Representatividade de negros no setor é de apenas 3%, segundo Ministério Público do Trabalh
O incômodo de trabalhar com equipes apenas de pessoas brancas ou com uma única pessoa negra e as dificuldades de conseguir espaço no mercado publicitário impulsionam jovens negros a criar suas próprias agências.
Foi o que deu origem ao Gana, projeto formado por seis publicitários negros há um ano. O coletivo, com foco em conteúdo, podcast, design e audiovisual, tenta mostrar como a diversidade pode ampliar o olhar e apresentar reflexos na qualidade dos produtos finais.
"O nome que a gente quer não é agência. Queremos trabalhar outros formatos, somos mais um estúdio de criatividade", explica Ary Nogueira, 41, um dos responsáveis pelo Gana.
O grupo tem quatro clientes frequentes e outros projetos pontuais e se propõe a "pensar o futuro da propaganda com um espaço que é conquistado, e não cedido", afirma Ary, que é diretor de arte.
Do portfólio eles destacam trabalhos com a Boogie Naipe –produtora que administra a carreira dos Racionais MC's–, Oliver Press, Ponte Jornalismo e a Trace TV, que chegou recentemente ao Brasil.
"Falamos as diversas línguas das periferias do Brasil porque crescemos nelas. Conhecemos as estratégias para conversar com o público negro porque somos esse público. E somos maioria no país. Nossa cultura cria ideias que correm o mundo", diz o texto de apresentação da agência.
Em setembro de 2019, grandes agências de publicidade do país celebraram um acordo com o Ministério Público para a inclusão de jovens negros universitários em seus grupos de colaboradores.
"A representatividade desses profissionais no setor é de 3%", diz Valdirene de Assis, procuradora do Ministério Público do Trabalho em SP e coordenadora do Projeto Nacional de Inclusão de Jovens Negros Universitários. Mas ela diz já ver progressos.
"As inclusões estão acontecendo. Além disso, o produto que a publicidade tem entregado para a nossa sociedade está mais diverso do ponto de vista étnico-racial."
Segundo a procuradora, o setor de publicidade foi selecionado não só pela pequena representatividade de profissionais negros mas também "pelo poder de persuasão que a publicidade exerce no público em geral". "Infelizmente não podemos dizer ainda que a população negra consegue se enxergar na publicidade que é apresentada no Brasil."
Foi justamente essa invisibilidade que inspirou os criadores do Mooc (Movimento Observador Criativo), cinco anos atrás.
"Já fizemos trabalhos com Facebook, Ambev, Faber Castell e Avon", diz Kevin David, 26, um dos sócios da agência. "A gente quis contar nossas histórias. A Mooc surgiu porque não não nos víamos, não nos sentíamos representados", diz o jovem, que também é diretor de criação.
"A mudança é muito tímida ainda, mas há melhora aos poucos. Se a maioria da população é negra, por que isso não aparece nas agências?", questiona Levis Novaes, 28 anos, outro sócio da Mooc. "Queremos uma diversidade de forma autêntica."
Outra preocupação dos sócios é com o suporte dado aos jovens negros depois que entram nas agências. "Não estão contratando o preto por acreditarem que ele é bom, estão só querendo cumprir sua cota na empresa. O quanto você está disposto a ajudar acelerar esse profissional, ajudar a evoluir?", questiona Kevin.
O publicitário Felipe de Souza Silva, 37, redator na Y&R, decidiu criar um projeto que pudesse ajudar a capacitar os jovens que sonham em entrar na área publicitária.
"A Escola Rua surgiu da minha experiência como homem preto e periférico na criação. Não fiz faculdades de elite, não tive dinheiro para cursos caros de criatividade. Levei quase diz anos para ver outro negro na criação de uma agência em que trabalhava", diz Felipe. "Então, pensei em criar uma escola de criatividade. No mesmo modelo das mais caras, mas voltada para o público preto, periférico, feminino e LGBT."
O curso, que é grátis, contou com o apoio da Y&R e formou em 2019 a primeira turma de 12 alunos, dos quais 9 estão empregados em grandes agências.
"Acho que coletivos são formas potentes de atuar no mercado. Não são apenas uma forma de inserir pessoas negras, mas de trazer protagonismo para nosso trabalho."
Criada por Ricardo Silvestre, a Black Influence tem foco em personalidades digitais. "É uma agência especializada em influenciadores e criadores de conteúdo pretos ou periféricos. Nosso objetivo é conectar esses perfis às marcas para ajudá-las a se comunicarem de maneira saudável e assertiva com a comunidade."
O publicitário de 24 anos deu início ao projeto um ano atrás. Tem dois funcionários e contrata freelancers conforme surgem clientes. A maioria dos colaboradores é negra.
"Já trabalhei em algumas das maiores agências de propaganda do Brasil, e nelas eu sempre fui um dos únicos profissionais pretos. Em uma das minhas últimas passagens por esses lugares, eu tive um 'burnout' decorrente de situações preconceituosas e ambientes tóxicos. Foi quando eu decidi empreender", diz o criador da Black Influence.
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