domingo, 1 de fevereiro de 2015

300 PMs caçam posseiros no Pará. Por Paulo Fonteles*, deputado estadual e advogado de posseiros.

Via Blog do Paulinho Fonteles                            
Cadáveres insepultos, unhas arrancadas, estupros, sequestros - há um mês a Polícia Militar faz valer a lei da selva no município de Vizeu, norte do Pará. As vítimas são milhares de posseiros que ousaram vencer os Jagunços na gleba Cidapar, palco do maior conflito de terras do país atualmente. A caçada humana se concentra contra os líderes camponeses Quintino e Abel.

CAÇADA HUMANA NA MATA

Mais de 300 soldados da Polícia Militar do Pará, comandados pelo coronel Cleto, desenvolvem há um mês uma verdadeira operação de guerra contra milhares de lavradores da gleba Cidapar - palco do maior conflito de terras existente hoje no Pará é talvez no Brasil. .

O objetivo alegado para a ação militar no município de Vizeu é prender o famoso gatilheiro Quintino, que atua ao lado dos lavradores, e Abel, outro comandante da resistência à grilagem.

Com esse pretexto a PM espalhou o terror entre a população local. Torturou indiscriminadamente. Invadiu casas. Jogou bombas. Violou moças. Espancou crianças. Obrigou lavradores a servir de guias. Reeditou a selvageria das antigas "volantes“ nordestinas ou da repressão à guerrilha do Araguaia.

No último dia 26,uma patrulha da PM metralhou próximo à vila do Cristal a residência de um posseiro, Maximiano, matando Antônia, mulher de Quintino, e mais um lavrador. Os mortos foram deixados mais de uma semana insepultos. O fato provocou a organização de uma caravana de dezenas de entidades e parlamentares paraenses, da qual participamos, que visitou a região no dia 29 e realizou um ato público na vila do Cristal. A caravana colheu depoimento em fitas gravadas e bateu fotografias. Agora, prepara um documento de denúncia das atrocidades cometidas pela PM, a ser entregue ao governador Jáder Barbalho, pedindo a retirada da polícia.

Os homens, sob o comando do coronel Cleto, articulados com oficiais do aparelho repressivo montado sob a ditadura, vasculham a região numa caçada humana dirigida contra Quintino e Abel. Impotente para alcançar essa meta, dado o grande apoio da população local aos dois líderes (veja o quadro ao lado), se desesperaram. E passaram a usar as piores violências e torturas contra os moradores.

Ainda no início de dezembro o Paraná, agricultor da área, foi preso pela PM. levado para Belém e barbaramente torturado. Arrancaram inclusive as unhas das suas mãos para que ele dissesse onde estavam Quintino e Abel. Depois, foi obrigado a servir de guia para as tropas que entraram na mata.
Desde então o terror generalizou-se. José Antônio Ferreira de Lima, lavrador do Cristal, com uma perna recentemente amputada, conta: "Eles entraram na minha casa. Quebraram tudo.

Quebraram a minha cama, meu guarda-roupa, meu guarda-louças, levaram a minha rede e bateram na minha perna operada. Eram mais de 15 PMs, chefiados pelo tenente Queiroz. Queriam saber o paradeiro do Quintino''.

Joaquim Rosa, outro morador do povoado, também depõe: "No dia 19 de dezembro, mais de 15 PMs me pegaram, me deram tapa, pisão, cutucada com fuzil. Meteram um pau na minha boca. Me ataram os braços abertos num pau. Assim eu fiquei por mais de uma hora. Me obrigaram a levar eles aonde estavam os homens do Quintino. Se eu não levasse, eles me disseram que iam me matar e me enterrar, lá onde eles mataram a Antônia".

Uma moradora de 18 anos, Rosemeire Miranda de Oliveira, relata o que lhe fizeram: "No domingo (23 de dezembro), à tarde, a PM invadiu nossa casa. Foram logo me batendo, me deram murro, botaram o revólver armado na minha nuca e na minha boca, puxavam meus cabelos. Toda vez que eles perguntavam onde estavam os homens e eu respondia que não sabia, eles me davam um soco. Depois eles passaram a me apalpar e meter a mão por debaixo da minha saia".

O próprio delegado distrital da vila do Cristal confirmou: "Nesse domingo a PM invadiu a minha própria casa. Pegaram o meu filho e começaram a bater nele, ameaçando ele de fuzilamento se ele não falasse onde estavam os homens. 

Botaram uma bomba dentro da minha casa, que fedia demais. Eu mesmo, avisado por um vizinho, fiquei fugido de casa durante muitos dias. Eles ficaram acampados na minha casa, sendo donos de tudo. Roubaram
quatro calças, cinco relógios, duas bolsas, uma rede, um par de esporas e três vestidos. Tinha soldados fardados e gente à paisana, que pareciam pistoleiros".
Dona Maria Luíza Ferreira Reis, mulher de Gaudino dos Reis, o Sitonho, denuncia que seu marido foi sequestrado pela PM e obrigado a servir de guia: "Ele foi debaixo de ordem. Pegaram ele quando ele veio fazer a feira, botaram ele na frente dos soldados. Sei que agora ele está lá na base do 47. Com toda essa questão da polícia agora- acrescenta-, as famílias estão abandonando a área. Mais de cem famílias já largaram a terra, deixando tudo pra trás por causa da polícia".

Diante destes acontecimentos, amplamente noticiados. em Belém (mas silenciados pela imprensa do restante do país), o governador Jáder Barbalho declarou em público que no dia 16 de março irá ao futuro presidente Tancredo Neves requerer imediatamente a desapropriação da Cidapar Propará, para que seja restaurada a paz no Pará e Maranhão. No ato público realizado na vila do Cristal, no entanto, todos os oradores responsabilizaram o governo do Estado pelas violências na região, já que compete ao Executivo estadual a direção da PM -embora fosse assinalada a pressão que partiu de Brasília para que Jáder Barbalho mandasse reprimir os lavradores.

Apesar da violência policial, os moradores da região afirmam que não recuarão da luta até a desapropriação da Propará. Abel e Quintino conseguiram furar o cerco e os lavradores começaram a ameaçar a própria Polícia Militar, que até o momento nunca foi alvo de qualquer ação dos posseiros. É possível que, pelas características gerais da luta dos trabalhadores de Vizeu, a grilagem na Propará, as repercussões que o caso vai ganhando e as promessas do governador Jáder Barbalho, o próximo presidente da República realmente desaproprie a área.

Antes de mais nada, porém, a reivindicação dos moradores é que se impeça a Polícia Militar de transformar o norte do Pará numa zona de guerra contra o povo, chacinando a população local e caçando Quintino e Abel como se fossem feras. No ato público do dia 29, foi destacada a importância da solidariedade do movimento popular não só do Pará mas de todo o Brasil a esta justa e urgente reivindicação.

Pesquisa: Paulo Fonteles Filho e Angelina Anjos.

Arte: Angelina Anjos.

Fonte: Pesquisa realizada no arquivo do jornal 'Tribuna da Luta Operária'.                                                                 * Assinado pelo Latifúndio na década de 80

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