Publicamos aqui dois textos de militantes e de uma corrente da esquerda sobre a crise atual brasileira
ESCRITO POR MÁRIO MAESTRI E OTTO FILGUEIRAS |
SEGUNDA, 21 DE SETEMBRO DE 2015 |
O governo Dilma Rousseff rompeu com a população que o elegeu, no próprio dia da vitória. Da promessa demagógica de administração popular, passou sem transição, à acelerada e incessante reorientação neoliberal. Tratou-se de desesperada corrida para salvar sua presidência e o aparato petista que sonhou governar eternamente o Estado brasileiro, no gozo das imensas benesses decorrentes, legais e ilegais.
A situação da presidenta, do governo e do PT era, convenhamos, dramática.
A conjuntura que atinge os países ditos emergentes alcança singular paroxismo no Brasil. A crise, de fundo estrutural, acelerou-se com o esgotamento do período de semi-expansão do comércio internacional e valorização das commodities - petróleo, grãos, minérios etc. Período no qual a economia brasileira conheceu radical processo de desnacionalização e desindustrialização tendenciais, sob a droga de um real supervalorizado, de juros elevados, de domínio do capital financeiro e bancário.
No dia seguinte às eleições, o governo Dilma Rousseff encontrou-se com as finanças e as contas públicas afundadas na desgovernança sem limites das renúncias fiscais para o capital industrial, de capitalização do capital privado através de juros subsidiados etc. Nesse imenso rombo, pouco peso tiveram as pequenas liberalidades demagógicas para com a população, ao contrário do que a mídia sugere.
O naufrágio geral deveu-se, sobretudo, à hemorragia desenfreada motivada por dívida pública alimentada, nos últimos anos, pela manutenção dos mais elevados padrões de juro do mundo. Tudo associado à expatriação vultuosa de capitais - dividendos, royalties etc. -, acrescida pela desnacionalização da indústria, dependência tecnológica etc. Os imensos gastos eleitoreiros foram a cereja do bolo.
Além da crise econômica real, a senhora Dilma Rousseff, sua administração e o PT se deparavam com uma investigação judicial e exposição midiática da corrupção amazônica promovida pelo núcleo central do PT, partido da presidenta, e pelos partidos fisiológicos aliados. Assalto ao Estado transformado em processo institucional, que irrigou as campanhas eleitorais em todos os níveis e enriqueceu milhares de vorazes particulares.
Diante da exposição interessada, promovida pela mídia e pela oposição, do rastro de corrupção, a única defesa da administração e do PT é que todos fazem e que apenas eles foram alvos de denúncia da mídia conservadora.
A senhora Dilma Rousseff, sua administração e o PT sentem-se traídos pela exposição privilegiada que sofrem da mídia e da justiça burguesa. Afinal, eles embolsaram apenas a ‘remuneração’ extra dos conservadores tradicionais, ao servirem o grande capital.
Não compreenderam que, ao prestarem um serviço aos donos das riquezas nacionais e internacionais, no governo, expunham-se a prestar outro também, ao serem lançados, pelo ex-patrão, na prisão e sarjeta, como exemplos da maldade e corrupção dos princípios de esquerda, populares e operários, que há muito renegaram e enxovalharam.
Incontinenti, o governo Dilma Rousseff constituiu um ministério de mostrengos políticos, comandados por um boy dos banqueiros, enquanto lançava o país na inflação e recessão, para cortar o valor real dos salários como exigido pelo capital nacional e internacional. A senhora Dilma Rousseff abandonou crescentemente a demagogia e afagos parciais e restritos dados tradicionalmente a sua base de sustentação, em prol do consenso do grande capital nacional e internacional.
O escandaloso estelionato eleitoral reviveu e engrossou os segmentos sociais ricos e médios derrotados na eleição passada, que saíram às ruas pedindo o fim do governo. A presidenta, sua administração e o PT viram-se imobilizados e acuados, sob o ataque das ruas e de um legislativo em paroxismo conservador, em grande parte pertencente à base parlamentar do governo.
Conhecendo a mais rápida e radical queda de apoio da história nacional, o governo Dilma Rousseff procedeu, sem pudor, nojo e dignidade, concessões sem fim para o grande capital e os conservadores tradicionais, na oposição e na sua base de apoio. Tudo na desesperada esperança de permanecer a qualquer custo no governo até 2018, se arrastando.
