Via Folha de São Paulo por ALBERTO PEREIRA JR.
José de Abreu, 66, acompanha com a mesma intensidade o desfecho de
"Avenida Brasil" e a conclusão do julgamento do mensalão no STF (Supremo
Tribunal Federal).
No caso do folhetim da Globo, que termina na sexta-feira, a morte de seu
personagem, Nilo, que começaria a ser exibida no capítulo de terça
(16), não o elimina da lista de suspeitos do assassinato de Max
(Marcello Novaes), seu próprio filho.
Em conversa com a Folha, o ator fala da novela e de política. Confira a íntegra da entrevista abaixo:
"AVENIDA BRASIL"
"O fim de de um trabalho dá uma certa dor, porque você sabe que não
consegue manter a amizade e o contato com essa família que se forma. Foi
um privilégio trabalhar com a Vera Holtz. Que mulher! Que atriz!. A
Adriana Esteves também, o Juca de Oliveira, a Débora Falabella, que está
indo gravar doentinha, que vontade de pegar no colo."
"Ator é um ser privilegiado. Em cada personagem, a gente encarna de
novo. Como se fosse uma nova vida. E a impressão que a gente tem é que
isso nos faz ficar melhor, entender o outro melhor. O Nilo, por exemplo,
me faz entender um mundo que eu nunca vivi, que eu nunca tive. Costumo
brincar que o bom de fazer vilão é que não precisarei fazer maldade na
vida real [risos]."
"Costumo brincar que estou na Globo há 32 anos e os diretores sempre
pediam menos, Zé, menos. Nesse personagem eles disseram para eu fazer
mais, que eles iam atrás. Fizemos algo incrível nessa novela, um lixão
bonito e lúdico. A casa do Tufão [Murilo Benício] como uma Torre de
Babel, onde todos falavam ao mesmo tempo. O João Emanuel Carneiro foi
buscar inspiração em Charles Dickens [1812-1870]. Viajei a Londres,
durante um intervalo na novela, com minha mulher e meu filho, para pedir
a bênção ao escritor na casa que foi dele. Fiz um um Nilo meio
inspirado naquele judeu Fagin, do livro 'Oliver Twist'. Uma obra de arte
quando dá certo, o Boni[ex-diretor da Globo] falava de química, quando a
soma dos componentes funciona e dá a química é impressionante. Acho que
deu certo."
"A risada. O hihihi do Nilo fui eu quem trouxe. Tinha a necessidade de
mostrar o trabalho das maquiadores da Globo, que conseguiram deixar meu
dente apodrecido para o personagem. Depois, o autor começou a colocar a
risada no texto."
"Estou bastante feliz com o Nilo, é sem dúvida um dos meus melhores
personagens e sabia que iria ouvir as piadinhas da direita. Até coloquei
no meu perfil do Twitter 'piadinhas sobre o Nilo e o Zé de Abreu é
muito fácil de fazer". Recentemente, um cara escreveu: 'revelada a
verdadeira personalidade de Zé de Abreu: um lixão'". Eles me atacam
demais. Eu me envolvo. Não é sempre que você está a fim de ser xingado."
*
"SALVE JORGE" (nova novela das nove da Globo)
"Certamente, se não estivesse em 'Avenida Brasil', eu participaria de
'Salve Jorge', da Gloria Perez, com quem trabalhei em 'Amazônia, de
Galvez a Chico Mendes' [2007] e 'Caminho das Índias' [2009]. Essa novela
será o contrário da atual. Deve vir muita dança, cor e alegria. Mas
também o lado negro do tráfico de mulheres. Acho que tem que ser isso
mesmo. A Globo investe nessas mudanças. Você vê a diferença de na novela
das sete atual ['Guerra dos Sexos'], com a anterior. Não sou muito
consumidor de novela, mas por acaso eu assisti 'Cheias de Charme'
bastante, porque gostei muito."
*
O MENSALÃO E O PT
"Eu nunca conversei com o Zé [José Dirceu] a respeito das denúncias.
Acho que o PT fez o que sempre se fez. É errado? Sim! Mas fez o que
sempre se fez".
