sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Gulabi Gang, autodefesa indiana contra o machismo


 
Via   Opera Mundi  por Luis A. Gómez 

Em país marcado pela violência de gênero, grupo de 270 mil mulheres exige respeito, dirime conflitos e dissuade, com grandes bastões, mais espancamentos. Num país com altíssimo índice de violência de gênero, um grupo de 270 mil mulheres exige respeito, dirime conflitos e dissuade, com seus grandes bastões, mais espancamentos 

Em uma região cheia de histórias, entre o Taj Mahal e a milenária cidade de Varanasi, milhões de mulheres têm sido espancadas, humilhadas e caladas à força no estado hindu de Uttar Pradesh. Ali, a violência contra mulheres no âmbito doméstico ultrapassa a média nacional da Índia (38% das mulheres sofreram algum tipo de abuso físico ou sexual, de acordo com a Terceira Pesquisa Nacional Sobre Saúde Doméstica, de 2006). Quase metade dos homens confessou ter abusado sexualmente de sua esposa alguma vez. No distrito de Bandha, no sul do Estado, as taxas são as mais altas. Mas não foi assim na comunidade de Atarra, onde Sampat Pal Devi, casada aos 12 anos de idade com um amável vendedor de sorvetes e mãe aos 15 anos, um dia decidiu “devolver o favor” ao marido abusivo de uma conhecida.

Quando tinha 16 anos, Sampat viu um homem espancando sua esposa em Atarra. Pediu ao homem que parasse, mas não conseguiu. No dia seguinte, acompanhada de um grupo de mulheres que conseguiu reunir, bateu no homem. Isso aconteceu em 1980 e foi o começo de um movimento que inspira mulheres em todo o mundo.

Hoje com 51 anos, ela comanda pouco mais de 270 mil mulheres vestidas com saris rosas e armadas com lathis (bastões de madeira de um metro e meio de comprimento). O grupo, conhecido como Gulabi Gang (Gangue de Rosa), a segue por todas as partes, mediando conflitos domésticos, arrumando casamentos, denunciando a corrupção de burocratas e, se necessário, usando lathis para revidar abusos.

“Normalmente prefiro usar a razão”, afirma Sampat. “É melhor convencê-los a fazer o correto. Quase nunca tivemos de chegar a usar a violência”. De toda forma, a Gulabi Gang se organiza quase militarmente (com comandantes e muitas sessões de treinamento para a autodefesa). E, desde 2006, usam como uniforme o sári cor-de-rosa (na verdade, magenta). Mas não é uma referência particular à feminilidade. “Queríamos ter algo que não tivesse relação com os partidos [políticos] e nenhum usa rosa. Por isso escolhemos essa cor”, explica sem pressa Pal Devi.  Justiceiras ou necessárias?

Elas foram acusadas de justiceiras, de fazer justiça com as próprias mãos. E o comando onipresente de Sampat foi criticado muitas vezes. Entretanto, em Uttar Pradesh é complicado confiar na polícia, definida por um juiz da Corte Superior de Distrito do Estado como “a maior organização criminosa do mundo”. De toda forma, explica Sampat, as mulheres da Gulabi Gang querem estar “do lado luminoso da lei”, mesmo que seja forçando os agentes a cumpri-la.

Nem tudo se resume a um grupo de autodefesa. Algumas doações começaram a ser usadas para outras atividades. Em 2010, as mulheres de rosa criaram uma escola para os filhos das castas mais baixas e os povos indígenas do país. Sampat quer que a nova geração tenha uma educação melhor do que à que ela teve acesso, tendo de aprender sozinha a ler e a escrever. “As mulheres das comunidades têm de estudar e se tornar independentes para decidir suas vidas”, disse ao The Guardian na ocasião. Sampat treina combatente do grupo em cena do documentário “Gulabi Gang”

Em sua luta para evitar matrimônios infantis, capacitam jovens a usar máquinas de costura. Assim, transformadas em trabalhadoras autônomas, produzem dinheiro e seus pais não querem que se casem, pelo menos não antes dos 16. Também existe o negócio de pequenos pratos feitos com folhas de árvore, que Prema Rambahori organizou com apoio da Gulabi Gang em um território salpicado de pequenas comunidades indígenas. Populares em festas e bodas, os pratos dão trabalho, hoje, a mais de 200 mulheres diariamente.

Claro que Sampat e suas companheiras são mais notórias visitando casas e resolvendo injustiças. Como a boda negada em um pequeno povoado muçulmamo onde Sampat, por horas, discutiu os pormenores do compromisso a pedido da noiva. “Sampat nunca é injusta. Sampat não maltrata sem motivo. Venham falar comigo”, disse a comandante ao chegar. Ela permaneceu até que se realizou o casamento com a aprovação das autoridades comunitárias, ao fim do dia, comovendo o pai da menina a aceitar todas as condições.

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