quarta-feira, 19 de julho de 2017

Venezuela: confronto pode levar a uma guerra civil

 


Jadson Oliveira é jornalista baiano. Trabalhou nos jornais Tribuna da Bahia, Jornal da Bahia, Diário de Notícias, O Estado de São Paulo e Movimento. Depois de aposentado virou blogueiro e tem viajo pela América do Sul e Caribe.






CONTEXTO: 
Em 30 de julho serão realizadas as eleições para escolher os 545 membros da Assembleia Nacional Constituinte convocada pelo presidente Maduro. Serão eleitos 364 membros nacionais (federais), 173 setoriais e 8 indígenas. A iniciativa busca “institucionalizar o sistema de missões sociais (Nota do tradutor: as missões são criação do governo Hugo Chávez, encarregadas da execução de diversos programas sociais) e assentar as bases jurídicas para um novo modelo econômico pós-petroleiro”. A oposição chamou a sabotar a Constituinte e convocou um plebiscito para 16 de julho para rechaçá-la e propor “a formação de um Governo de União Nacional para restituir a ordem constitucional”. A proposta opositora não conta com o aval do Conselho Eleitoral (NT: equivalente ao TSE brasileiro) e por isso não tem validade legal.

Entrevista com o jornalista venezuelano Modesto Guerrero: “Isto (o confronto) leva a uma guerra civil porque o governo não vai se retirar tranquilamente”
 
Por Nadia Luna – do portal Nodal – Notícias da América Latina e Caribe, de 14/07/2017 – Tradução: Jadson Oliveira (o título principal acima é desta edição)
Presidente Nicolás Maduro e Julio Borges (da oposição) festejam, cada um por seu lado, o êxito da simulação da votação da Constituinte e do plebiscito informal tocado pelos opositores, eventos realizados no domingo, dia 16 (Foto: Nodal)

O governo de Nicolás Maduro convoca uma Assembleia Constituinte para 30 de julho e a oposição convoca um plebiscito para este domingo, dia 16, em repúdio a esta Constituinte. Ambos denunciam que a medida do outro é ilegítima e ilegal. Enquanto isso, a violência nas ruas continua crescendo: são registrados 30 crimes de ódio contra partidários chavistas desde que começaram os protestos em abril. (NT: ao todo já são mais de 100 mortos dos dois lados).
Modesto Guerrero é um escritor, jornalista e militante social venezuelano. É autor dos livros “Uma revolta dos ricos: crise e destino do chavismo” e “Chávez, o homem que desafiou a história”. Em entrevista ao Nodal, analisa a complexa crise atual da Venezuela e avalia possíveis saídas do conflito.
Nos últimos meses, houve um recrudescimento da violência. Isto faz parte duma estratégia da oposição?
O incremento da violência é uma técnica dentro da estratégia da oposição que busca criar um caos absoluto no sistema de governabilidade. Querem provocar uma ruptura nas Forças Armadas e criar dois cenários possíveis. Um é o da invasão estrangeira. O outro é criar um estado de guerra civil com a divisão do território nacional, por exemplo, em San Cristóbal, a noroeste do país. Limita com Cúcuta, Colômbia, um corredor para os paramilitares de Uribe (NT: Álvaro Uribe, ex-presidente colombiano e líder da ultradireita sul-americana), que são os que assessoram Leopoldo López  e Voluntad Popular (NT: partido de ultradireita liderado por López, que estava preso e agora está em prisão domiciliar). Outras divisões podem se dar em San Antonio de Los Altos, um território montanhoso ao lado de Caracas onde a violência tem sido muito forte; e em Maracay, a cidade de onde eu venho, onde nasceram todas as rebeliões militares. Lá mataram na segunda-feira um candidato a deputado chavista. O objetivo é bem claro: impedir que na Venezuela se estabeleça, mediante a Assembleia Constituinte, o que os opositores chamam “castro-comunismo”, que não é mais do que uma forma de associação populacional e nacional (federal), econômica e política, que se baseia nas comunas de trabalho.
O que busca o governo com a Assembleia Constituinte e a oposição com o chamado ao plebiscito?
A oposição está decidida a impedir a instalação da Assembleia Constituinte porque isso poderia levar à mudança da natureza do Estado: de capitalista a socialista ou comunal. Do lado chavista, o propósito declarado é instalá-la a todo custo. Isso significa a militarização das cidades para poder instalar as mesas de votação. Mesmo assim, a oposição pode criar um estado de terror para as pessoas não irem votar, com bombas e granadas como estão usando contra a Guarda Nacional. O plebiscito é uma tática prévia. Tem um objetivo imediato, e repito o que escuto de parte dos líderes da oposição através de seus meios de comunicação: necessitam criar uma situação de caos para gerar um levante na terça-feira, dia 18. Necessitam um pretexto bélico para poder criar o estado de caos e justificar a entrada em cena das Forças Armadas.
O argumento dos líderes da oposição continua sendo o pedido de eleições livres?
Não, eles pedem o governo. Isto leva a uma guerra civil porque o governo não vai se retirar tranquilamente. E ainda que se retirasse, coisa que não está descartada, o que fica do povo chavista continua sendo uma parte importante, apesar de ser menos em comparação com o que foi até 2012 com Chávez. No entanto, com um terço do que fizeram contra Maduro, tiraram Dilma (no Brasil) e Lugo (Fernando Lugo, no Paraguai). E com a metade tiraram (Manuel) Zelaya, em Honduras. Por que não derrubaram Maduro? Porque não conseguiram criar um “Caracazo”, um caos institucional total (NT: “Caracazo” foi uma rebelião popular em Caracas em 1989). Não conseguiram acumular suficiente força social entre o povo.
O problema é que dentro dessa disputa de posições irreconciliáveis, é o povo venezuelano quem sofre as consequências. No governo não se busca uma estratégia para resguardar a segurança do povo?
A única maneira para qualquer governo preservar a segurança da maioria da população é atacar os que atacam a população. As “guarimbas” (NT: bloqueios nas ruas feitas pelos opositores) são violentíssimas porque atiram contra os que querem passar, sejam chavistas ou partidários da oposição. O governo fica hesitante entre a necessidade de proteger e a obrigação de reprimir. Há policiais que têm cometido erros e atiram à queima-roupa, gerando mortes desnecessárias. Os 14 guardas nacionais que cometeram abuso policial estão processados pela Procuradoria. Ao contrário, os do lado da oposição que têm assassinado ou queimado pessoas, não o estão.
Quais as possíveis saídas que vê a partir de tal cenário?
Uma é que a pressão internacional consiga convencer o governo de Maduro por uma saída negociada: um governo de coalizão entre forças de direita e de esquerda. Isso será complicado porque a vanguarda chavista vai se rebelar. São centenas de milhares e estão armados. Outra saída é que a direita seja derrotada. Não é improvável. Pode acontecer que a direita retroceda lentamente diante da libertação de Leopoldo (López) e a pressão das forças amigas internacionais que, em algum momento, vão questionar o que mais a oposição quer que o governo ceda. Se isso acontecer, uma terceira perspectiva é que um setor da direita, da MUD (NT: Mesa da Unidade Democrática, a coalizão dos vários partidos opositores), se rebele contra isso. Quer dizer, que tenha uma reação similar à do chavismo se o governo capitular. A realidade é que não há uma grande solução. Karl Marx dizia que entre dois direitos iguais a única saída é a guerra. Bem, a direita acredita que tem o direito absoluto de impedir que o chavismo seja governo e o governo pensa que tem o direito absoluto de se manter como governo de esquerda. Entre esses dois direitos, não surge outra solução senão a guerra.

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