Em São Paulo, completamos 3 semanas de quarentena e, embora seja cedo para avaliar o impacto das medidas do governador, o distanciamento social continua a ser a única arma para evitar um aceleramento ainda maior do contágio; o que também pode levar à exaustão, como está prestes a acontecer em algumas capitais, o nosso valente, mas desprestigiado SUS, assim como o ministério de Mandetta - mantido no governo não se sabe sob que condições.
Além de não se importar com a eventual falência do SUS, nem com as vidas perdidas, chama a atenção a insistência de Bolsonaro em se rodear de profissionais e empresas privadas de saúde em detrimento, não apenas do ministro, mas dos pesquisadores e médicos que atuam na rede pública. Em vez disso, o presidente preferiu receber médicos do Einstein e de outros hospitais privados e conversar em reunião online na Fiesp com o dono da EMS, a maior fabricante de genéricos do país, além de ter outro dono de laboratório privado que fabrica hidroxicloroquina de marca entre seus fãs.
Para se informar sobre a bendita cloroquina, por exemplo, Bolsonaro poderia recorrer à Fiocruz ou ao Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde que coordenam, no Brasil, um estudo muito mais importante do que aquele liderados por hospitais privados em parceria com a EMS. O ensaio internacional Solidariedade, promovido pela OMS, será o primeiro feito com um grupo de pacientes grande e diverso. Serão cinco terapêuticas testadas, incluindo a cloroquina e a hidroxicloroquina, e aqui o ensaio será realizado com pacientes - que concordem em participar - internados em 18 hospitais públicos de 12 estados.
A nossa “fortaleza” é que os remédios para abastecer o SUS podem ser fabricados no Instituto Farmanguinhos, da Fiocruz, conforme afirmou em coletiva de imprensa online a presidente da Fiocruz, a Dra. Nísia Trindade Lima. “Nosso Instituto Farmanguinhos terá condições de prover o SUS com os medicamentos que forem avaliados como de melhor resposta terapêutica. Isso é uma fortaleza da nossa instituição, é uma fortaleza do Ministério da Saúde, é uma fortaleza do SUS muito importante de se lembrar nesse momento”, disse Lima.
Pelo que relatam os médicos até o momento, a cloroquina e a hidroxicloroquina vêm sendo usadas com algum sucesso na redução do tempo de internação dos pacientes, o que, a se confirmar, não é a panacéia presidencial, mas é uma boa notícia. É por isso que, a despeito da comprovada toxicidade dos remédios - que já matou pacientes em casos conhecidos -, eles já vêm sendo usados em alguns hospitais. A recomendação do Ministério da Saúde é de que seja feito o “uso compassivo” do medicamento. Na prática, seu uso vem sendo decidido entre paciente e médico, como expôs o caso do Dr. Roberto Kalil.
A ridícula disputa política em torno da receita do médico David Uip, exibida nas redes como o Santo Graal dos poderes da cloroquina, não pode nos fazer esquecer do risco que esses medicamentos representam agora, especialmente quando feitos sem supervisão médica, como alertou Kalil. Também há outros tratamentos igualmente promissores, e talvez menos tóxicos, sendo testados. Mas o confinamento, maldito pelo presidente e apoiado por 76% da população, continua sendo a principal defesa contra o coronavírus.
Vamos torcer para que os ensaios clínicos cheguem a bons resultados e não esquecer, como o presidente vem fazendo, que são os nossos laboratórios públicos e os nossos pesquisadores - que brilharam mais uma vez nessa semana com a imagem, feita pela Fiocruz, do momento em que o coronavírus entra na célula - que podem nos livrar das chantagens das farmacêuticas e nos dar segurança para tratar nossos doentes.
Marina Amaral, codiretora da Agência Pública
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