GGN O Jornal de todos Brasis
por Marcus Ianoni e
Felipe Quintas
A condenação de Lula será confirmada e impedirá a sua
candidatura? Quem serão os candidatos a presidente? Haverá eleições? Várias
questões estão sem resposta. As decisões e desenlaces de 2018 serão cruciais
para o destino do Brasil e dos brasileiros
2017 caracterizou-se pela forte ofensiva neoliberal, que
aprofundou a construção da ponte para o Estado mínimo, obra regressiva iniciada
com o golpe contra a presidenta eleita, Dilma Rousseff. Mesmo pressionado pela
crescente e enorme rejeição, o governo Temer, o mais reprovado desde a
redemocratização, reuniu ampla maioria no Congresso em diversas ocasiões, seja
para aprovar seu programa impopular ou para o chefe do Executivo livrar-se de
processo pelo STF, nas duas rodadas de denúncias da Procuradoria Geral da
República.
A reforma trabalhista alterou 100 itens da CLT, esvaziando-a
substantivamente, e fortaleceu o poder dos empregadores nas relações
contratuais trabalhistas, além de ter enfraquecido tanto a Justiça do Trabalho
(a começar pela prevalência do negociado sobre o legislado), como os
sindicatos, com o fim do imposto sindical. O governo pós-golpe contra a
presidenta eleita logrou êxito em aprovar a Lei nº 13.483/2017, que aproximou
as taxas de juros pagas pelo setor privado aos financiamentos do BNDES às
oferecidas pelo mercado financeiro, diminuindo o papel desenvolvimentista desse
histórico banco de fomento aos investimentos de longo prazo.
Realizaram-se os dois primeiros leilões de campos de
exploração da mega reserva de pré-sal sob as regras de exploração aprovadas em
2016, pelas quais a Petrobras não mais precisa ter participação obrigatória nos
novos blocos exploratórios vendidos. Conforme visava o governo, a novidade desses
leilões foi a presença das multinacionais, como a Shell, ainda que o
investimento estrangeiro não tenha vindo na dimensão esperada pelos
estrategistas do Brasil dependente.
Temer também anunciou o processo de privatização de 57
empresas, entre elas a Eletrobras e a Casa da Moeda. Pesquisa recente do
Datafolha mensurou que 70% dos brasileiros desaprovam as privatizações. Só
entre os mais ricos, com vencimentos acima de dez salários mínimos, a maioria
(55%) defende a venda das empresas estatais. Por outro lado, o adiamento para
este ano da votação da reforma da previdência foi a principal, senão a única,
derrota política do governo em 2017, mas passível de ser revertida em
fevereiro, quando a polêmica matéria deverá ir a voto no plenário da Câmara dos
Deputados. Essa derrota provisória também prejudica os interesses materiais e
ideológicos dos grupos sociopolíticos coalizados nessa ofensiva
liberal-conservadora, sobretudo os rentistas, financistas e a grande mídia.
Em 2017 também passou a vigorar a Emenda Constitucional 95,
que estabeleceu, por um período de duas décadas, o teto de gastos públicos
conforme a variação da inflação. Tal política contém as despesas primárias, mas
não as financeiras, que favorecem os credores da dívida pública. Seus efeitos
já se fizeram presente em 2017 em várias áreas, a começar pelas duas políticas
sociais fundamentais estabelecidas no pacto social de 1988, desestruturado com
a emenda do teto: a saúde e a educação.
Na saúde, por exemplo, os 13 milhões de desempregados
pressionam por mais serviços e recursos do SUS, uma vez que os demitidos perdem
o acesso aos planos privados patrocinados pelas empresas onde trabalham. Na
educação, pode-se citar, por exemplo, o caso das universidades federais,
sufocadas duplamente, pela redução dos recursos e pelo contingenciamento dos
repasses. Assim se pronunciou o presidente da Andifes, Emmanuel Tourinho: “O
orçamento de 2017 é aproximadamente 15% menor nos recursos de manutenção e de
50% na verba de investimentos das universidades em relação a 2014”. A recessão,
seguida pelo atual crescimento em nível muito baixo, além da redução da
presença social do Estado, enfim, todos esses fatores juntos têm impactado na
regressão dos indicadores da desigualdade de renda, que estão piorando.
Em síntese, 2017 foi marcado, entre outros, pelo desemprego,
pela retomada tímida do crescimento (Boletim Focus prevê 0,89% de variação do
PIB), pelo aumento da desigualdade de renda e pelo esforço político visando a
uma ampla reestruturação produtiva, trabalhista e previdenciária, para
redesenhar o padrão de acumulação e de relações entre Estado, economia e
sociedade. Ocorre uma ampla e profunda ruptura com os treze anos de governos
petistas, que se esforçaram, ainda que com limites e erros, mas também com
certos êxitos, para juntar, por um lado, o desenvolvimentismo do século 20, que
erigiu o Estado como principal indutor e coordenador do desenvolvimento
capitalista nacional, e, por outro lado, a perspectiva político-social de
incluir, na repartição das riquezas geradas pelo sistema econômico, o grande
contingente de brasileiros historicamente jogado na informalidade, na pobreza e
na miséria.
