Victoria Basualdo, Rosa Cardoso e Sebastião Neto com o documento apresentado nesta segunda-feira 8 em São Paulo |
Via Carta Capital
Petrobras, Ericson, Ford, Brastemp e Volkswagen, entre outras, podem ser responsabilizadas por crimes de lesa-humanidade, diz a Comissão da Verdade
Por Marsílea Gombata
Empresas brasileiras e estrangeiras colaboraram com os militares durante a ditadura. Elas funcionavam como fonte
de informações sobre sindicalistas e trabalhadores suspeitos de
comandarem greves e fazerem parte de organizações de esquerda, comprovam
documentos obtidos pelo Grupo de Trabalho
“Ditadura e repressão aos trabalhadores e ao movimento sindical” da
Comissão Nacional da Verdade, apresentados nesta segunda-feira 8, em São
Paulo. Além de mostrar nomes e endereços de trabalhadores suspeitos de confabular contra o regime ,
os documentos trazem os nomes do empresariado que monitorava seus
funcionários a fim de colaborar com o sistema de censura e repressão nos
últimos anos da ditadura civil militar no Brasil (1964-1985).
O documento "confidencial" de 18 de julho de 1983 do Ministério da
Aeronáutica mostra a ata de uma reunião do chamado CECOSE (Centro
Comunitário de Segurança) do Vale do Paraíba na qual as empresas Vibasa,
Petrobras, Ericson,
Telesp, Engesa, Confab, Ford, Embrape e Volkswagen traziam informações
sobre demissões, greves e reuniões de sindicalistas no intervalo do
expediente. "ENGESA - existe uma Comissão do Sindicato da Categoria que
funciona no horário do almoço, visando à sindicalização daqueles que
ainda não são sócios do mesmo", diz o documento da Engenheiros
Especializados S/A (Engesa), empresa do ramo bélico fundada na década de
1960.
O mesmo arquivo fala sobre a reunião seguinte a ser realizada em 3 de
agosto de 1983 na Empresa Mecânica Pesada S/A, em Taubaté (SP) e mostra
também "lembretes" que a Volkswagen trazia aos pares sobre vendas de jornais
da imprensa alternativa nas portarias da fábrica e atividades do
Partido dos Trabalhadores (PT): "No dia 17JUN83 foram distribuídos na
sede do Sindicato dos Metalúrgicos de SBCampo/Diadema panfletos
intitulado (sic) 'COMPANHEIROS TRABALHADORES'".
“A Volkswagen, pelo que mostra o documento, funcionava como uma
espécie de órgão de inteligência nesse grupo", disse Sebastião Neto,
secretário executivo do grupo de trabalho, ao lembrar que a empresa
monitorou líderes sindicalistas como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva.
Um outro documento, de 1981, localizado no Arquivo Público do Estado
de São Paulo, revela uma lista de nomes de empregados suspeitos
entregues ao Dops. Ao menos 67 empresas teriam passado, além dos nomes
completos, o endereço de residência de cada um desses trabalhadores.
Dentre as principais empresas que aparecem estão: Brastemp, Chrysler,
Ford do Brasil S/A, Mercedez Benz do Brasil S/A, Termocânica,
Volkswagen do Brasil S/A, Westinghouse LTDA, Rolls-Royce, Scania, Toyota e Toshiba.
Também preocupada com as "greves ilegais no ABCD", a Polícia Civil de
São Paulo emitiu em 27 de junho de 1978 um relatório no qual falava
sobre membros de inteligência em empresas a fim de passar informações
sobre sindicalistas e articuladores da classe trabalhista .
"A direção da indústria introduziu entre seus empregados três elementos
com a finalidade de os informarem e localizarem os possíveis mentores
do movimento grevista naquela indústria", disse sobre a sede da RESIL
S/A, em Diadema.
“Tivemos no Brasil prisões seletivas com base
nas informações que eram apresentadas pelas empresas”, observou a
advogada Rosa Cardoso, integrante da Comissão Nacional da Verdade e
coordenadora do GT que investiga as perseguições aos movimentos
sindicais. “Cerca de 40% dos mortos e desaparecidos naquela época dizem
respeito a trabalhadores”.
Segundo a advogada, apesar de
não estarem envolvidas diretamente em casos de desaparecimento forçado,
essas empresas podem ser responsabilizadas por crimes de
lesa-humanidade. “Prisões arbitrárias, ilegais e em lugares de tortura
também são atos considerados tortura pela legislação internacional", afirma. "E essas práticas foram generalizadas entre os trabalhadores, pois não havia sequer mandado de prisão contra eles”.
Rosa Cardoso disse ainda que o relatório final da Comissão da
Verdade, a ser apresentado até 16 de dezembro, trará dois capítulos
sobre o tema: um sobre perseguição aos trabalhadores e ao movimento
sindical, e outro sobre as relações e formas de financiamento do
empresariado com a ditadura.
Para isso, a comissão pretende realizar uma audiência na qual serão
colhidos depoimentos de representantes das empresas cujos nomes constam
nos documentos da época. A CNV conta ainda com o auxílio da pesquisadora
argentina Victoria Basualdo, professora titular de História Econômica
Argentina da Universidade de Ciências Sociais e Empresariais de Buenos
Aires, que orientará os trabalhos do grupo de trabalho à luz do que
ocorreu na Argentina.
“No caso da Argentina, foram imputadas pessoas e não empresas”, disse
Victoria sobre os diretores das companhias Ledesma (açúcar), Aguilar
Minera, La Veloz Del
Norte (transporte), e a Ford em território argentino. “Muitas vezes,
supõe-se que falar da ditadura é falar do passado. Mas creio que há
momentos chaves do passado que nos permitem entender o presente", diz
Basualdo. "As ditaduras não só deixaram um legado de repressão e terror,
mas também transformaram as relações econômicas e sociais da nossa
sociedade”.
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