General Villas Boas vê "mandato" legal para agir
"na iminência do caos"
Por KENNEDY ALENCAR
BRASÍLIA
A emenda saiu pior do que o soneto. Em entrevista ao
jornalista Pedro Bial, na madrugada de hoje, na TV Globo, o comandante do
Exército, general Eduardo Villas Bôas, disse que não haverá punição ao general
Antonio Hamilton Mourão, secretario de economia e finanças dessa força. Segundo
Villas Bôas, “na iminência de um caos”, a Constituição daria “um mandato” para
que se faça uma intervenção militar.
A entrevista mostra que o general Mourão falou a verdade
quando disse que sua opinião refletia a do Alto Comando do Exército. Não consta
do artigo 142 da Constituição Federal, que disciplina o papel das Forças
Armadas no Brasil, a expressão “na iminência de um caos”. Essa expressão é
ampla e subjetiva o suficiente para justificar qualquer ação, inclusive um golpe.
A Constituição não faz uso dela.
O caput do artigo 142 da Constituição diz exatamente o
seguinte: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela
Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas
com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente
da República, e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes
constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.” A
expressão “na iminência de um caos” não é encontrada também nos três parágrafos
e 20 incisos do artigo 142.
O comandante do Exército faz uma interpretação que dá margem
a ações golpistas no país. O general Villas Bôas errou duplamente. Primeiro, ao
ler errado o artigo 142. A Constituição é clara nas atribuições dos militares.
Agir na defesa da pátria está relacionado a missões de
guerra e conflitos externos. Ou, no caso interno, contra golpistas. Defesa dos
poderes constitucionais deixa muito claro que não há mandato para ruptura
nenhuma da ordem institucional. E garantia da lei e da ordem é algo específico,
relacionado à segurança pública, como ações no Rio de Janeiro e no Espírito
Santo.
As ações de garantia da lei e da ordem são previstas no
artigo 142 da Constituição, na Lei Complementar 97 de 1997 e no Decreto 3897 de
2001. São operações relacionadas ao esgotamento das forças tradicionais de
segurança pública. Ponto.
O artigo 142 é cristalino ao determinar que as Forças
Armadas respondam, “com base na hierarquia e na disciplina” à “autoridade
suprema do presidente da República”. Ou seja, devem obedecer a uma autoridade
civil.
O segundo erro do general Villas Bôas foi minimizar a
afirmação do general Mourão, dizendo que ocorreu em evento fechado da maçonaria
e em resposta a uma pergunta. Tapar o sol com a peneira é a pior solução nesse
episódio, no qual o ministro da Defesa, Raul Jungmann, sempre tão falante,
ficou calado _a rigor, divulgou uma nota jogando a bola para Villas Boas.
Também não houve uma palavra do presidente Michel Temer.
Mas Augusto Heleno, general da reserva que comandou a missão
brasileira no Haiti, já saiu em defesa de Mourão. É o fim da picada.
As Forças Armadas devem ser lembradas de que elas deram um
golpe em 1964. Quebraram a lei. Prendaram ilegalmente, mataram e torturaram.
Não salvaram o Brasil de nada. Pioraram o país, não o melhoraram. A corrupção
na ditadura foi toda jogada para debaixo do tapete. A democracia tem permitido
combate mais eficaz ao problema. A ditadura acabou numa tremenda crise
econômica e social.
As autoridades civis do país não podem se acovardar e se
calar diante das falas desses três generais, dois da ativa e um da reserva.
Eles manifestaram uma mentalidade golpista que ainda ronda as Forças Armadas e
que desrespeita a Constituição. Ditadura no Brasil é capítulo superado.
Ditadura nunca mais.
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