Coluna de Jadson Oliveira: jornalista baiano. Trabalhou nos jornais
Tribuna da Bahia, Jornal da Bahia, Diário de Notícias, O Estado de S.Paulo e
Movimento. Depois de aposentado virou blogueiro e tem viajado pela América do Sul e Caribe.
De
Salvador-Bahia - Há um
aspecto do sucesso da chamada Revolução Cidadã equatoriana, liderada pelo
presidente Rafael Correa, que creio esquecido nas variadas análises que tenho
lido no Brasil. Aproveito para abordá-lo agora que o Equador está na berlinda
com a campanha do segundo turno da eleição presidencial, a realizar-se em 2 de
abril.
Tal aspecto é nada mais nada menos do que a
centralidade da batalha midiática, numa época dominada pela chamada guerra de
quarta geração, elevada aos píncaros pela eficiência e sofisticação das
tecnologias da informação.
As forças políticas no campo das esquerdas (e/ou
centro-esquerda) no Brasil, inclusive nossos combativos blogueiros
progressistas, parecem ter uma visão manca sobre este aspecto:
Durante o golpe que derrubou Dilma Rousseff – e
também depois, com a tenaz perseguição ao ex-presidente Lula -, tais forças e
suas lideranças, incluindo o próprio Lula, avançaram bastante em apontar um dos
inimigos mais visíveis do povo brasileiro, os monopólios da mídia hegemônica,
tendo à frente a Rede Globo.
Antes, a maioria, incluindo o próprio Lula, morria
de medo de citar explicitamente a Globo, abrir a boca e dizer “a TV Globo”. A
então presidenta Dilma nem pensar. Não porque sejam medrosos. É porque sabem
que a Globo, com seu entrelaçamento de interesses com o grande empresariado e o
mundo das finanças e do rentismo, representa – desde que foi criada e engordada
durante a ditadura militar - a concentração de poder mais forte do país.
Só para facilitar a compreensão: seria possível
existir um juiz Sérgio Moro e um STF deste que temos sem o respaldo da Globo. Daí
que usamos o carimbo: golpe midiático/parlamentar/ judicial.
Visão manca porque falta um outro ponto
fundamental, do qual as esquerdas brasileiras (e/ou centro-esquerda) parecem
não ter consciência: a extrema fragilidade diante da falta de armas e munição
para travar a batalha midiática.
Não temos jornais diários, não temos TV de alcance
nacional, não temos rádios. Não temos uma rede nacional de emissoras de rádio e
TV comunitárias. Temos apenas uma revista semanal jornalisticamente confiável
(contra três escancaradamente de direita) e, minoritariamente,
blogs/sites/plataformas digitais.
Conclusão: nesta área, sofremos um massacre. E se
não conseguimos construir uma rede de mídia contra-hegemônica, com veículos de
comunicação de massa, durante os governos Lula e Dilma, quando aparentemente
teríamos mais condições, avaliem agora depois do golpe. (Pensem na contribuição
duma tal mídia para a mobilização popular).
Há de se discutir a prioridade a ser dada ao
incremento dos meios digitais, hoje em franca ascensão, sobretudo entre a
juventude, com o consequente fortalecimento dos nossos combativos
“guerrilheiros” da blogosfera progressista e das redes sociais.
A respeito, lembro que Lula fez recentemente uma
proposta interessante (pelo que sei, até agora sem qualquer repercussão
prática): criação pela Internet duma rede nacional de comunicação popular,
através da ação conjunta de partidos e movimentos como PT, PCdoB, MST, MTST e
CUT.
Me alonguei em demasia nesta digressão sobre o
Brasil. Mas é preciso marcar o contraste. Voltemos, portanto, ao Equador:
Correa
estudou Comunicação depois de eleito presidente
É justamente neste aspecto que difere completamente
do Brasil a experiência da Revolução Cidadã. É o seu protagonismo na batalha
midiática. Não apenas por ter aprovado a Ley de Medios há mais de três anos –
está sendo implementada -, democratizando as concessões de rádio e TV.
Mas, sobretudo, por ter criado armas e munição para
travar, com poder de fogo, a batalha midiática: criou a mídia
contra-hegemônica.
Quando estive por lá, em 2015, o governo de Correa
tinha dois jornais diários, emissoras de rádio e TV (um canal de TV de forte
presença nacional, o Equador TV – canal 7), agência de notícias, além de
plataformas na web.
O presidente trata os meios privados de
comunicação, declaradamente, como inimigos. Era inclusive (creio que ainda é)
âncora dum programa semanal na Equador TV, chamado Enlace Ciudadano – de quatro
horas (das 10 às 14 horas), aos sábados. (Como âncora, não chega a ter o
desempenho espetacular dum Hugo Chávez, com seu Alô Presidente, mas dá para
bater forte nos inimigos do povo, inclusive, claro, na imprensa venal).
Aliás, conta o jornalista e professor Ignacio
Ramonet (diretor da Le Monde Diplomatique em espanhol) que Rafael Correa –
economista, com cursos nos Estados Unidos e na Bélgica – estudou Comunicação
depois que foi eleito presidente.
Não é por acaso que um dos pontos do programa de
governo de Lenín Moreno, candidato da Aliança País (partido de Correa), é
trabalhar pela “criação de um portal de
notícias latino-americano, para servir de alternativa ao cerco informativo dos
grandes monopólios midiáticos nacionais e internacionais”.
Aí está o grande diferencial que não é visto nem
comentado nas análises que leio por aqui, inclusive de companheiros da
blogosfera progressista, hoje a vanguarda da resistência nos meios de
comunicação.
Este diferencial – protagonismo na batalha
midiática – é, sem dúvida, um fator de peso - dentre outros, evidentemente -,
nos êxitos indiscutíveis obtidos nesses 10 anos de Revolução Cidadã nas áreas
econômica, política e cultural.
E, por certo, ajuda a entender as vitórias nas
eleições gerais do último dia 19 e a possibilidade de triunfo no segundo turno
presidencial em 2 de abril. O que não é pouco numa conjuntura marcada na
América Latina pela “restauração conservadora”, expressão cunhada pelo próprio
presidente equatoriano.
PS 1: Falarei num próximo artigo da
coragem/temeridade de Rafael Correa ao abrir mão de disputar sua terceira
reeleição.
PS 2: Deixo aqui link (ou endereço) de duas
matérias que escrevi quando estava no Equador, em 2015:
Companheiros blogueiros progressistas: seria o
governo brasileiro um caso perdido?
No Equador, há um presidente que é protagonista na
batalha da comunicação
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