Via Agência Pública
Não se sabe se ele já completou 90 anos ou está à beira disso. O fato é que a força de Raoni, não só política, mas física, impressiona. Durante cinco dias o cacique indicado ao Nobel da Paz reuniu-se da manhã à noite com mais de 400 lideranças, de jovens a anciãos, para discutir como garantir os direitos constitucionais dos indígenas, atropelados pelo governo Bolsonaro. Além de conceder entrevistas o dia todo - a imprensa internacional estava em peso -, Raoni dançou com incrível vigor enquanto discursava em kayapó - ele nunca fala português - de borduna na mão. Os indígenas “não querem guerra” disse, dessa vez com intérprete ao lado, mas vão se defender de agressões como as escandalosas MP da Grilagem e a minuta do Projeto de Lei do Governo para a abertura das terras indígenas ao agronegócio e à mineração.
Ao que parece, indígenas e meio-ambiente são os “obstáculos” que o ministro Paulo Guedes disse, em Davos, pretender remover; isso na mesma fala perversa do ministro culpando a pobreza pelo desmatamento contra todas as evidências. É o desmatamento, ministro, que traz a miséria e não o inverso, o que já foi demonstrado por trabalhos científicos e especialistas. Árvore derrubada dá dinheiro para o crime organizado - madeireiros, grileiros -, associado ao agronegócio. Dizer que são os pobres que desmatam é mentira tão grande quanto a tal caixa preta do BNDES, o fiasco tragicômico da semana.
Como disse Sônia Guajajara, que já levou denúncias sobre o genocídio indígena ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, às Conferências Mundiais do Clima (COP) e ao Parlamento Europeu: “O que eles querem é entregar os territórios indígenas e com isso, ‘diz que vão’ acabar com a crise econômica, mas nós não podemos permitir de jeito nenhum negociar nossos territórios, nossa vida, nossa identidade para resolver uma crise econômica que não foi causada por nós”. Parece óbvio, não?
Mas esse é o país que se consagra a cada dia como o avesso da Justiça e da democracia. A investida do promotor Wellington Divino Marques de Oliveira contra o jornalista Glenn Greenwald não pode ser interpretada de outra forma senão como perseguição autoritária e violação do direito à liberdade de imprensa. Aos que ainda não se debruçaram sobre o caso, aconselho a leitura da cristalina nota da Abraji que mostra por que denunciar Glenn à Justiça fere uma das instituições mais importantes da democracia. Aquela que o presidente odeia tanto quanto o meio-ambiente, a ciência, os indígenas e demais “obstáculos” ao exercício arbitrário de seu clã no poder.
Marina Amaral, codiretora da Agência Pública
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