quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Pandemia acelera o fim da imprensa escrita no mundo, em decadência há anos


Via site Dom Total -   No Brasil e México alguns jornais abandonaram provisoriamente o papel e se concentraram no suporte digital ou pularam algumas edições

O fim progressivo das edições impressas afeta toda a cadeia de produção

O fim progressivo das edições impressas afeta toda a cadeia de produção (Martin Bureau/AFP)

O declínio da imprensa escrita acelerou no mundo desde o início da crise do novo coronavírus: a audiência digital dos jornais disparou, mas as vendas de exemplares em papel registraram queda expressiva ou foram suspensas em alguns casos.

A crise de saúde dificulta o transporte dos jornais aos pontos de venda e a possibilidade dos clientes de obter os exemplares.

"A crise acelerou, praticamente sem margem para dúvidas, a transição para um futuro 100% digital", afirma o relatório de 2020 do instituto Reuters. Afeta uma indústria já enfraquecida pela queda das vendas e da publicidade, suas dias principais fontes de faturamento.

No Brasil e México alguns jornais abandonaram provisoriamente o papel e se concentraram no suporte digital, ou pularam algumas edições.

Nas Filipinas, 10 dos 70 jornais que integram o Instituto da Imprensa (PPI) encerraram as atividades devido à pandemia.

"São tempos difíceis: não há anunciantes e ninguém lê os jornais", declarou à reportagem o diretor executivo da PPI, Ariel Sebellino. Os pequenos jornais locais, que registraram quedas expressivas nas vedas após as medidas de confinamento, são os mais afetados. "A indústria está cercada", lamentou.

Em todos os continentes, o desaparecimento progressivo das edições impressas afeta toda a cadeia de produção: dos jornalistas até os pontos de venda das publicações, passando pelos produtores de papel, gráficas e distribuidores.

No Reino Unido, as principais publicações ganharam 6,6 milhões de leitores on-line no primeiro trimestre, um recorde.

Mas a maioria dos jornais não recuperou o número de vendas em papel. "Esta é a maior ameaça para a indústria mundial da informação desde a crise econômica de 2008", advertiu a revista especializada Press Gazette (que abandonou o papel em 2013). Um total de 250 jornais locais fecharam as portas no país entre 2005ey 2018: um em cada três jornalistas pode perder o emprego.

Audiência de nicho?

Nos Estados Unidos, dezenas de jornais fecharam ou anunciaram fusões com os concorrentes locais desde o início da crise, segundo o instituto Poynter. Os jornais americanos demitiram metade de seus funcionários entre 2008 e 2019, de acordo com o instituto Pew.


Os jornais gratuitos, como Metro e Destak no Brasil ou o 20 Minutes na França, também suspenderam temporariamente sua publicação. Eram financiados com publicidade e distribuídos em zonas de grande densidade.


Na Alemanha, "antes da crise do coronavírus, todas as editoras ganhavam dinheiro, apesar do número de exemplares vendidos em queda constante", afirmou à reportagem o presidente da Federação de Jornalistas, Frank Überall.


"Hoje é muito diferente, mas a imprensa escrita tem um futuro brilhante pela frente. Muitos leitores ainda querem o jornal na mão. E as pessoas mais velhas, em particular, ainda não usam o digital em larga escala", completou.


"Apesar da impressão cara", argumenta Gilles Dechamps, diretor de uma gráfica ao norte de Paris, "é importante para os leitores e anunciantes" ter exemplares no ponto de venda. Ele cita o caso do France-Soir e do Métro, que abandonaram o papel na França e dos quais "ninguém se lembra".

Durante os últimos 30 anos, os jornais já tentaram diminuir a dependência do papel com a redução de formatos, diversificando e investindo na internet. Mas a maioria não encontrou uma solução.

"Inclusive em mercados muito pequenos, Facebook e Google ficam com 75% da receita digital", destaca Penelope Abernathy, ex-vice-presidente do Wall Street Journal e do New York Times, professora de Economia dos Meios de Comunicação na Universidade da Carolina do Norte. "A mídia divide as migalhas".

As maiores publicações conseguem seguir adiante: o New York Times viu seu faturamento on-line superar pela primeira vez a receita em papel no segundo trimestre.

Para sobreviver, os menores poderiam ter que ser mais curtos e mais caros. As revistas que foram lançadas com sucesso em papel nos últimos anos apontam uma audiência de nicho.

"O impresso sobreviverá de alguma forma", diz Penelope Abernathy, que compara os jornais com os livros, que sobrevivem ao suporte digital. Há um futuro na assinatura, para as revistas, para os grandes jornais alguns dias por semana, "e recordaremos com nostalgia da era dos jornais", conclui Abernathy. 

Confira a entrevista com a professora de economia dos meios de comunicação:

Por que a imprensa entrou em colapso com a Covid-19?

Em muitos países, os jornais se construíram, historicamente, sobre um modelo lucrativo. Nos Estados Unidos, não se apoia no fato de que os leitores paguem pelas informações, mas em anunciantes.

Agora, esse modelo desabou, e os jornais não conseguiram construir uma resposta digital. Mesmo em mercados muito pequenos, Facebook e Google engolem três quartos da receita digital. A mídia compartilha as sobras. Não é suficiente construir um jornalismo sólido.

A Covid-19 dizimou ainda mais esse modelo em publicidade. Vivemos uma crise econômica prolongada. A mídia sobreviveu com pouca margem. A Covid-19 acelerou sua queda.

Quais jornais perdemos?

Nos Estados Unidos, perdemos um quarto (25%) dos jornais que existiam em 2004. A maioria dos que desapareceram eram jornais pequenos, ou semanais. Fecharam da noite para o dia. Tornaram-se semanais, e isso não funcionou. Passaram para versão digital apenas e depois desapareceram. Como consequência disso, desde 2008, metade dos jornalistas da imprensa escrita foi demitida.

Ainda temos 150 grandes jornais regionais. Embora tivessem esperança, no início de sua transformação digital, não foram capazes de gerar receita por meio de publicidade, ou assinaturas.

E os donos mudaram de maneira radical. A maior parte dos grandes grupos de jornais era negociada na Bolsa, sabíamos o que faziam. Seus novos donos são empresas privadas, ou fundos especulativos. Sua prioridade é pagar dividendos. Podem chegar e cortar orçamentos de forma muito mais agressiva.


O que me preocupa nos Estados Unidos é que temos uma tendência de perder jornais em comunidades com grandes dificuldades, com fortes índices de pobreza. E, no entanto, são elas que mais precisam de informação para se preparar para um futuro melhor.

Quais modelos econômicos podem subsistir?

Um jornal nacional como o New York Times, ou o Wall Street Journal, pode aplicar uma estratégia para alcançar um número suficiente de leitores e convencê-los a pagar. Mas um jornal regional nunca alcançará 5,5 milhões de assinantes!

Fórmulas com fins lucrativos, sem fins lucrativos, ou híbridas, funcionarão dependendo do local. Um dono de jornal criativo e rigoroso que deseja investir em longo prazo em um mercado com potencial de crescimento tem chances de sucesso.

O papel impresso sobreviverá de alguma forma. Há dez anos, previa-se que, hoje em dia, todo mundo leria livros digitais. Mas eles atingiram seu teto há cinco anos! Há um futuro para as revistas semanais e mensais, mas, salvo raras exceções, lembraremos com nostalgia a era dos jornais.

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