (eles não citam o nome completo) tinham
dinheiro na Suíça, recebido da Alstom, e foram descobertos lá há algum
tempo, mas conseguiram arquivar o processo fazendo acordo confidencial
com o Ministério Público de lá. O dinheiro ficou com o governo suíço
mas, no Brasil, ninguém soube de nada.
Os procuradores da Lava Jato tiveram
conhecimento da trama informamente quando estiveram na Suíça mas,
segundo o advogado Edson, não têm como usar esta informação de forma
legal no Brasil, já que, depois do acordo, os procuradores suíços não
podem mais fornecer estes dados oficialmente.
Pausa para uma observação: se for
verdade esta narrativa, que justiça podre era essa dos suíços?
Descobriram dinheiro com indícios de ser roubado dos cofres públicos
brasileiros e fizeram acordo para ficar com o dinheiro em troca de
silêncio?
Tribunal de Contas da União aponta negociação potencialmente prejudicial à Petrobras, sob gestão de maus diretores
Gestões temerárias
Mas voltando ao "petrolão tucano": a
diretoria de Delcídio foi responsável pela assinatura dos contratos
lesivos à Petrobras para construção e operação de usinas termelétricas,
no governo FHC, em consórcio com empresas estrangeiras como Enron, El
Paso e com a brasileira MPX, de Eike Batista.
Processo de tomada de contas especial do
TCU – TC 032.295/2010-3 – registra nos contratos que a Petrobras
assumiu sozinha riscos desfavoráveis ao erário público (leia-se: ruins
para a estatal e bons para os sócios privados nos consórcios) para a
construção das termelétricas.
O texto do acórdão descreve um contrato
draconiano, cuja única garantia tinha os sócios privados, de que teriam
seus lucros devidamente recebidos – o que obrigou a estatal a pagar aos
consórcios R$ 2,8 bilhões. A Petrobras (leia-se, o povo brasileiro)
ficou com este prejuízo, enquanto os sócios privados foram generosamente
remunerados. Pior do que isso, durante cinco anos a Petrobras pagou aos
sócios juros de 12% ao ano, mais do que os sócios pagavam ao BNDES pelo
dinheiro que tomaram emprestado para investir.
Desenhando: se a Petrobras tomasse
diretamente empréstimo no BNDES para construir as termelétricas sem
sócio nenhum, em cinco anos pagaria o empréstimo, com juros muito
menores e ficaria dona sozinha das usinas.
Mesmo identificando e reconhecendo tudo
isso, o acórdão do TCU de 16 de julho de 2014 (quando a Lava Jato já
bombava) acatou a defesa e não puniu ninguém da diretoria da Petrobras
da era tucana.
Foram alvo desta tomada de contas além
de Delcídio e Cerveró, Henri Philippe Reichstull, Ronnie Vaz Moreira,
Francisco Gros, Rogério Almeida Manso da Costa Reis, José Coutinho
Barbosa, Geraldo Vieira Baltar, Albano de Souza Gonçalves, João Pinheiro
Nogueira Batista,Jorge Marques de Toledo Camargo, Antônio Luiz Silva de
Menezes, Irani Carlos Varella.
Um trecho do acórdão do TCU resume a
decisão: "(...) ainda que tenha faltado prudência por parte dos
administradores da Petrobras, os gestores devem ser eximidos de
responsabilidade por não ser razoável exigir-lhes que, com as
circunstâncias favoráveis de mercado, descumprissem os compromissos
políticos e sociais que haviam assumido e desistissem da oportunidade de
negócio que se apresentava. Fica demonstrada a inexigibilidade de
conduta diversa por parte dos gestores da Petrobras, excluindo sua a
culpabilidade".
Deixa ver se entendi: em uma linguagem
menos embromada, como a diretoria tinha "compromisso político" com o
governo tucano ficou tudo liberado para fazer outra imprudente
"privataria" com a Enron, El Paso e MPX. É isso?
Detalhe: em 2001 e 2002, quando
ocorreram estes fatos, o ministro das Minas e Energia era José Jorge que
posteriormente foi senador pelo PFL de Pernambuco. Em 2014, José Jorge
era conselheiro do TCU. Hoje aposentado, à época ele declarou-se
impedido de votar neste processo. Concluí-se, portanto, que ele tinha
interesse direto no assunto.