sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Eleitores sertanejos merecem respeito



 

Não faltam matérias ridicularizando os nordestinos, sobretudo os do interior, por pronunciarem “errado” o nome do candidato do PT, Fernando Haddad, que lidera as pesquisas em sete estados da região. A intenção parece ser a de desqualificar a preferência desses eleitores, que não saberiam nem em quem estão votando, segundo os jornais. O carisma de Lula é que conduziria o voto daqueles que, como dizia Pelé na ditadura militar, não saberiam votar. 

Esse viés arrogante não passou despercebido da cientista política Maria Hermínia Tavares de Almeida, que escreveu ontem em sua coluna na Folha: “É míope quem atribui o extenso e duradouro apoio a Lula entre a maioria dos pobres à mera ilusão produzida por um prestigiador populista. Tem motivos bem racionais para gostar de Lula o eleitor do município onde a eletricidade só chegou na última década do século passado, com o Luz para Todos, e cujo filho foi o primeiro negro da família a entrar na universidade, graças ao Prouni e à política de cotas, assim como aquele que passou a trabalhar com carteira assinada ou tem a proteção mínima do Bolsa Família.”

Nada mais verdadeiro para quem, como eu, acaba de voltar do interior do norte da Bahia, onde o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) está entre os mais baixos do Brasil. No município de Sento Sé, onde estive, o IDH-M passou de 0,387 em 2000 para 0,585 em 2010. Ainda considerado baixo, mas um salto evolutivo em dez anos que é bem real para todos que ali vivem. 

Para ficar em um exemplo, trago aqui uma das personagens que melhor representa a fortaleza e a doçura que conheci no sertão do São Francisco. Dona Mitô, 81 anos, negra, moradora do Rancho do Nego, que encontrei tomando ar em frente à sua casa em uma tarde típica da estação da seca: 39 graus de temperatura, menos de 20% de umidade do ar.

Gentil, como todos que ali conheci, dona Mitô fez questão de nos oferecer “água da geladeira”, que para ela representa toda a riqueza de sua vida atual. “Pari 13 filhos sozinha, criei mais quatro dos outros, caminhando léguas para buscar água na cacimba. Já imaginou quanta fralda pra lavar? Hoje o meu sertão é essa maravilha, água de poço, água de cisterna e luz! Os meus sonhos se realizaram”, diz, o sorriso brilhante no rosto miúdo, castigado pelo sol.

São os fatos, e não a mística, que determinam os votos dos mais sofridos no país da desigualdade de vida e expectativas, como alerta a cientista social. Há realidades mais potentes do que as notícias dos jornais. Todo respeito ao povo de dona Mitô.

Mariana Amaral, codiretora da Agência Pública

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