Ninguém pode prever se a senhora Dilma Rousseff permanecerá até o fim do mandato, a custa de tudo entregar, de tudo privatizar, de tudo cortar, de reduzir os trabalhadores e assalariados à miséria relativa e absoluta, radicalizando o descalabro que assola a sociedade brasileira. Ou se será defenestrada, quem sabe, já nos próximos meses.
O certo e líquido é que o presente governo, visto ainda por parte da população como administração popular e de esquerda, se encontra, de fato, nas mãos do grande capital, que impulsiona, através da presidenta, como implementará, sem ela, após sua derrubada, retrocesso geral e histórico das condições de existência da população trabalhadora e assalariada no país.
Temos que sair da sinuca de bico em que nos encontramos. A proposta de mobilização pela queda de Levy é fumaça nos olhos da população. Esse cavaleiro da triste figura e língua enrolada é apenas um convidado de importância em ministério formado por walkings deadsconservadores de todos os sabores. Uma reforma ministerial e uma radical reorientação política do governo são propostas fantasiosas, vista a essência da atual administração. Ela já concedeu tudo e se encontra atualmente dançando no fio da navalha.
Não podemos, em nenhum caso, apoiar um impeachement conservador que substitua vinte por dez + dez, e receba, ainda, um trocado. Ele seria um golpe das forças de direita que violaria, ao menos no sentido, instituições que as próprias forças burguesas se deram. E significará, igualmente, importante operação política, ideológica e social contra o mundo do trabalho, pois identificá com a presidenta e sua administração, jogados ladeira abaixo, o derrubamento de ideias e programas de esquerda e de um partido que traz no seu nome “dos trabalhadores”, apesar de há decadas ter se posto ao serviço do poder.
Nem apoio ao governo, nem apoio à sua derrubada
Devemos exigir, ao contrário, que se entregue a solução nas mãos da população brasileira. Temos que sair às ruas pedindo novas eleições, para presidente, vice, senadores e deputados, já. Sem a participação de acusados por qualquer prevaricação contra os cofres públicos. Sem contribuição dos grandes capitalistas. Com o direito de candidaturas que passem ao lado dos partidos presentes.
A crise do capitalismo e suas manifestações no terreno nacional, bem como os limites do social-liberalismo, os erros dos governos anteriores e os equívocos do atual – ajuste conservador, arrocho, desemprego, corte de recursos para áreas sociais, aumento de tarifas públicas e supressão de direitos –, estão na base do impasse multilateral que assola o País. Todavia, nem mesmo diante das enormes concessões oficiais que lhe foram e estão sendo feitas o capital monopolista-financeiro e seus representantes se dão por satisfeitos: exigem cada vez mais.
Nesse quadro complexo, as forças reacionárias de dentro e de fora do Brasil aprofundam o cerco e o ataque à Presidência da República. Seu objetivo é explícito: assumir o controle imediato do Palácio do Planalto e colocá-lo aberta e diretamente ao serviço dos interesses antinacionais, antidemocráticos e antipopulares. Como o proletariado combate dentro de um período de defensiva estratégica, faz-se necessário garantir as posições e conquistas alcançadas até hoje, que se encontram ameaçadas pela direita.
A interrupção do mandato de Dilma Rousseff pelas forças conservadoras significaria um dos maiores retrocessos políticos da história brasileira. A Refundação Comunista – com autoridade de estar fora do campo situacionista – alerta aos comunistas, bem como aos partidos, forças e movimentos socialistas, revolucionários, democráticos e populares, além de todos os militantes e ativistas, para a importância de barrar tal plano. O rechaço ao impeachment, a mobilização contra a política econômica e a luta pelos direitos sociais são a tarefa central da conjuntura.
Para tanto, é preciso manter distância de qualquer atividade ou iniciativa que – sob qualquer pretexto, direta ou indiretamente – fortaleça ou mesmo se confunda com a direita e seu movimento para sabotar o atual governo federal e afastar a Presidente. O caminho da esquerda é outro: demarcar com a oposição burguesa-conservadora e unir as forças do povo na construção de uma ampla frente de unidade popular.
Belo Horizonte, 15 de setembro de 2015,
Comissão Política Nacional da Refundação Comunista – Brasil
80 anos da Insurreição Democrática e Nacional-libertadora de 1935
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário