quarta-feira, 17 de junho de 2020

A FIOCRUZ NA MIRA DO BOLSONARISMO

Por MALU GASPAR - Via Revista Piauí
Em áudio enviado a aliados, secretária do Ministério da Saúde indica que governo planeja interferir nas próximas eleições da Fundação – onde “tudo envolve LGBTI”

Os embates em defesa do uso da cloroquina e pelo fim do isolamento social não são os únicos a que o governo Bolsonaro está disposto para fazer valer suas teses sobre a gestão do sistema de saúde pública do Brasil. O grupo que hoje comanda o ministério tem como objetivo interferir na direção da Fundação Oswaldo Cruz, uma das principais instituições de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias para a saúde, e na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, que regula e autoriza as pesquisas científicas no Brasil. É o que indica um áudio enviado pela secretária de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde, Mayra Pinheiro, a aliados no ministério, sobre as polêmicas envolvendo os dois órgãos. O áudio, a que piauí teve acesso, começou a circular entre gestores do setor de saúde no início de maio. Tudo indica que tenha sido gravado em 2019.  A secretária é hoje uma das principais dirigentes do ministério e das mais alinhadas ao bolsonarismo. Na gravação, ela diz que a gestão da Fiocruz é pautada por questões relativas às minorias e que a fundação tem um “pênis” na porta de sua sede. “Tudo deles envolve LGBTI. Eles têm um pênis na porta da Fiocruz, todos os tapetes das portas são a figura do Che Guevara, as salas são figurinhas do Lula Livre, Marielle vive.”  


Não há nenhuma figura de pênis na entrada da fundação, tampouco tapetes com a imagem de Che Guevara, nem envolvimento institucional com campanhas pela libertação de Lula ou com debates sobre a morte da vereadora carioca. Mas, para Pinheiro, essas são razões pelas quais seria preciso intervir nas eleições para a direção da instituição, que a cada quatro anos elege uma lista tríplice pelo voto direto dos funcionários e pesquisadores com mais de um ano de casa.  A lista é encaminhada ao presidente da República, que, por tradição, nomeia o mais votado.  “Ano que vem a Fiocruz vai ter eleição, e o que a gente tem de começar a fazer é acabar com essa influência do Conselho Nacional da Saúde, que vaia o presidente, vaia deputado, vaia todo mundo que é contra as medidas de esquerda, e tirar da Fiocruz o poder de direcionar a Saúde no Brasil”, diz a secretária.  

A Fiocruz é presidida pela professora e pesquisadora Nísia Trindade, que avalia disputar mais um mandato em eleições a serem realizadas no final deste ano. No áudio, Pinheiro conta que, em 2016, fez campanha contra a nomeação de Trindade, que havia sido eleita com quase 60% dos votos. “Da última vez ainda foi no governo do PT, e o senador Tasso (Jereissati) foi uma das pessoas que endossou o nome dessa mulher aí. Foi uma guerra para convencê-lo, e a gente não conseguiu”, conta a secretária.  Na verdade, Trindade foi nomeada para a direção da Fiocruz por Michel Temer, que realmente cogitou escolher a segunda mais votada, Tânia Cremonini de Araújo-Jorge. Acabou desistindo por pressão de funcionários e políticos de vários partidos. 

Do ponto de vista político, a Fiocruz é um enclave importante para o Ministério da Saúde. Tem um orçamento de quase 4 bilhões de reais e duas fábricas, uma de vacinas e outra de remédios, além de dezesseis unidades de ensino e pesquisa espalhadas pelo Brasil.  Só para a pandemia, a Fiocruz recebeu mais 400 milhões de reais para a construção de um hospital para atender os doentes de Covid-19. Além disso, vem conduzindo testes para detecção do vírus para o sistema público e pesquisando vacinas contra o vírus, e seus pesquisadores participam de variados estudos clínicos envolvendo tratamentos para a doença. No final de abril,  um desses estudos, realizado em Manaus, concluiu não haver evidências de que o uso da cloroquina faz diferença no tratamento do coronavírus. Os pesquisadores foram atacados nas redes sociais (inclusive pelos Bolsonaro) e passaram a andar com escolta policial.  Até a saída de Nelson Teich, a relação entre a fundação e a cúpula do ministério era colaborativa e até próxima. A irmã do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, Maísa, é inclusive pesquisadora da fundação. A chegada dos militares inaugurou um período de maior tensão. Além do mal-estar em razão do estudo sobre a cloroquina, prioridade absoluta na política do governo federal para o combate à pandemia,  não foi bem recebida a nota que a  Fiocruz divulgou no início de maio apoiando o isolamento social no Rio de Janeiro. A Fiocruz afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que não vai se pronunciar sobre o áudio e, em  nota, disse estar concentrando esforços em pesquisas e testes no enfrentamento da Covid-19.  Procurada pela piauí, a assessoria da secretária no Ministério da Saúde não se pronunciou até 15h

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