segunda-feira, 14 de julho de 2025

Por que o Brasil está perdendo a oportunidade de liderar a COP30 pelo exemplo


Via Nexo Políticas Públicas por Carlos Alfredo Joly *

Como anfitrião da COP30 em Belém do Pará em 2025, o Brasil se encontra em um momento crucial em sua trajetória ambiental e geopolítica. Com os olhos do mundo voltados para a Amazônia e a liderança climática global em tela, o Brasil tem uma chance única de dar o exemplo em ações climáticas e desenvolvimento sustentável. No entanto, as crescentes contradições entre retórica e realidade estão colocando essa oportunidade em risco

A COP30 (Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), prevista para ocorrer em Belém do Pará em novembro de 2025, carrega grande expectativa global, especialmente por marcar um momento-chave de revisão e intensificação de compromissos climáticos. No entanto, o contexto internacional instável, e a dicotomia do governo brasileiro entre aqueles que visam o crescimento persistindo no modelo do século passado, e aqueles que visam o desenvolvimento do país adotando um novo modelo de relações com a natureza, colocam em risco o protagonismo esperado do evento e do Brasil na agenda climática global.

No contexto internacional a intensificação de conflitos geopolíticos – como a guerra na Ucrânia e o agravamento das tensões no Oriente Médio – tem deslocado a atenção de líderes globais e recursos financeiros para prioridades militares e de segurança imediata. Essa situação é agravada pela rivalidade geoestratégica entre os Estados Unidos e a China. Já no plano nacional, destacam-se diversos fatores, discutidos a seguir.

A promessa do Brasil de zerar o desmatamento até 2030 está comprometida pela contínua expansão agropecuária, pela fraca aplicação das leis ambientais e por ameaças legislativas, como a aprovação do Projeto de Lei 2159/2021, conhecido como Lei Geral do Licenciamento Ambiental, o maior retrocesso na legislação brasileira de proteção ambiental nos últimos 50 anos.

A expansão agropecuária, que poderia se dar através da recuperação de áreas já degradadas, tem sido feita, majoritariamente, às custas da conversão de novas áreas ocupadas por vegetação nativa na Floresta Amazônica e no Cerrado. Essas inconsistências enviam sinais contraditórios à comunidade internacional e enfraquecem a credibilidade do Brasil como líder climático.

Além disso, projetos de infraestrutura e atividades extrativas em áreas sensíveis — incluindo a abertura e/ou asfaltamento de estradas, hidroelétricas e barragens e, mais recentemente com a exploração de petróleo e gás perto da foz do rio Amazonas — destacam um modelo de desenvolvimento ainda fortemente dependente de práticas prejudiciais ao meio ambiente. Essas decisões contradizem as expectativas globais para um país anfitrião de uma cúpula climática e levantam dúvidas sobre o verdadeiro compromisso do Brasil com um futuro de baixo carbono.

Para que a COP30 cumpra seu papel histórico, será necessário que o Brasil atue com firmeza diplomática, demonstrando liderança consistente e compromissos internos alinhados com a mudança transformadora que afirma defender

O ritmo lento da transição energética é outra preocupação. Embora o Brasil se beneficie de uma matriz energética relativamente limpa, seus investimentos contínuos em combustíveis fósseis — especialmente na exploração de petróleo em alto mar — entram em conflito com os objetivos declarados pelo país de liderar a descarbonização. Sem um plano claro e ambicioso para eliminar os subsídios aos combustíveis fósseis e ampliar a inovação para renováveis, o Brasil corre o risco de ficar para trás em relação aos padrões que a COP30 busca promover.

No Congresso Nacional tramitam mais de 200 Projetos de Lei que extinguem, reduzem ou alteram o nível de proteção de diversas Unidades de Conservação, muitas vezes com o objetivo de liberar essas áreas para atividades como agropecuária, garimpo e mineração. E contraste com a rapidez da aprovação da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, o maior retrocesso ambiental dos últimos 50 anos, a implementação efetiva da Lei Brasileira de Proteção da Vegetação Nativa (Lei nº 12.651/2012), permanece incompleta por falta de empenho e vontade política mais de uma década após sua aprovação. Embora essa lei tenha modernizado e esclarecido as regras sobre o uso da terra e a conservação e restauração de áreas de vegetação nativa, persistem lacunas importantes na execução, prejudicando seu potencial de conciliar a produção agrícola com a proteção ambiental.

A comunidade científica internacional clama por um forte posicionamento do Brasil contra os combustíveis fósseis. Na 62ª Sessão dos Órgãos Subsidiários de Aconselhamento Científico e Tecnológico/SBSTA e de Implementação/SBI da Convenção sobre Mudanças Climáticas/UNFCCC que ocorreu em Bonn de 16 a 26 de junho 2025, última preparação para a COP30, os cientistas entregaram ao Embaixador André Aranha Corrêa do Lago, Presidente da COP30 a seguinte carta “Senhor Presidente, o Brasil já é um líder em energia renovável, com quase 90% de sua eletricidade proveniente de fontes limpas. O país também abriga uma vasta riqueza natural — florestas, rios, biodiversidade — que pode servir de base para uma transição global rumo a um futuro justo e resiliente. Com sua liderança na COP30 e no BRICS, o Brasil tem a oportunidade de definir o que significa ser um líder climático no século 21 e inspirar outros países a se juntarem a essa missão.” Essas reuniões de junho em Bonn, onde fica o Secretariado da UNFCCC, moldam a agenda e orientam as principais decisões políticas a serem tomadas nas COPs que acontecem no final de cada ano.

Não é coincidência que, repetindo o que aconteceu no último dia da COP28 em Dubai, a ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), realizou o novo “leilão do fim do mundo”, que inclui 19 blocos na foz do Amazonas, ao mesmo tempo que ocorria a SB62 de Bonn, onde o Brasil tenta liderar os demais 197 países membros para uma transição energética.

Para que a COP30 cumpra seu papel histórico, será necessário que o Brasil atue com firmeza diplomática, demonstrando liderança consistente e compromissos internos alinhados com a mudança transformadora que afirma defender. Isso significa acelerar a proteção florestal em todos os biomas, acabar com a expansão dos combustíveis fósseis, apoiar meios de subsistência sustentáveis e honrar os direitos das comunidades tradicionais. Sem essas mudanças, o Brasil pode sediar a conferência, mas não liderar o mundo.

*Carlos Alfredo Joly é professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e Coordenador da BPBES (Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos). Foi Co-chair do MEP (Painel Multidisciplinar de Especialistas) da IPBES (Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos). Atua na interface entre ciência e política, especialmente na área de conservação, restauração e uso sustentável da biodiversidade

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