"Por que o PPS apoia o Serra em São Paulo e o Paes/Lula/Dilma no Rio?
Qual o sentido disso? Roberto Freire [presidente do PPS] passa 24 horas
por dia no Twitter metendo o pau no Lula, chamando de ladrão e de
corrupto, e fecha com o Paes aqui, com um vice-candidato a prefeito do
PT? É venda de espaço, venda de horário, venda da sigla. Vou ser
processado. Já estou sendo processado pelo Gilmar Mendes [ministro do
STF, por chamá-lo de corrupto no Twitter]]. Agora, talvez seja
processado pelo Freire." --procurado pela reportagem, Roberto Freire
declarou: "Esse ator tem uma ética política que orbitava ao redor do PCB
[Partido Comunista Brasileiro]. Agora, ele não tem mais nada disso. Não
merece meu respeito nem a minha resposta."
"O Supremo quer mudar a maneira de fazer política no Brasil. Ótimo,
maravilha! Óbvio que tinha que começar com o PT. Então, agora para ser
condenado no Brasil basta ser preto, puta, pobre e petista."
"O grande organizador da base foi o Zé Dirceu. Eu não tenho informação
de cocheira para falar. Lendo a imprensa, deu para notar o seguinte.
Antes do Lula ser eleito, houve uma reunião dele com o Zé Dirceu dizendo
que ele não queria mais concorrer, né? E o Zé o convenceu com a ideia
do José de Alencar [ex-vice-presidente] ser vice, de abrir um pouco mais
o PT, de fazer coligação etc. Isso tudo foi o Dirceu quem fez não o
Lula. Mas se for a história do domínio do fato, tem que prender o
Fernando Henrique por comprar a eleição dele, porque tem provas. Agora
se fala, eu sei que houve, mas não sei quem fez. O deputado Ronnie Von
Santiago [que era do PFL-AC] falou eu ganhou R$ 200 mil para votar a
favor da reeleição do Fernando Henrique. Ah, o FHC não sabia? Mas pelo
domínio do fato, não saber é como saber. Então se pode enquadrar
qualquer um, até o Lula, que sem dúvida nenhuma é o grande objetivo..."
"O PT está virando o Brasil de cabeça para baixo, está colocando uma
mulher na presidência, um negro na presidência do STF, tirando 40
milhões da pobreza, fazendo um cara que sai do Bolsa Família, do ProUni,
fazer mestrado em Harvard, ter os primeiros lugares do Enem."
"Como é que um operário sem dedo, semianalfabeto faz isso que nunca
fizeram? O nosso querido Fernando Henrique Cardoso, que era a minha
literatura de axila na faculdade, que era meu ídolo. Não o Lula. O Lula
era da minha geração, o FHC de uma anterior. Fernando Henrique,
Florestan Fernandes eram os caras que queria mudar o Brasil. Aí o
Fernando Henrique tem a oportunidade e não faz? Vai para a direita? É
uma coisa louca. O que aconteceu? O PT e o PSDB nasceram da mesma
vértebra. Era para ser um partido só. O que acontece é que chegam ao
poder e vendem a alma ao diabo. Fica igual ao que foi feito nos 500
anos. O PT teve o peito de tentar romper, rompeu e está pagando por
isso."
"Eu votei no Fernando Henrique na primeira vez [na eleição de 1993].
Achava que ele era melhor do que o Lula naquela oportunidade. E foi
mesmo. O Lula foi melhor depois."
*
JOSÉ DIRCEU E A DITADURA
"Conheci o Dirceu quando entrei na faculdade [no curso de direito da
PUC-SP], na década de 1960. Eu entrei na faculdade já no pau, tem uma
piadinha que eu faço, que quem não era de esquerda não comia ninguém.
Porque ser de direita naquela época era ou ser extremamente mau-caráter
ou alienado. Alienado era bobão, não sabia nem que existia a ditadura.
Eu fui um dos representantes da faculdade na UNE [União Nacional dos
Estudantes]. Foi nessa época que eu fiquei mais próximo do Dirceu."
