Palco de escândalos políticos, troca de acusações e agressões
verbais, o Congresso Nacional é também um ambiente familiar. Pelos
plenários, corredores e gabinetes, uma bancada expressiva de
parlamentares bem poderia chamar de pai, filho, tio, sobrinho, primo ou,
até mesmo, de amor aqueles que tratam pelo formal Vossa Excelência. Ao
menos 60 deputados e senadores têm familiares no exercício do mandato,
na suplência ou licenciados na Câmara e no Senado. Eles estão longe de
ser exceção. De pai para filho, a política brasileira virou um grande
negócio de família.
Levantamento da Revista Congresso em Foco
revela que pelo menos 319 deputados (62%) e 59 senadores (73%) têm
laços de sangue com outros políticos. Há parlamentares com sobrenomes
associados nacionalmente à política, como Maia, Calheiros, Cunha Lima,
Caiado, Barbalho e Magalhães, outros de influência regional e aqueles
que inauguraram essa tradição.Os números são tão expressivos que fazem o
Brasil superar nesse quesito a Índia e sua conhecida sociedade de
castas. Pesquisa publicada em 2011 pelo historiador britânico Patrick
French mostra que 28% das cadeiras da Câmara indiana eram ocupadas por
deputados com políticos na família.
A reportagem sobre os parlamentares com parentes na política é um dos principais assuntos da nova edição da Revista Congresso em Foco. Para acessar o conteúdo completo da publicação, clique aqui.
Caso a caso
No Parlamento brasileiro, a árvore genealógica política é mais
enraizada no Nordeste, mas tem ramificações frondosas por todos os
estados e partidos representados no Congresso. O papel da família na
eleição de cada um desses parlamentares deve ser analisado caso a caso.
Há descendentes de ex-senadores, ex-deputados e ex-governadores, assim
como familiares de políticos de expressão regional, bem como aqueles que
se elegeram conciliando a força do nome com atuação destacada em outras
áreas.
Também há casos de congressistas que, a despeito do parentesco, ou
não fizeram uso do sobrenome ou até que são adversários políticos.
Existem, ainda, os que desbravaram sozinhos o espaço na política e agora
preparam, dentro de casa, seus sucessores. Qualquer que seja a
situação, é inegável que o capital político familiar representa uma
vantagem em relação aos adversários e um atalho para o sucesso
eleitoral.
Conhecer desde o berço os bastidores do meio é apenas um dos
diferenciais. Além do poder político, muitos herdam o poder econômico.
São mais ricos ou têm mais facilidade de arrecadar dinheiro para as
campanhas eleitorais do que seus concorrentes. Muitos são donos de
veículos de comunicação, como rádios e TVs e controlam ainda as
principais máquinas partidárias de seus estados.
Caça ao dinheiro
O cientista político Ricardo Costa Oliveira, da Universidade Federal
do Paraná (UFPR), observa que, em vez de diminuir, a influência do
parentesco na política, herança da colonização portuguesa, tem crescido
no país, principalmente por causa do encarecimento das campanhas
eleitorais.
“A política é cada vez mais um negócio de família no Brasil. As
eleições estão cada vez mais caras. Muitos políticos bem sucedidos têm
de organizar e possuir uma estrutura de dinheiro, uma estrutura
familiar política para beneficiá-los. Os candidatos mais fortes e com
boas condições de elegibilidade concentram mais dinheiro e muitas vezes
contam com a família na política. Isso é um fenômeno também de
reprodução do poder político”, explica o professor.
Nesse ciclo vicioso, sobra pouco espaço para renovação de nomes e
ideias. “No atual sistema político, só se elege quem é profissional,
quem tem muito dinheiro, quem tem muita estrutura. Quem é amador,
político novo, só com suas idéias, não consegue se eleger de primeira
vez, ressalvadas as exceções. Somos uma república de famílias”, avalia o
professor, que estuda o tema há mais de 20 anos. Esse tipo de relação
não se restringe ao Congresso e à política.
Todos os poderes
Pesquisas coordenadas recentemente por Ricardo Oliveira evidenciam o
peso dos laços familiares em outros campos do poder no Brasil: do
Executivo federal (17 ministros do presidente Michel Temer são de
famílias de políticos) ao municipal (16 dos 26 prefeitos de capitais
eleitos em 2016). O modelo também é reproduzido no Judiciário e no
Ministério Público. No Supremo Tribunal Federal, por exemplo, 8 dos 11
ministros têm parentes na área do Direito. Metade dos 14 integrantes da
força-tarefa da Lava Jato também tem familiares magistrados e
procuradores.
Para o professor José Marciano Monteiro, da Universidade Federal de
Campina Grande, na Paraíba, não há como compreender o Brasil sem
analisar as relações entre família e política. “Não existe a renovação
que muitos cientistas políticos apontam no Congresso. Há renovação de
agentes que pertencem às mesmas famílias, têm os mesmos hábitos, visão
de mundo e práticas dos antecessores. As eleições apenas legitimam esses
grupos”, argumenta o cientista social.
Segundo ele, a concentração do poder político em poucas famílias
impõe ao Brasil uma agenda refém de interesses privados, favorece as
desigualdades econômicas e sociais e a corrupção. Não por acaso,
ressalta, as relações de parentesco costumam aparecer em esquemas de
corrupção. Só para ficar no exemplo da Lava Jato, há casais, pais e
filhos, sobrinhos e primos entre os parlamentares investigados.
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