O calvário de Jonas
Por Emiliano José*
29 de setembro de 1969. 11 horas da manhã. Jonas (foto) é preso pela equipe do capitão Benone Albernaz, da Operação Bandeirante, uma estrutura repressiva da ditadura. Chegou à Rua Tutóia, no Ibirapuera, na capital paulista algemado e encapuzado. Deram-lhe um violento chute no rosto, de onde passou a jorrar sangue em profusão. Era o sinal de que estavam dispostos a tudo. Não contavam com a coragem, a determinação, a lealdade de Jonas aos seus companheiros da Ação Libertadora Nacional (ALN). Ele sobreviveu por 12 horas às torturas de que foi vítima, sempre desafiando seus carrascos, que o massacraram sem dó, nem piedade. Jonas havia sido o comandante do seqüestro do embaixador americano, Charles Burke Elbrick, já então libertado, são e salvo.
Comandavam a OBAN então os majores Inocêncio Beltrão e Valdir Coelho. No comando das torturas a Jonas, revezavam-se os capitães Dalmo Cirilo, Maurício Lopes Lima, Homero Cesar Machado (PM) e Benone Albernaz, que contaram, ainda, com as colaborações diretas do delegado Otávio Moreira Jr, do sargento PM Paulo Bordini, dos agentes policiais Maurício de Freitas (Lungaretti) e Paulo Rosa (Paulo Bexiga) e do agente da Polícia Federal, Américo. Apesar dos testemunhos dos presos políticos Francisco Gomes da Silva (irmão de Jonas), de Celso Antunes Horta, de Paulo de Tarso Wenceslau e Manoel Cirilo, que estavam presos na OBAN também, e que garantiram que a morte de Jonas se dera sob tortura, a prisão e a morte dele não foram reconhecidas. Jonas tornou-se o primeiro desaparecido político brasileiro.
Todas essas informações estão no livro Dos filhos deste solo - Mortos e Desaparecidos políticos durante a ditadura militar: a responsabilidade do Estado, de autoria do ex-ministro de Direitos Humanos do governo Lula, Nilmário Miranda, e de Carlos Tibúrcio, assessor especial da Presidência da República. No mesmo livro, eles revelam que o jornalista Mário Magalhães descobriu, no arquivo do Dops, em São Paulo, o laudo e a foto do corpo, que comprovam que ele foi torturado de forma bárbara, sendo praticamente destroçado pelos assassinos da OBAN.
Na linguagem dos legistas Roberto Magalhães e Paulo Queiroz Rocha, ele apresentava hematomas internos e externos na calota craniana, fratura completa com afundamento do osso frontal e lesões em sete costelas, escoriações no rosto, braços, joelhos, punho direito, equimoses no tórax e abdômen, hematomas na mão direita e polpa escrotal. Foi identificado por meio das digitais, diante da impossibilidade de sê-lo por outros meios. Apesar disso, pasmem, os legistas afirmam que a morte não foi causada por torturas. E o delegado Emilio Mattar juntou aos documentos um bilhete escrito à mão recomendando: “não deve ser informado”. Assim produziu-se o primeiro desaparecimento.
Jonas chamava-se Virgílio Gomes da Silva. Tinha 36 anos quando foi covardemente assassinado. Relato o caso dele para lembrar o quando é justa a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em São Paulo contra quatro militares reformados, acusados de participação na morte e no desaparecimento de pelo menos seis pessoas, entre elas Jonas, além de torturar 19 presos políticos detidos pela Operação Bandeirante (A Tarde, p. B8, 5/11/2010). Provavelmente, o MPF tenha arrolado apenas quatro militares por considerar que as provas contra os demais ainda não sejam suficientemente consistentes. O procurador Marlon Weichert acrescenta, em relação ao caso de Jonas, a tortura de sua mulher, Ilda, como também a aplicação de choques elétricos em um de seus filhos, de apenas quatro meses. A ditadura não conhecia limites.
A ação do MPF é correta e evidencia o quanto foi equivocada a decisão do STF de considerar que a anistia valia também para os torturadores e assassinos do regime ditatorial. Tenho dito que não adianta varrer a sujeira para debaixo do tapete. Todos os países vizinhos que foram vítimas de ditadura já acertaram suas contas com o passado, punindo os que cometeram crimes contra a humanidade, compreendendo, como me parece óbvio, que a tortura e o assassinato sob tortura são crimes imprescritíveis.
*Jornalista, escritor e professor.
