segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Stédile: “Não conseguimos construir nossos próprios meios de comunicação de massa”

 
Coluna de Jadson Oliveira:  jornalista baiano. Trabalhou nos jornais Tribuna da Bahia, Jornal da Bahia, Diário de Notícias, O Estado de S.Paulo e Movimento. Depois de aposentado virou blogueiro e tem viajado pela América do Sul e Caribe.


 

As mentes e corações dos brasileiros, há décadas, estão submetidos ao massacre incessante dos noticiários manipulados e visões de mundo vomitados pelas forças de direita, através da Globo e demais monopólios da mídia hegemônica.

stedile mstDe Salvador-Bahia – É importante que um líder popular da envergadura de João Pedro Stédile, o dirigente de maior destaque do MST, reconheça, claramente, essa tremenda falha das esquerdas brasileiras.

(Li no site do jornal Brasil de Fato, sob o título ‘Espero que a classe trabalhadora comece a se mexer’. O entrevistador Paulo Moreira Leite perguntou: “Onde foi que nós erramos”? Stédile menciona erros dos governos Lula e Dilma e do movimento popular e democrático, cita várias falhas e insuficiências, como a falta de democratização da mídia, e no final: “E não conseguimos construir nossos próprios meios de comunicação de massa”).

Só esta frase sobre o assunto no meio da entrevista, que se estende sobre o sufoco atual da luta popular, a reação contra as consequências do golpe midiático/judicial/parlamentar (a serviço do capital financeiro/rentismo) e também sobre o apoio do papa Francisco ao movimento popular.
Nada mais foi comentado ou perguntado sobre o tema específico, no qual venho insistindo há alguns anos, sob a consigna da necessidade da luta pela construção duma mídia contra-hegemônica.

As esquerdas no Brasil são refratárias a este tema e agora, com o golpe e a destruição de pequenas conquistas no âmbito da EBC, tudo fica mais difícil. Daí que vejo esta pequena menção do líder dos Sem-Terra como alvissareira.

Parece uma declaração óbvia e sem grande relevância, mas não é, pelo menos para quem matraca nessa tecla há muito tempo e não vê repercussão, como é o caso deste modesto escrevedor que vos fala.

Digo a vocês: ou estou redondamente enganado ou não há consciência desta falha entre as lideranças políticas do Brasil envolvidas na luta democrática, popular, nacionalista e de esquerda.
E nem entre os chamados blogueiros progressistas, que se esfolam para tentar fazer o contraponto à Globo e demais meios hegemônicos. Tentam heroicamente e – me parece – não demonstram ter consciência de que não têm armas e munições suficientes para fazê-lo.

Faltam armas na batalha da comunicação

As mentes e corações dos brasileiros, há décadas, estão submetidos ao massacre incessante dos noticiários manipulados e visões de mundo (ideologia e cultura do ódio, da violência, do consumismo e da futilidade) vomitados pelas forças de direita, através da Globo e demais monopólios da mídia hegemônica.

Enquanto isso, os meios de comunicação de massa com algum compromisso democrático e nacionalista – honestos do ponto de vista jornalístico -, são raros e fracos, levando em conta os meios tradicionais (TV, rádio, jornal e revista).

O que alivia o nosso sufoco são os meios digitais, hoje uma força crescente: blogs/sites, jornais online, portais e redes sociais. Para se ter uma ideia é bastante anotar o poder de reação da rede de blogs chamados progressistas.

Mas, mesmo aí, creio que muita gente se ilude, inclusive companheiros de esquerda. Temos um bom poder de fogo em se tratando da web, mas é preciso compreender que aí também a direita tem mais força, tem mais dinheiro, tem mais influência, mesmo estando longe da hegemonia avassaladora exercida nos meios tradicionais.

Diante desse quadro, volto a constatar: lideranças das esquerdas não têm consciência desta nossa fraqueza. Quantas vezes você já viu Stédile dizendo algo semelhante?

Lula, perseguido pelo poderoso condomínio formado pelas forças golpistas, aponta o dedo acusador, a todo momento e com toda razão, contra a Globo e cúmplices da imprensa. Antes do golpe estar configurado e, em seguida, consumado, quantas vezes você viu Lula acusar, explicitamente, a Globo?

A ex-presidenta Dilma nem se fala: quem não se lembra daquela besteirada que ela dizia referindo-se ao controle remoto como o meio mais eficaz de fazer a regulamentação da mídia?

E o nosso José Dirceu, talvez a vítima mais escancarada do ódio da plutocracia brasileira, proclamando em carta ao amigo e escritor Fernando Morais “delenda Rede Globo”? Quem não se lembra que ele chegou a pensar que a Globo era “nossa”, isto é, do governo “petista”?

Consciência da fraqueza das esquerdas

O artigo já vai se alongando e andam me avisando que escrevo textos longos demais. Mas não tem jeito. Tenho que registrar que pelo menos dois líderes políticos brasileiros mostram-se sensíveis à necessidade duma imprensa alternativa forte: o senador Roberto Requião (PMDB-Paraná) e o cientista político Roberto Amaral, ex-presidente do PSB (já falei deles em outro artigo).

Registro também um companheiro que sempre defende como fundamental a existência de veículos da mídia contra-hegemônica: o jornalista Beto Almeida, dirigente da TV Comunitária de Brasília e conselheiro da TV Telesur. Ele lembra sempre o protagonismo relevante do jornal Última Hora, de Samuel Wainer.

Temos que discutir vários aspectos, mobilização, organização, táticas, estratégias, etc, mas carentes de meios que possam dialogar com as massas – a fim de expressar com amplitude nossa versão dos fatos, nossa interpretação e nossas opiniões – temos diminutas chances de construir algum avanço na luta pelos interesses populares e nacionais.

Fecho com uma declaração, de 2014, de Carlos Araújo, ex-marido e ex-companheiro de militância política da então presidenta Dilma (lembrada em matéria do jornal argentino Página/12, assinada por Gustavo Veiga, edição de 13/05/2016, intitulada ‘Un actor clave en el show opositor’, sobre o escandaloso poder das Organizações Globo):

Traduzo: “É incompreensível que o governo não tenha o respaldo de nenhum jornal do Brasil, um jornal que consiga que nossas ideias sejam publicadas. Para discordar ou debater é necessário um jornal. Só há uma pequena revista nacional e alguns meios de comunicação digitais que apoiam o governo. Nós temos que trabalhar para isso”.

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