terça-feira, 16 de agosto de 2016

Que moral tem Lula para falar de “pecado” na comunicação? Por Jadson Oliveira


Haddad e Lula na convenção do PT de São Paulo (Foto: Instituto Lula/reprodução da Internet)
Haddad e Lula na convenção do PT de São Paulo (Foto: Instituto Lula/reprodução da Internet)
Quando vai cair a ficha da esquerda (e/ou centro-esquerda) para a necessidade da luta pela construção duma forte rede de mídia contra-hegemônica, incluindo meios (TV, rádio e jornal) da imprensa tradicional? Vamos viver sempre como pobres vítimas da Globo e demais monopólios da comunicação, cabeça de ponte da direita?
De Salvador (BA) – Um dia desses conversava com um jovem líder baiano, do campo das esquerdas, e lamentava o fato da esquerda brasileira ser refém da liderança do ex-presidente Lula. Ele retrucou: “E nós aqui na Bahia reféns de Wagner” (ex-governador Jaques Wagner, ex-chefe da Casa Civil da presidenta Dilma).
E eis que nosso Lula continua afrontando as forças que mais o apoiam. Numa entrevista à revista alemã Der Spiegel, no início do mês passado, ele declarou ao criticar o presidente provisório Michel Temer: “Ele se comporta como Fidel Castro, que se instalou em Havana com seus guerrilheiros. Temer parece acreditar que ficará no poder por 70 anos”.
Hesitei em acreditar na sacanagem. Li e reli. Agora, para citar aqui, puxei no google para confirmar. Poderia ser encarado como uma tolice qualquer, mas certamente não é. Lula hoje é suficientemente preparado e esperto para dizer o que realmente quer dizer.
A frase, condizente com seu DNA de conciliador emérito, soa muito bem como um afago aos direitistas. Fodam-se as forças progressistas brasileiras e latino-americanas. Esperei que algum dos blogueiros mais à esquerda, mais categorizado do que eu, criticasse a insólita comparação, mas até agora não li nada a respeito, o que até compreendo.
Compreendo porque é desconfortável, para quem tem uma visão ideológica de esquerda, criticar Lula no momento em que uma Justiça partidarizada, com superpoderes emanados dos monopólios da comunicação, faz uma campanha impiedosa contra ele e sua família, visando tirá-lo (ou derrotá-lo) duma eventual disputa presidencial. No momento em que um golpe midiático-parlamentar-judicial se aproxima do desfecho sob o manto dum enviesado combate à corrupção.
Mas o diabo é que no ritmo em que as coisas vão não poderemos nunca criticar Lula, pois o massacre contra ele e o lulismo não cessa um dia sequer. E a crítica companheira vai sempre soar como inconveniente.
(É bom frisar, para aclarar possíveis dúvidas, que o ódio da direita contra o petismo/lulismo é devido aos seus méritos e não às suas deficiências políticas e éticas. E se não devemos endeusar Lula, como fazem alguns blogueiros progressistas, também não devemos demonizá-lo, como fazem os “esquerdistas infantis” de sempre, tão esquálidos de influência).
Ações e omissões
O que quero, porém, criticar, verdadeiramente, é sobre o tema do título deste artigo. Na convenção do PT que chancelou a candidatura à reeleição de Fernando Haddad, no último dia 24, Lula repreendeu o prefeito de São Paulo por ter cortado 50% dos gastos com publicidade nos quatro anos de seu mandato. Disse, conforme editorial da Carta Maior, assinado por Saul Leblon:
“O povo brasileiro não tem obrigação de saber”, disse Lula e sapecou: “O prefeito cometeu um pecado ao não investir em divulgar a gestão; achando que é obrigação do povo saber; achando que já é conhecido; ledo engano; fosse assim”, concluiu, “a Coca-Cola, que todo mundo já conhece, não faria propaganda. E ela faz”.
O discurso do nosso ex-presidente e maior líder popular do país, como sempre, parece irretocável. O fecho, então, falando da Coca-Cola, é genial. Mas o ponto é outro: qual é a autoridade que ele tem para apontar “pecado” na área da comunicação?
Se há um quesito, tanto na sua ação política, como na sua gestão de governo, no qual Lula mais “pecou”, este é justamente o da comunicação. Não é por acaso que o movimento democrático, popular e de esquerda – incluindo aí parte das forças dos então governos Lula e Dilma, que duraram 13 anos – não teve qualquer avanço na construção duma rede de mídia contra-hegemônica.
