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As marcas de Noriega no Panamá

por Deutsche Welle — publicado 30/05/2017 09h58
Ex-ditador comandou o país no anos 1980 e estabeleceu uma rede de influências e corrupção que se espalhou pela sociedade panamenha
Jonathan Utz / AFP
Manuel Noriega
Noriega em 1987, chegando à cidade de David, 350 quilômetros distante da Cidade do Panamá. Dois anos depois, o ditador, que agia em conluio com a CIA, seria derrubado pelos EUA
Por Amir Valle 
ex-ditador panamenho Manuel Noriega morreu nesta segunda-feira 29 na Cidade do Panamá, aos 83 anos. Ele sofria de um tumor cerebral e teve complicações após uma cirurgia de remoção realizada em março.
Nascido em 1934, Noriega cresceu num abrigo religioso e formou-se na academia militar de Lima, no Peru. Aos 26 anos, entrou para a Guarda Nacional e, em seguida, estudou técnicas de guerra psicológica nos Estados Unidos. Em 1969, foi promovido a chefe da inteligência militar e, em agosto de 1983, tornou-se comandante da Guarda Nacional
Big Brother
Após o general Omar Torrijos, líder panamenho de 1968 a 1981, colocar o tranquilo país no centro da atenção mundial no final do século 20, ao forçar os Estados Unidos a devolver o Canal do Panamá, Noriega voltou a pôr o país no foco das notícias internacionais. Mas, dessa vez, o motivo foi a ditadura e seus vínculos escandalosos com o tráfico de drogas e lavagem de dinheiro internacional.
O jornalista panamenho Guillermo Sánchez Borbón referia-se à controversa figura de Noriega como o rei Midas da corrupção: "Tudo o que ele toca, é corrompido", escreveu nos anos 1980.
Esses vínculos que Noriega foi acumulando desde sua atuação como uma espécie de Big Brother, vigiando cada passo do povo panamenho quando dirigia o serviço de inteligência, o permitiram chegar ao poder, eliminando seus rivais um a um, e criar uma rede de influências que se espalhou para todos os cantos da sociedade panamenha.
Correligionários elogiavam suas manobras políticas ao apoiar movimentos revolucionários na região, aplaudiam seus contatos próximos com "mitos" da esquerda, como Fidel Castro, e proclamavam que, na ocasião, o Panamá navegava em uma prosperidade econômica e financeira.
Nenhuma menção, é claro, ao fato de que parte dessa prosperidade se devia à lavagem de dinheiro e à permissividade de Noriega para que o país se tornasse um paraíso fiscal. Críticos o culpam de crimes hediondos desde que ganhou a confiança do general Torrijos, nos anos 70, até ser deposto pela invasão dos EUA, em 1989. 
Embora haja suspeitas de seu envolvimento no estranho acidente em que morreu Torrijos, em 1982, seu crime mais notório e terrível, considerado o início do fim da ditadura de Noriega (1983-1989), foi o sequestro e decapitação do médico Hugo Spadafora, ídolo dos panamenhos, em 1985. O corpo dele foi encontrado em um rio na Costa Rica, e até hoje nenhum dos envolvidos, incluindo Noriega, revelou onde a cabeça do médico foi jogada.
Atrás das grades
Em dezembro de 1989, derrotado pela invasão americana, Noriega se refugiou na Nunciatura do Panamá, onde permaneceu até decidir se entregar no dia 3 de janeiro de 1990. Assim começaram a sair os veredictos contra ele, incluindo 20 anos numa prisão da Flórida por tráfico de drogas e dois anos na França por lavagem de dinheiro do cartel de Medellín.
Em 2011, ele foi extraditado e chegou ao centro penitenciário El Renacer, na Cidade do Panamá, para cumprir seis sentenças de 30 anos por homicídio, associação ilícita, corrupção e peculato. Ele ainda aguardava o julgamento pelo desaparecimento do sindicalista Heliodoro Portugal.
Noriega em 2011, na chegada à prisão El Renacer (Foto: AFP)
Numa aparição televisiva em 2015, supostamente para pedir perdão, ele deixou panamenhos com a má impressão de que suas palavras eram parte de uma estratégia para conseguir prisão domiciliar. Exceto por seu rosto marcado pela varíola, já não havia muito daquele orgulhoso general que aterrorizou o país, que, em conluio com a CIA, mexeu os cordões da diplomacia da América Central nos anos 1980, e que tratou de forma igual e sem escrúpulos Pablo EscobarFidel Castro, os comandantes sandinistas e os chefes mercenários dos "contras" da Nicarágua.
Em inúmeras ocasiões, personalidades panamenhas, como o ativista político Mauro Zúñiga, o jornalista Guillermo Sánchez Borbón e o advogado Miguel Antonio Bernal, entre outros intelectuais, têm advertido que "a era Noriega parece interminável". Isso porque continua existindo a rede de corrupção surgida durante a ditadura e que ainda impede a decolagem da democracia no Panamá.