CASSIANO ELEK MACHADO
Via FOLHA DE SÃO PAULO
Via FOLHA DE SÃO PAULO
Nos arredores de Budapeste há um parque chamado Szoborpark, o Parque das
Estátuas. Criado em 1993, este museu ao ar livre abriga esculturas que
perderam espaço na Hungria com o fim do regime comunista.
Livro busca lado 'família' do pensador alemão Karl Marx
Intelectuais brasileiros explicam porque ainda é importante ler Marx
Além de bustos de obsoletos líderes locais, como Béla Kun, estão lá,
entre estátuas de Lênin e Stálin, diversas esculturas representando a
efígie barbuda de Karl Marx.
Para muitos, nada mais adequado. Com o fim dos regimes comunistas, as
ideias do intelectual alemão teriam virado perfeitos objetos de museu.
Para outros tantos, porém, Marx (1818-1883), o autor do "Manifesto
Comunista" (obra que completou ontem 165 aninhos), está mais vivo do que
nunca.
No Brasil, ao menos, as ideias do filósofo, economista, cientista
social, jornalista e historiador vivem um de seus grandes momentos.
Prova concreta disso chega nas próximas semanas às livrarias nacionais. A
editora Boitempo, que vem lançando todas as obras de Marx e de seu
parceiro intelectual,o compatriota Friedrich Engels (1820-1895), publica
agora em março o primeiro dos três volumes de "O Capital", seu trabalho
de mais fôlego.
Será apenas a segunda edição integral brasileira do ensaio, lançado
originalmente em 1867. Antes disso, houve apenas uma tradução completa,
feita nos anos 1960 por Reginaldo Sant'anna (além de uma edição parcial,
coordenada por Paul Singer, no início dos anos 1980).
Em conjunto ao lançamento da nova edição de "O Capital", a Boitempo e o
Sesc-SP promovem, a partir de março, um ciclo de palestras e debates
sobre Marx que se estenderá até maio.
"Marx - A Criação Destruidora" (veja programação completa acima) terá a participação de mais de 20 intelectuais de diversas áreas do conhecimento, incluindo convidados internacionais de renome, como o filósofo esloveno Slavoj iek, o geógrafo britânico David Harvey, que lançará, na ocasião, o livro "Para entender 'O Capital'", e o cientista político alemão Michael Heinrich.
"Marx - A Criação Destruidora" (veja programação completa acima) terá a participação de mais de 20 intelectuais de diversas áreas do conhecimento, incluindo convidados internacionais de renome, como o filósofo esloveno Slavoj iek, o geógrafo britânico David Harvey, que lançará, na ocasião, o livro "Para entender 'O Capital'", e o cientista político alemão Michael Heinrich.
Ilustração Nobru/Editoria de Arte/Folhapress |
O CIENTISTA POLÍTICO
Heinrich tinha 14 anos quando começou a ler Karl Marx, ainda no colégio.
Hoje, aos 55, trabalha no MEGA, codinome do projeto alemão
Marx-Engels-Gesamtausgabe, que vem reestabelecendo os textos e
publicando em edições críticas todas as linhas já escritas pela dupla.
O professor, que virá ao país para uma palestra em 22 de março
intitulada "Os Manuscritos de Karl Marx e Friedrich Engels", é autor de
um popular livro de apresentação chamado "Uma Introdução aos Três
Volumes de 'O Capital" (sem edição brasileira).
A menção aos "três volumes" no título de seu livro não é casual. Quais
seriam as suas sugestões para entender bem o intrincado "O Capital"?,
lhe questiona a Folha.
"Vou resumir todas minhas dicas em uma só", responde. "Leia 'O Capital' na íntegra."
Heinrich, que vem trabalhando em perspectiva não ortodoxa marxista (o
próprio Marx se disse "não marxista" em carta para o genro Paul
Lafargue, lembra ele) para recuperar o legado intelectual do autor, diz
que certos livros de introdução desvirtuam os objetivos da obra.
