Por MARCO ANTÔNIO MARTINS - Folha de SP
Maria Célia Lundberg, 68, dava aulas de alfabetização para pessoas
carentes em Sabará (MG) e era militante da ALN (Aliança Libertadora
Nacional) quando foi presa, em 1971.
Sem nunca ter pego em armas, foi torturada e violentada por cinco dias e
libertada sob ameaças. Acabou fugindo para o Chile e, depois, para a
Suécia, onde vive desde 1973.
No início de outubro, voltou ao Brasil para participar da 62ª edição das
Caravanas da Anistia, promovida pelo Ministério da Justiça. A comissão
concedeu a ela indenização e pensão vitalícia pelas torturas no Dops, em
Minas Gerais.
*
"Difícil descrever o que senti nos últimos dias antes de chegar aqui. É uma ferida profunda.
O que mais fiz nesta vida foi tentar esquecer coisas que me deixaram
marcas. Não apenas no corpo, mas na alma. Os anos de estudo foram
deixados para trás.
Trabalhava dando aulas de alfabetização para pessoas pobres.
Alfabetizava e conscientizava o povo brasileiro utilizando o método do
professor Paulo Freire.
Era da ALN (Aliança Libertadora Nacional), mas nunca peguei em armas.
Minha História: Maria Célia Lundberg
Daniel Marenco/Folhapress
Maria Célia Lundberg, 68, ex-militante da ALN (Aliança Libertadora Nacional), que foi presa e torturada pela ditadura
Acho que me prenderam porque, dias antes da prisão, em 7 de janeiro de
1971, houve um assalto em Minas Gerais e atribuíram à ALN. Invadiram a
minha casa e encontraram no chão papéis da organização.
Me levaram. Fui violentada e torturada durante cinco dias. Além da dor física eu tinha outra certeza: estava só.
Eu era a única mulher ali. Sozinha em um cela.
Ouvia gritos quando era tirada de minha cela para a sala de trabalho dos policiais.
Ouvia meu irmão [Hervê] gritando enquanto sofria maus-tratos. Às vezes,
nos encontrávamos no corredor enquanto eu era retirada de minha cela.
Era a certeza de que ele estava vivo. Nos falávamos através do olhar.
A angústia da prisão me fez pensar em suicídio. Vou me matar e acabar
com tudo. Pensei isso várias vezes. Depois pensava que não podia dar a
eles o argumento que queriam. Era dar força a eles.
Depois desses dias presa no Dops, saí totalmente destruída.
Só me disseram que, se comentasse algo na rua, o meu irmão, que era mantido preso, seria morto.
Os abusos resultaram numa gravidez. Veio a seguir um aborto espontâneo.
Depois que meu irmão deixou a prisão só me restou fugir para o Chile, em
1972, onde conheci o meu companheiro e, em 1973, fui para a Suécia.
Lembro-me quando um médico sueco disse-me na chegada ao seu país,
durante um exame, que nunca poderia ter um filho por causa da violência
que sofri enquanto estive presa.
Deus existe. Tive dois filhos e hoje sou até avó de uma neta. Ou seja,
de muitas formas tenho uma vida realizada na Suécia. Sinto até que pude
fechar o capítulo da tortura com o qual sofri.
Hoje tenho o reconhecimento do Estado através da insistência da minha
família e de meus amigos. Mas que fique claro que nenhuma indenização
pode ressarcir o mal que o terrorismo fez a mim.
Esses terroristas nunca precisaram ser julgados. Muitos desses
criminosos foram promovidos e até hoje continuam com suas regalias.
Espero que nunca mais a tortura física ou psíquica seja aplicada contra qualquer grupo ou pessoa.
Defendo a punição dessas pessoas. Agora, elas nunca devem ser punidas com a mesma moeda.
Pena meus pais não estarem vivos para acompanhar este momento. É bom
voltar a pisar esse país sem o risco de ser torturada ou presa.
Sempre tive medo de voltar ao Brasil.
Vim em 2009 para sepultar a minha mãe. Ela foi sepultada e logo depois eu voltava para a Suécia.
A Suécia cuidou dos meus problemas físicos, mas nunca pude ter um bom tratamento sobre as minhas torturas psíquicas.
A única coisa que sempre quis foi voltar ao Brasil. Meus filhos falam
"incluso" [inclusive] português. Mas nunca apareceram aqui porque temiam
represália contra mim.
Sentia saudades de tudo. Da terra, do cheiro.
Agora penso em voltar e morrer no Brasil."
Um comentário:
Que horror! Por isso não voto em candidatos apoiados por partidos que deram sustentação ao regime militar.
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