Artigo publicado no jornal A Tarde da Bahia (24/11/2010)
Mais informações em www.emilianojose.com.br
* Título do Blog ananindeuadebates
Por Emiliano José*
29 de setembro de 1969. 11 horas da manhã. Jonas (foto) é preso pela equipe do capitão Benone Albernaz, da Operação Bandeirante, uma estrutura repressiva da ditadura. Chegou à Rua Tutóia, no Ibirapuera, na capital paulista algemado e encapuzado. Deram-lhe um violento chute no rosto, de onde passou a jorrar sangue em profusão. Era o sinal de que estavam dispostos a tudo. Não contavam com a coragem, a determinação, a lealdade de Jonas aos seus companheiros da Ação Libertadora Nacional (ALN). Ele sobreviveu por 12 horas às torturas de que foi vítima, sempre desafiando seus carrascos, que o massacraram sem dó, nem piedade. Jonas havia sido o comandante do seqüestro do embaixador americano, Charles Burke Elbrick, já então libertado, são e salvo.
Comandavam a OBAN então os majores Inocêncio Beltrão e Valdir Coelho. No comando das torturas a Jonas, revezavam-se os capitães Dalmo Cirilo, Maurício Lopes Lima, Homero Cesar Machado (PM) e Benone Albernaz, que contaram, ainda, com as colaborações diretas do delegado Otávio Moreira Jr, do sargento PM Paulo Bordini, dos agentes policiais Maurício de Freitas (Lungaretti) e Paulo Rosa (Paulo Bexiga) e do agente da Polícia Federal, Américo. Apesar dos testemunhos dos presos políticos Francisco Gomes da Silva (irmão de Jonas), de Celso Antunes Horta, de Paulo de Tarso Wenceslau e Manoel Cirilo, que estavam presos na OBAN também, e que garantiram que a morte de Jonas se dera sob tortura, a prisão e a morte dele não foram reconhecidas. Jonas tornou-se o primeiro desaparecido político brasileiro.
Todas essas informações estão no livro Dos filhos deste solo - Mortos e Desaparecidos políticos durante a ditadura militar: a responsabilidade do Estado, de autoria do ex-ministro de Direitos Humanos do governo Lula, Nilmário Miranda, e de Carlos Tibúrcio, assessor especial da Presidência da República. No mesmo livro, eles revelam que o jornalista Mário Magalhães descobriu, no arquivo do Dops, em São Paulo, o laudo e a foto do corpo, que comprovam que ele foi torturado de forma bárbara, sendo praticamente destroçado pelos assassinos da OBAN.
Na linguagem dos legistas Roberto Magalhães e Paulo Queiroz Rocha, ele apresentava hematomas internos e externos na calota craniana, fratura completa com afundamento do osso frontal e lesões em sete costelas, escoriações no rosto, braços, joelhos, punho direito, equimoses no tórax e abdômen, hematomas na mão direita e polpa escrotal. Foi identificado por meio das digitais, diante da impossibilidade de sê-lo por outros meios. Apesar disso, pasmem, os legistas afirmam que a morte não foi causada por torturas. E o delegado Emilio Mattar juntou aos documentos um bilhete escrito à mão recomendando: “não deve ser informado”. Assim produziu-se o primeiro desaparecimento.
Jonas chamava-se Virgílio Gomes da Silva. Tinha 36 anos quando foi covardemente assassinado. Relato o caso dele para lembrar o quando é justa a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em São Paulo contra quatro militares reformados, acusados de participação na morte e no desaparecimento de pelo menos seis pessoas, entre elas Jonas, além de torturar 19 presos políticos detidos pela Operação Bandeirante (A Tarde, p. B8, 5/11/2010). Provavelmente, o MPF tenha arrolado apenas quatro militares por considerar que as provas contra os demais ainda não sejam suficientemente consistentes. O procurador Marlon Weichert acrescenta, em relação ao caso de Jonas, a tortura de sua mulher, Ilda, como também a aplicação de choques elétricos em um de seus filhos, de apenas quatro meses. A ditadura não conhecia limites.
A ação do MPF é correta e evidencia o quanto foi equivocada a decisão do STF de considerar que a anistia valia também para os torturadores e assassinos do regime ditatorial. Tenho dito que não adianta varrer a sujeira para debaixo do tapete. Todos os países vizinhos que foram vítimas de ditadura já acertaram suas contas com o passado, punindo os que cometeram crimes contra a humanidade, compreendendo, como me parece óbvio, que a tortura e o assassinato sob tortura são crimes imprescritíveis.
*Jornalista, escritor e professor.
Artigo publicado no jornal A Tarde da Bahia (24/11/2010)
Mais informações em www.emilianojose.com.br
* Título do Blog ananindeuadebates
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