"As três partes do livro formam uma unidade. Se você ler apenas o
primeiro volume terá uma visão não só incompleta, como errada. O sentido
integral, mesmo de categorias como valor e mercadoria, só se revela com
o final do livro", afirma.
É preciso, diz ele, questionar o que Marx tenta analisar de fato. "Não
era o capitalismo inglês nem o capitalismo do século 19, mas sim a
organização interna do modo de produção capitalista, em seu ideal médio,
como Marx resume no final do volume 3."
Nessa perspectiva, sustenta ele, a leitura do livro hoje faria muito
mais sentido (e a Folha perguntou a importantes intelectuais brasileiros
"por que ler Marx hoje"). "Grande parte da análise que ele faz do
capitalismo se aplica muito mais ao que aconteceu no século 20 e no 21
do que ao tempo dele."
Heinrich diz que um dos grandes enigmas para ele "é entender como o
trabalho de um homem que devotou a maior parte da vida à análise do
capitalismo e fez pontuais notas sobre a sociedade capitalista é
considerado o responsável por um modelo social extremamente autoritário
chamado 'socialismo'".
Testemunha da queda do Muro de Berlim, em 1989, ele assistiu o interesse
por Marx na Alemanha desabar, até ganhar empuxo novamente no final dos
anos 1990.
Ele defende o projeto no qual trabalha, o MEGA (também chamado de
MEGA-2, para se diferenciar de iniciativa semelhante dos anos 1920) por
difundir uma visão mais científica de Marx.
O TRADUTOR
É com perspectiva condizente ao discurso de Heinrich que Rubens Enderle
encarou a escalada do Everest que é a tradução de "O Capital".
Já responsável, sozinho ou em parcerias, por traduções de importantes
trabalhos de Marx para a Boitempo, como "A Ideologia Alemã" e "A Guerra
Civil na França", ele atuou durante dois anos no Marx-Engels-Institut da
Academia de Ciências de Berlim-Brandemburgo, responsável pelo projeto
MEGA.
Apesar de estar embebido em Karl Marx há muitas primaveras, Enderle, 38,
diz que "não é marxista, mas sim um marxólogo", diz o tradutor
gaúcho-mineiro-alemão.
"Isso influenciou o trabalho de tradução, pois minha preocupação como
tradutor é permanecer o mais fiel possível aos textos, o que, no caso de
Marx, implica se desvencilhar de chavões e vulgaridades ideológicas que
se acumularam sobre sua obra ao longo de séculos."
Enderle, atualmente vivendo em Munique, ainda não chegou ao topo da montanha.
Ele está trabalhando no livro 2, que deve ser lançado no ano que vem.
Além das dificuldades tradicionais da tradução do alemão ("falta ao
português palavras como 'coisal' ou 'coisalmente'"), ele sublinha outras
dificuldades técnicas específicas: "Há passagens em que Marx entra em
detalhes sobre peças mecânicas, principalmente de relojoaria". Um
dicionário alemão de relojoaria foi de grande ajuda.
Segundo ele, o fato de a atual tradução ser a primeira baseada na edição
MEGA trará mais diferenciais nos volumes 2 e 3 da obra, publicadas
depois da morte de Marx.
Ivana Jinkings, diretora editorial da Boitempo, que tem extenso catálogo
de marxistas, já publicou 15 obras de Marx e Engels (o campeão de
vendas é "O Manifesto Comunista", com 15 mil exemplares), diz que o
volume 3 será lançado em 2015. Curadora de diversos seminários sobre
Marx, incluindo o atual, ela espera bater o recorde de público desta
vez. "Esperamos mais de 15 mil pessoas."
O CAPITAL - LIVRO I
AUTOR Karl Marx
EDITORA Boitempo
TRADUÇÃO Rubens Enderle
QUANTO R$ 98 (856 págs.)
ORELHA Francisco de Oliveira
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