quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

América Latina: a esquerda é vítima do seu próprio êxito? – por Rafael Correa

 Tradução JADSON OLIVEIRA

NOSSAS DEMOCRACIAS DEVEM se chamar democracias midiatizadas. Os meios de comunicação são um componente mais importante no processo político do que os partidos e sistemas eleitorais; converteram-se nos principais partidos de oposição aos governos progressistas; e são os verdadeiros representantes do poder político empresarial e conservador.
Por Rafael Correa Delgado (ex-presidente do Equador) – do portal Nodal – Notícias da América Latina e Caribe, de 16/02/2018 – Tradução: Jadson Oliveira (parte do artigo ‘O desafio estratégico da esquerda latino-americana. Atacada pela direita e por seus próprios erros?’)
Provavelmente a esquerda é também vítima do seu próprio êxito. Segundo a CEPAL, quase 94 milhões de pessoas saíram da pobreza e se incorporaram à classe média regional durante a última década, em sua imensa maioria fruto das políticas dos governos de esquerda.
No Brasil, 37,5 milhões de pessoas deixaram de ser pobres entre 2003 e 2013, e agora são de classe média, mas esses milhões não foram uma força mobilizada quando um Congresso acusado de corrupção destituiu Dilma Rousseff. Temos pessoas que superaram a pobreza e que agora – pelo que se chama muitas vezes prosperidade objetiva e pobreza subjetiva – apesar de terem melhorado muitíssimo seu nível de renda, pedem muito mais, e se sentem pobres não em referência ao que têm, muito menos ao que tinham, mas sim ao que aspiram.
Essa nova classe média, que emergiu como fruto do êxito das políticas econômicas e sociais da própria esquerda, necessita de um novo discurso e mensagem. Suas demandas não são apenas diferentes, mas inclusive antagônicas às dos pobres, e sucumbem mais facilmente aos cantos da sereia da direita e sua imprensa, que acenam a todos com um estilo de vida à la Nova Iorque.
A esquerda sempre lutou contra a corrente, pelo menos no mundo ocidental. A pergunta é: estará lutando contra a natureza humana?
O problema é muito mais complexo se acrescentamos a isto a cultura hegemônica construída pelos meios de comunicação, no sentido gramsciano, isto é, conseguir que os desejos das grandes maiorias sejam funcionais aos interesses das elites. Um exemplo dramático foi a rejeição da Lei da Herança que se tentou aplicar no Equador, consistente num imposto muito mais progressivo para as heranças de maior valor. Apesar de apenas três equatorianos em mil receberem uma herança, e que o novo imposto só afetava os grandes valores – quer dizer, somente 0,004% das heranças, ou seja, aproximadamente 172 pessoas por ano dentro duma população de 16 milhões -, muitos pobres e classe média saíram a protestar contra um imposto que jamais terão que pagar, manipulados em grande medida pelos meios de comunicação.
Nossas democracias devem se chamar democracias midiatizadas. Os meios de comunicação são um componente mais importante no processo político do que os partidos e sistemas eleitorais; converteram-se nos principais partidos de oposição aos governos progressistas; e são os verdadeiros representantes do poder político empresarial e conservador.
Não importa o que convenha às grandes maiorias, o que se tenha proposto na campanha eleitoral, e o que o povo – o mandante em toda democracia -, tenha ordenado nas urnas. O importante é o que aprovem ou desaprovem em suas manchetes os meios de comunicação. Substituíram o Estado de Direito pelo Estado de opinião.

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