Coluna de Jadson Oliveira: jornalista baiano. Trabalhou nos jornais
Tribuna da Bahia, Jornal da Bahia, Diário de Notícias, O Estado de S.Paulo e
Movimento. Depois de aposentado virou blogueiro e tem viajado pela América do Sul e Caribe.
Antonio Olavo |
Uma valorosa narração da fascinante história dos
guerrilheiros do Santo Conselheiro, contendo variadas versões, está no documentário
Paixão e Guerra no Sertão de Canudos, escrito, produzido e dirigido pelo baiano
Antonio Olavo.
De Salvador-Bahia - Chega a ser quase inacreditável a capacidade de luta dos
conselheiristas na Guerra de Canudos, no sertão da Bahia, Nordeste brasileiro,
ao apagar do século 19 (1896-1897).
Uma assombrosa
resistência que é preciso ser estudada e discutida mais ainda para ser bem compreendida
nas suas variadas dimensões. Motivações, protagonistas, ambiente, interesses
econômicos e políticos. Rebeldia popular. Religião. A falácia Monarquia X
República.
Segundo os dados
correntes mais citados, o arraial de Canudos (batizado por Antônio Conselheiro
como Belo Monte) chegou a ter mais de 20 mil pessoas (dados do Exército
apontaram a existência de 5.200 casas). Uma povoação gigantesca, levando em
conta que a capital Salvador tinha na época em torno de 200 mil habitantes.
Os conselheiristas
rechaçaram três campanhas militares, um escândalo nacional! A quarta, festejada
como invencível, precisou de muitos reforços e sofreu o diabo para esmagar os
“fanáticos”. Estimativas indicam a morte de 20 mil sertanejos e cinco mil
militares. Com a degola de prisioneiros, incluindo mulheres, crianças e velhos,
e o incêndio de todas as casas.
Creio que uma valorosa narração
dessa tenebrosa história, contendo variadas versões, está no documentário Paixão
e Guerra no Sertão de Canudos, escrito, produzido e dirigido pelo baiano
Antonio Olavo. Vi no último sábado, dia 28, apesar de lançado desde 1993 (antes
tarde do que nunca).
Tatiana Dias Gomes |
Vi em companhia de 30
estudantes de Direito Agrário, matéria a cargo da professora Tatiana Dias
Gomes, do curso de Direito da UFBa. Um dos aspectos ventilados é a propriedade
coletiva/comunitária da terra durante o “regime” implantado pelo líder
religioso e seus lugares-tenente.
Sérgio Guerra |
No debate que se seguiu à
mostra do filme contamos com a sabedoria do professor (de História) Sérgio
Guerra. Foi líder da APLB, combativo sindicato
de professores baianos no tempo da ditadura militar. E é especialista em
Canudos: estudou o assunto e escreveu trabalhos acadêmicos num enfoque marxista (Universos em
confronto: Canudos versus Bello Monte e Canudos/Belo Monte: imagens contando
história).
É um dos poucos ainda
vivos dentre os entrevistados no filme. Há avaliações também de estudiosos
conservadores, como o professor José
Calazans, da UFBa, e de gente do Exército. E duas dezenas de depoimentos de parentes
de participantes, inclusive do Conselheiro, e de pessoas da região que, de uma
forma ou de outra, estiveram próximas dos acontecimentos.
Para que a negrada ignóbil jamais olvide
Mas não só a incrível
resistência da revolta popular. Também o assombroso genocídio levado a cabo
pelas forças do Exército brasileiro, cujo ápice foi a degola de mulheres,
crianças e velhos. A sanha exterminadora como a atestar o tamanho da
resistência.
Os eternos donos do poder
– no geral: latifundiários, grande empresariado, colonizadores, imperialistas;
no particular: grandes fazendeiros, a Igreja Católica e o governo – escrevem
com a tinta do impiedoso massacre o receituário dos eternos vencedores:
aprendam negrada ignorante, mal-nascidos, esfomeados, tabaréus/caipiras
idiotizados, fanáticos.
Como ousam nos desafiar?
Os da elite, brancos, bonitos, doutores, ricos, depositários da aura divina,
fazedores da história e da verdade. Daí o castigo exemplar e merecido.
Canudos não é um, são vários,
embora talvez seja o maior clamor, pois foi certamente um grandioso projeto
popular que deu certo. São vários: Pau de Colher, Caldeirão, Revolta dos Malês,
Revolta dos Búzios (ou Conjuração Baiana), Quilombos e Guerra dos Palmares,
Sabinada, Guerra do Contestado, etc, etc.
É assim: a marca
principal da história brasileira é a conciliação entre as elites. Na hora em
que os conflitos se agudizam, os de cima se acertam e o lema “ordem e
progresso” vai em frente, sempre descendo o pau no lombo dos de baixo. Seria uma
lei natural?
Toda vez, porém, que tal
roteiro não se cumpriu, como em Canudos, veio o desfecho exemplar. Para que a
negrada ignóbil jamais olvide. Melhor: para que não reste ninguém nem nada para
relatar tamanho despropósito.
Tenho o projeto de
escrever um ensaio sobre esta “tese”: conciliação e massacre. Imitando Sérgio
Guerra – disse durante o debate que tinha vários projetos na cabeça e, como não
tinha mais tempo disponível, teria prazer em doá-los -, passarei “minha ideia”
com muito gosto a algum companheiro com melhores atributos técnicos e teóricos.
PS: Além de
Paixão e Guerra no Sertão de Canudos (1993), seu primeiro longa, Antonio Olavo realizou
os filmes Quilombos da Bahia (2004), Abdias Nascimento: Memória Negra (2008) e
A Cor do Trabalho (2014). Deve lançar este ano Revolta dos Búzios (conhecida
também como Conjuração Baiana). E vai voltar ao seu tema inicial com um novo
projeto: Ave Canudos – os que sobreviveram te saúdam.
Deixo aqui o link/endereço para quem quiser conhecer
mais sobre o filme e o cineasta. É uma entrevista de 2013 feita por Jorge Nóvoa
e Sérgio Guerra: http://cadernodecinema.com.br/ blog/antonio-olavo/
Fotos: Jadson Oliveira
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