quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Comandante do Exército reinterpreta Constituição com viés golpista




General Villas Boas vê "mandato" legal para agir "na iminência do caos"

Por KENNEDY ALENCAR
BRASÍLIA

A emenda saiu pior do que o soneto. Em entrevista ao jornalista Pedro Bial, na madrugada de hoje, na TV Globo, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, disse que não haverá punição ao general Antonio Hamilton Mourão, secretario de economia e finanças dessa força. Segundo Villas Bôas, “na iminência de um caos”, a Constituição daria “um mandato” para que se faça uma intervenção militar.

A entrevista mostra que o general Mourão falou a verdade quando disse que sua opinião refletia a do Alto Comando do Exército. Não consta do artigo 142 da Constituição Federal, que disciplina o papel das Forças Armadas no Brasil, a expressão “na iminência de um caos”. Essa expressão é ampla e subjetiva o suficiente para justificar qualquer ação, inclusive um golpe. A Constituição não faz uso dela.

O caput do artigo 142 da Constituição diz exatamente o seguinte: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.” A expressão “na iminência de um caos” não é encontrada também nos três parágrafos e 20 incisos do artigo 142.

O comandante do Exército faz uma interpretação que dá margem a ações golpistas no país. O general Villas Bôas errou duplamente. Primeiro, ao ler errado o artigo 142. A Constituição é clara nas atribuições dos militares.

Agir na defesa da pátria está relacionado a missões de guerra e conflitos externos. Ou, no caso interno, contra golpistas. Defesa dos poderes constitucionais deixa muito claro que não há mandato para ruptura nenhuma da ordem institucional. E garantia da lei e da ordem é algo específico, relacionado à segurança pública, como ações no Rio de Janeiro e no Espírito Santo.

As ações de garantia da lei e da ordem são previstas no artigo 142 da Constituição, na Lei Complementar 97 de 1997 e no Decreto 3897 de 2001. São operações relacionadas ao esgotamento das forças tradicionais de segurança pública. Ponto.

O artigo 142 é cristalino ao determinar que as Forças Armadas respondam, “com base na hierarquia e na disciplina” à “autoridade suprema do presidente da República”. Ou seja, devem obedecer a uma autoridade civil.

O segundo erro do general Villas Bôas foi minimizar a afirmação do general Mourão, dizendo que ocorreu em evento fechado da maçonaria e em resposta a uma pergunta. Tapar o sol com a peneira é a pior solução nesse episódio, no qual o ministro da Defesa, Raul Jungmann, sempre tão falante, ficou calado _a rigor, divulgou uma nota jogando a bola para Villas Boas. Também não houve uma palavra do presidente Michel Temer.

Mas Augusto Heleno, general da reserva que comandou a missão brasileira no Haiti, já saiu em defesa de Mourão. É o fim da picada.

As Forças Armadas devem ser lembradas de que elas deram um golpe em 1964. Quebraram a lei. Prendaram ilegalmente, mataram e torturaram. Não salvaram o Brasil de nada. Pioraram o país, não o melhoraram. A corrupção na ditadura foi toda jogada para debaixo do tapete. A democracia tem permitido combate mais eficaz ao problema. A ditadura acabou numa tremenda crise econômica e social.

As autoridades civis do país não podem se acovardar e se calar diante das falas desses três generais, dois da ativa e um da reserva. Eles manifestaram uma mentalidade golpista que ainda ronda as Forças Armadas e que desrespeita a Constituição. Ditadura no Brasil é capítulo superado. Ditadura nunca mais.

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