"Não fui torturado durante a ditadura. Fui preso junto com o Zé Dirceu
em Ibiúna, no congresso da UNE,e m 1968. Eu fiquei preso uns dois meses,
levei uns tapas na cabeça, quando ia para o Dops [Departamento de Ordem
Política e Social] prestar depoimento."
"A coisa ficou pesada depois do AI-5 [ato institucional que restringiu
mais as liberdades civis], eu fui solto dois dias antes, foi a maior
sorte. No dia 13 de dezembro, fui na faculdade, no Tuca e o porteiro
disse que a polícia tinha ido atrás de mim, de armas. Nunca peguei em
armas, fui embora para o Rio, e fiquei prestando apoio logístico para
uma organização de esquerda. A única ação que eu fiquei sabendo depois e
eu participei foi transportar o dinheiro tirado de um cofre do
governador Adhemar de Barros [1901-1969]."
"O meu contato com a organização era um concunhado que foi preso junto
com a Dilma, na rua da Consolação. Só tinha duas atitudes, ou entrar na
luta armada ou deixar a organização. Minha companheira estava grávida do
meu primeiro filho. Conversamos. Eu nunca pensei que poderíamos
derrotar as forças armadas. Éramos 500 mil, 600 mil estudantes, tinha
operário e militar, mas a grande maioria era estudante classe média."
"Foi quando eu fui para a Europa, em 1972, para Londres, Amsterdã. Virei
místico, fui estudar hinduísmo, filosofia oriental. Fiz ioga,
meditação, macrobiótica, fui vegetariano, meditava quatro vezes por dia,
vivia numa ilha grega, comendo frugal. Lá tomei ácidos. Muitos com
orientação, para fazer pesquisa. Tinha um livro que ensinava. Tinha uma
pessoa que brincava com o incenso. O contato foi maravilhoso. Era algo
cósmico. No Brasil, enquanto a gente estava gritando paz no Vietnã, nos
EUA eles gritavam 'make love' [faça amor]. Era a mesma coisa, mas um
tinha um lado hippie, lisérgico. A minha geração, alguns amigos ficaram
na esquerda, outros fizeram a revolução já hippie. Eu tive o privilégio
de fazer parte dos dois lados."
"Quando voltei ao Brasil anos depois, fui dar aulas em Pelotas, me
desliguei dessa parte política e me foquei na arte. Me meti na
profissão, fui ter filho e cuidar deles como o John Lennon fez. Limpando
a bunda, acordando de madrugada para dar de mamar. Sendo um pai e mãe.
Dividindo igualmente tudo e foi lindo.Depois fui para Porto Alegre,
comecei a produzir música, levei Gilberto Gil, Rita Lee, Novos Baianos.
Montei uma peça do Chico Buarque, 'Saltimbancos'. Acabei fazendo um
filme muito louco, 'A Intrusa', ganhei um prêmio em Gramado e a Globo
estava lá e me chamou."
*
INTERNET
"Na segunda eleição do Lula, eu tinha um blog e fui muito atacado. Eu
estava no Acre, fazendo a minissérie 'Amazônia'. Aquela eleição já foi
muito radicalizada. Eu sou viciado em internet há muito tempo. Fui um
dos primeiros atores a ter uma senha do Ministérios da Comunicação. Em
1994, 1995, já usava internet num provedor que o Betinho [Hebert de
Souza] tinha por causa do Ibase [Instituto Brasileiro de Análises
Sociais e Econômicas]. Eu, o Paulo Betti, o Pedro Paulo Rangel fomos os
primeiros atores a usar internet. Eu fiz muito ator comprar computador e
ter internet. O mais comum era ouvir 'não gosto de internet'. Mas no
futuro ia ser algo como não gostar de telefone, de liquidificador. O
José Mayer me apelidou de Zé Windows."
"Sou geminiano, gosto de comunicação e cai no Twitter com a história da
campanha da Dilma, que foi a primeira campanha em que as redes sociais
foram muito usadas."
*
DILMA ROUSSEFF
"Não tive contato com a Dilma durante a ditadura. A gente era da mesma
organização [VAR-Palmares]. Só se for fazer muita ilação. Não vou dar
uma de Joaquim Barbosa..."