Pode-se mesmo dizer que o pouco que foi construído – por exemplo, a blogosfera progressista, nossa combativa trincheira de resistência – foi construído APESAR dos governos Lula e Dilma. Claro que se pode argumentar com os obstáculos das alianças à direita, a tal da governabilidade, mas há uma distância considerável entre o não fazer, o nem sequer tentar e o jogar contra.
Quantas ações e omissões de responsabilidade dos governos Lula e Dilma, no setor comunicação, poderiam ser arroladas no sentido de manter o povo brasileiro quase totalmente submetido à ditadura do pensamento único, mesmo com o contrapeso da crescente influência da Internet e redes sociais? Desde alimentar o inimigo com verbas publicitárias, através da farsa da “mídia técnica”, e manter intocado o escandaloso esquema das concessões de rádio e TV, até perseguir as raríssimas rádios verdadeiramente comunitárias.
Telesur inacessível
E passando pelo engavetamento de convênio assinado com a Telesur (TV Telesul), uma emissora baseada na Venezuela, com grande penetração na América Latina e também em âmbito mundial, que faz o contraponto a emissoras como CNN, Globo, Televisa (México) e do grupo Clarín (Argentina), para falarmos apenas das Américas.
A Telesur, porém, por ação ou omissão dos governos Lula e Dilma, não chegou às telas da TV dos brasileiros, que vivem permanentemente à mercê da Rede Globo e seus cúmplices. Ou seja, como receptores, sem contraditório, duma visão de mundo marcada por um único viés político, ideológico e cultural.
(Quando o senador Roberto Requião, do PMDB, era governador do seu estado, os paranaenses assistiam os telejornais da Telesur, através da TV estadual. Por que os outros brasileiros nunca puderam? Um dia, certamente, saberemos sobre esse escândalo do convênio engavetado).
Dois registros para reforçar minha argumentação:
1 – Não custa relembrar o episódio ocorrido com o mesmo Requião: ele conta que sugeriu ao então presidente Lula a criação duma emissora de TV, de envergadura nacional, capaz de se contrapor ao poderio da Globo. Lula então pediu que ele discutisse o assunto com José Dirceu, então chefe da Casa Civil. Dirceu, por sua vez, disse a Requião que não havia tal necessidade, porque o governo já tinha uma TV, a Globo.
Que tal? O que será que diria hoje, se pudesse, o nosso Dirceu, depois de condenado, sem provas, pelo poder midiático, condenação (e prisão) chancelada pela Justiça?
2 – No primeiro semestre de 2015 eu estive uma temporada no Equador. Li (e traduzi) uma entrevista, sobre o nosso tema, do jornalista e estudioso Ignacio Ramonet (diretor da edição em espanhol do Le Monde Diplomatique) ao El Telégrafo – jornal diário editado por uma empresa pública do governo.
(Quando eu estava por lá, o governo equatoriano tinha dois jornais diários e três emissoras de TV – uma delas de grande audiência nacional, a Equador TV, canal 7, onde o presidente Rafael Correa era âncora dum programa semanal de quatro horas, no sábado, o Enlace Cidadão -, além de rádios, agência de notícias e plataformas na web. E estava começando a redistribuir as concessões de rádio e TV, conforme a legislação que democratizou o setor, aprovada em 2013: 33% para a área privada, 33% para a pública e 34% para a área comunitária).
Na entrevista Ramonet dizia que o PT, Lula e Dilma “não deram a importância necessária à criação dum sistema público de comunicação e informação. Primeiro, porque nunca tiveram maiorias claras, governaram com os parlamentos que negociavam, não tiveram as mãos livres, e os empresários, que no Brasil dispõem de grupos importantes, como o Grupo Globo, não lhes permitiram. De fato, não creio que tiveram a vontade, e mesmo se a tivessem, não creio que tivessem deixado desenvolver um grupo público de meios de comunicação, como se fez em outros países, como o Equador, Venezuela e Argentina”.
(*) Jadson Oliveira é jornalista baiano. Trabalhou nos jornais Tribuna da Bahia, Jornal da Bahia, Diário de Notícias, Estado de S.Paulo e Movimento. Depois de aposentado virou blogueiro e tem viajado pela América do Sul e Caribe

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