sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Sem Amazônia não tem açaí


Por  Thiago Domenici, repórter e editor da Agência Pública

Você já deve ter topado por aí com a mais nova declaração do presidente Bolsonaro, de que o "Interesse na Amazônia não é no índio nem na porra da árvore, é no minério". Pois bem, eis uma boa oportunidade de você pensar qual é o seu interesse na Amazônia. Explico. A declaração abjeta do presidente diante de um grupo de garimpeiros de Serra Pelada em Brasília só reforça a ofensiva governista, patrocinada pela bancada ruralista no Congresso, com a finalidade de abrir as terras indígenas para a mineração, o que afetaria quase um terço das reservas do país — parte delas intacta graças às TIs, que são as áreas menos desmatadas do bioma.

Fato é que a floresta vale mais em pé do que derrubada me disse um procurador regional da república em Brasília há alguns dias, num evento que contou com diversos atores — a maioria jovens ativistas — que atuam pela defesa da maior floresta tropical do mundo. Eles se organizavam para o movimento mundial pelo clima que reuniu milhões de pessoas em mais de 150 cidades no mundo há duas semanas.


Ao conversar com eles eu voltei a ter alguma esperança de que nem tudo está perdido. A consciência de que se o ambiente vai mal nós vamos mal e de que o agro não é pop coisa nenhuma é revelado também em frases como: "Ei, você aí, sem Amazônia não tem açaí”. 

A expressão antagoniza dois modelos de desenvolvimento da Amazônia: o predatório (madeira, pecuária, monocultura, energia e mineração) e o socioambiental, com mais de uma centena de atividades possíveis, entre alimentos (caso do açaí, tão querido no sul e sudeste), artesanato, essências, fármacos e que também são lucrativos sem derrubar a mata, afetar o clima, matar o índio, o agricultor familiar, o ribeirinho, gente que tomba numa luta que também deveria ser nossa.

Falando de outro modo: o açaí existe — e não só ele, é claro — porque a floresta está de pé — afinal, o açaí dá na "porra da árvore". Quando a celeuma do céu escuro e denso se abateu sobre São Paulo no meio do dia em setembro, e associaram o episódio às queimadas da Amazônia, um jovem indígena me disse em tom de brincadeira que foram os caciques que mandaram as nuvens para o pessoal da cidade entender que tudo está interligado — das queimadas, desmate, grilagem, assassinatos no campo até a água e a comida na mesa com agrotóxico. Quando Bolsonaro critica o cacique kayapó Raoni Metuktire é sinal de que a resistência não deveria ser só indígena.


Uma ativista negra do Mato Grosso, que terá um entrevista publicada por aqui em breve, ponderou durante uma roda de conversa sobre a floresta: "É preciso trazer a Amazônia para o Brasil. A Amazônia está distante do Brasil". E emendou: "Quem são os nossos?".

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