Em meio ao ruído ensurdecedor dos áudios de Bolsonaro a Bebbiano, passou quase despercebida a referência a uma viagem para a Amazônia, cancelada em tom irritado pelo presidente: “Ô Bebianno, essa missão não vai ser realizada. Eu não quero que vocês viajem, por quê? Vocês criam a expectativa de uma obra, aí vai ficar o povo todo me cobrando. Isso pode ser feito quando nós acharmos que vai ter recurso, que vai ser aprovado etc. Então essa viagem não se realizará, tá ok?”.
O então ministro Bebbiano iria a Santarém, no Pará, para anunciar um pacote de obras na Calha Norte da Amazônia: uma ponte sobre o rio Amazonas, em Óbidos; uma hidrelétrica no Rio Trombetas; e o prolongamento da BR-163 de Santarém até o Suriname, abrindo a floresta amazônica em uma das regiões onde ela está mais preservada. Ali estão localizadas quatro Terras Indígenas, oito Terras Quilombolas e cinco Unidades de Conservação Ambiental.
O cancelamento da viagem não significa o fim do projeto, menina dos olhos do general Maynard Santa Rosa – o secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência que trabalha em conjunto com o Ministério da Defesa para reviver o Projeto Calha Norte, de 1985. Ele será alvo de medida provisória a ser lançada ainda nos cem primeiros dias de governo.
O general Santa Rosa – exonerado no governo Lula de um cargo de chefia no Exército depois de qualificar a Comissão da Verdade de “comissão da calúnia integrada por fanáticos” – mantém a visão da ditadura também em relação à Amazônia, sintetizada no lema “integrar, para não entregar”. Além de grandes obras de infraestrutura e expansão da cadeia de alumínio – que já causa danos irreparáveisàs comunidades e ao ambiente-, Santa Rosa continua apelando para a paranoia xenofóbica como faziam os militares há mais de 40 anos. Só atualizou o alvo: agora ele quer “quebrar o braço nacional do movimento [indigenista-ambientalista internacional]”, segundo ele, controlado por ONGs estrangeiras.
Se está mesmo preocupado com a presença internacional na Amazônia, o general poderia começar por fiscalizar as multinacionais da mineração – como as produtoras de alumínio que tanto prejuízo trazem às comunidades do Pará. E depois pedir uma ajuda para a ministra Damares – que também estava escalada para a viagem – para controlar as ONGs evangélicas internacionais na Amazônia, que acumulam de ações ilegais em relação aos indígenas a contratos milionários com o governo, e contam com bases aéreas próprias para circular livremente pelo sacrossanto território nacional.
Marina Amaral, codiretora da Agência Pública
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