A internalização extremada do padrão financeiro de
acumulação, produzido nos países centrais e alastrado nas relações econômicas e
políticas da globalização e do sistema internacional, radicaliza no Brasil a
tendência verificada lá fora de desacoplamento entre capitalismo e democracia,
deslocando o centro decisório do conjunto da população nacional para os grandes
investidores globais, que submetem os governos e as sociedades aos ditames do
capital financeiro.
A crise de representatividade e legitimidade do sistema
político brasileiro, exponenciada em 2017, se expressa não apenas na
continuidade de um governo ilegítimo do ponto de vista procedimental, por ter
se originado em um golpe apenas aparentemente constitucional, mas também na
facilidade com que os novos donos do poder aprovam no Congresso Nacional
medidas fortemente impopulares, sem qualquer debate público consistente e muito
menos por consulta direta ao povo. O Executivo e o Legislativo tornam-se,
assim, espelhos políticos do grande capital, e não do conjunto dos cidadãos
que, em tese, representam.
Paralelamente a isso, e em consonância com o que ocorre em
outros países da América Latina, como a Argentina, há o lawfare do Judiciário,
apoiado abertamente pela grande mídia oligopolizada, contra lideranças
populares de esquerda, individuais e coletivas, sobretudo Lula e o PT. Em
julho, o ex-presidente foi condenado pelo juiz Sergio Moro, sem provas claras.
O objetivo é retirar da disputa política lideranças e partidos não só
comprometidos com um projeto nacional de desenvolvimento e inclusão social, mas
também com capacidade organizacional e relacional de colocá-lo em prática.
Almeja-se reduzir a competição eleitoral em favor do centro
direita e da direita, que esposam o liberalismo conservador emerso no processo
político da crise brasileira. A principal consequência dessa empreitada
político-jurídica, que desrespeita o devido processo legal, é o enfraquecimento
do caráter democrático das instituições políticas, tornando-as menos
pluralistas e representativas e mais oligárquicas e excludentes. O regime passa
por um processo de desdemocratização, embora haja oposição a ele.
Paradoxalmente, com as inúmeras denúncias de corrupção
envolvendo diretamente o governo Temer e com o aprofundamento do neoliberalismo
e do lawfare, os grupos e partidos que os apoiam se veem às voltas com a perda
de popularidade e o risco de perder as eleições de 2018 para uma candidatura de
esquerda, principalmente Lula, que assume a liderança absoluta em todas as
pesquisas de intenção de voto. Nesse cenário, as forças de direita competem
pela liderança da manutenção do projeto golpista no quadriênio a se abrir em
2019.
Por um lado, a candidatura de Bolsonaro, alinhando-se
completamente ao neoliberalismo, procura oferecer aos rentistas e financistas a
segurança de que seus interesses materiais estarão garantidos em um contexto de
crescente autoritarismo e conservadorismo. Por outro, o golpismo aberto do
general Mourão, ainda que sem tanto apoio visível, aponta no sentido de
posicionar o Exército como ator autônomo na crise, não mais contido na
retaguarda do golpe. Falta, entretanto, coesão interna na corporação para
avançar nesse sentido e seu papel constitucional de defensor armado da
soberania nacional é posto em xeque pela tolerância às privatizações e pela
abertura da Amazônia a operações militares estadunidenses.
O balão de ensaio da candidatura de Luciano Huck, apoiada
por forças neoliberais não vinculadas ao conservadorismo comportamental e
saudada como de “centro”, em contraposição aos “extremismos” de Lula e
Bolsonaro, foi abortado em menos tempo que o do seu antecessor, o prefeito de
São Paulo João Doria Jr., devorado pela sua própria ambição. O pré-candidato do
Podemos, Álvaro Dias, mantém-se discreto. O tucano Geraldo Alckmin conseguirá
se manter distante dos escândalos de corrupção e entusiasmará o eleitorado? E o
que será da opção Meirelles, que se apresentou com cara de presidenciável no
programa de TV do PSD? Ademais, parece não estar descartada a possibilidade de
implementação do semipresidencialismo já neste ano.
2017 terminou sem resolver a crise. Diversas questões
continuam em aberto: o governo Temer é viável até o fim? As medidas
impopulares, aprovadas sem terem sido submetidas ao crivo eleitoral de 2014,
resistirão ao governo seguinte? Qual será o impacto da crise de legitimidade do
governo Temer nas eleições de 2018? A condenação de Lula será confirmada e
impedirá a sua candidatura? Quem serão os candidatos a presidente? Haverá
eleições? Por ora, qualquer previsão pode ser um exercício pouco útil, devido à
multiplicidade e à complexidade dos fatores envolvidos na disputa política e na
economia. O país passa por uma encruzilhada histórica. As decisões e desenlaces
de 2018 serão cruciais para o destino do Brasil e dos brasileiros.
Marcus Ianoni - É cientista político, professor do
Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF),
realizou estágio de pós-doutorado na Universidade de Oxford e estuda as
relações entre Política e Economia
Felipe Quintas - É mestrando do Departamento de Ciência
Política da Universidade Federal Fluminense (UFF)
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