"Lula é Dilma e Dilma é Lula. Isso é um mantra, a cumplicidade dos dois é
total. Quando o Lula começou com essa história de ter Dilma como
candidato, todo mundo assustou. O pessoal do PT mesmo, o Lula pirou,
como faz? Nunca tinha acontecido isso, uma pessoa que não tinha ganhado
nenhuma eleição ser candidata a presidente."
*
MINISTÉRIO DA CULTURA E A POLÍTICAS DE COTAS
"Eu não sei o que foi aquilo [Ana de Hollanda]. Um dia a gente ainda vai
saber o que aconteceu. Depois ferrou, a Dilma é teimosa, não ia tirá-la
na pressão. Ela esperou acabar tudo para trocar o ministério. A Ana é
esquisita, uma pessoa difícil. Eu fui falar com ela uma vez, foi muito
difícil. Quando entrou, batia de frente com o PT inteiro, com os
deputados todos que cuidavam da cultura. Achei uma desfaçatez com o
ministério da Cultura."
"Agora precisa um levantamento para saber o deve ser feito. Mas a chegada da Marta [Suplicy] foi muito boa."
"Sou a favorzaço de cota em tudo. Nós temos uma dívida. Há quantos anos
um negro não podia entrar na faculdade? Podia pela lei, mas não entrava.
Não tinha oportunidade igual. Na minha classe, tinha um negro em 50
alunos. Os ricos têm a impressão de que vão roubar deles. Mas o Lula
conseguiu mostrar que dá para dividir e eles ganharam mais dinheiro
ainda porque entrou muita gente no mercado para comprar coisas. Por mais
que a Dilma dê porrada nas montadoras, elas estão amando a presidente."
"Foi uma surpresa [cota para negros em edital do MinC], eu não li o
projeto, mas a rigor, eu acho que o Brasil tem um débito muito grande e
se for contar a escravatura, o débito não se paga nunca."
"Não esperava que o Brasil fosse dar esse salto de assumir que é
racista, de o governo assumir que existe racismo, de que existem
problemas sérios, de que o brasileiro não é cordial com os seus. O
brasileiro sabe explorar seus empregados. Hoje em dia, ter empregada
doméstica está cada vez mais difícil. É claro! Quem quer lavar a cueca
de um marido que não seja seu. É degradante."
*
FUTURO DO PT E PRESIDÊNCIA EM 2014 e 2018
"Vou chutar aqui. Se o Eduardo Paes [prefeito do Rio] fizer um puta
governo, agora com a Olimpíada, com a Copa, vai ganhar uma visibilidade
absurda, pode enlouquecer e querer ser presidente pelo PMDB, sem ter
sido governador. Obviamente, o Eduardo Campos [governador de Pernambuco,
pelo PSB] é uma coisa natural, neto do Miguel Arraes."
"O PSDB está acabando, o DEM acabou, o partido do Kassab [PSD] conseguiu
algumas coisas, mas ele tomou o partido e agora está perdendo força.
Kassab quis ser o Lula. Se o Haddad fizer um bom governo, se for eleito
prefeito e ficar quatro, depois mais quatro pode ser um candidato em
2018. Daqui a seis anos o Lula ainda tem idade para tentar a
presidência, mas se eu fosse ele, ia ser governador de São Paulo, só
para acabar com a brincadeira [do PSDB]. Aí ficava Lula, Dilma e Haddad.
São Paulo ia ser capital do mundo."
*
PUBLICIDADE
"Os publicitários acham que o público não sabe diferenciar ficção e vida
real, mas ele sabe. Talvez tenha acontecido com a Odete Roitman
[Beatriz Segall, em 'Vale Tudo (1989)], agressões e tal, mas é um
negócio tão antigo. Nunca apanhei de telespectador. Os caras falam 'oh,
cuidado com a Nina, para de fazer maldades com as crianças'. Mas não tem
essa de xingarem. Sabem que não sou eu, é o Nilo."
"A Adriana Esteves não fez nenhum comercial. Ela é uma mulher que para o
Brasil. Ela pode vender qualquer coisa, mas ninguém chama porque ela é
vilã."
Um comentário:
Grande Zé Abreu... merece toda as considerações como artista e cidadão. Oeiras
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