segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Às vésperas da COP30, avenida em Belém é alvo de ação por impactos a comunidade

 


Via
Carta Amazônia

Defensoria pede que construção da Avenida Liberdade seja interrompida por ignorar ribeirinhos e desmatar área protegidas 

Faz pouco mais de um ano que ribeirinhos de uma comunidade próxima a Belém dizem viver no caos. A construção da Avenida Liberdade, obra do governo do Pará para melhorar o trânsito de entrada e saída da região metropolitana da capital, já destruiu pés de açaí que davam sustento às famílias, cortou terrenos ao meio e inviabilizou o acesso ao ramal e ao igarapé antes usados para entrar e sair da comunidade, dizem os moradores.

A capital do Pará recebe em novembro a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, a COP30, o mais importante evento da agenda climática internacional e que deve discutir ações de combate às mudanças no clima.

“Peixe, camarão e todos os mariscos do rio, acabou. Com a chuva, toda a terra da obra desceu pra dentro do igarapé, ficou tudo destruído. Água para nós tomarmos banho não tem. Não temos mais água potável”, afirma Danielson Costa, presidente da associação local que representa os pequenos produtores rurais e pescadores artesanais. “Vivemos um caos e sem nenhuma resposta [do governo]”, acrescenta.

No domingo, 20 de julho, a Defensoria Pública do Estado do Pará entrou com uma ação civil contra o governo para pedir que as obras na área da comunidade sejam interrompidas até que o estado realize a consulta e cadastro das famílias e elabore estudos dos impactos provocados pela construção.

O órgão também pede que os ribeirinhos recebam pagamento por perdas e danos e que o governo reconheça a posse coletiva da terra e faça a regularização fundiária dos moradores da comunidade Nossa Senhora dos Navegantes, uma área de 308 hectares, cerca de 431 campos de futebol, dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) de Belém, às margens do rio Guamá. Avenida Liberdade foi criticada como “estrada da COP”, mas projeto é anterior ao evento

A Avenida Liberdade é uma via expressa, com quatro faixas e 13,4 quilômetros de extensão, apresentada pelo governo do Pará como uma alternativa à BR-316, para melhorar o trânsito na entrada e saída da região metropolitana de Belém. Segundo o governo, a obra beneficiará 2 milhões de pessoas, “com redução no tempo de deslocamento”, o que representaria “17,7 mil toneladas a menos de CO² por ano com a redução do uso de combustíveis fósseis”. A 

estrada é planejada desde 2020 pelo governo estadual, que já afirmou que ela não faz parte do pacote de investimentos federais e estaduais para a COP 30. De fato, a primeira licença ambiental do empreendimento foi pedida em junho de 2023, meses antes da capital paraense ser confirmada como sede da conferência climática da ONU.

Ainda assim, a mobilidade urbana é um dos desafios para a realização do evento em Belém que reunirá representantes e milhares de pessoas de mais de 190 países. A previsão é de que a Avenida Liberdade seja entregue até o final de outubro – a tempo, portanto, da conferência.

Obra afeta sustento de ribeirinhos

Cerca de 250 famílias vivem na comunidade Nossa Senhora dos Navegantes – várias há mais de cinco décadas. Até o início das obras, em junho de 2024, elas viviam do extrativismo de açaí, agricultura de subsistência e pesca tradicional de peixe e camarão, além de benefícios governamentais de distribuição de renda.

As obras de terraplanagem, porém, levaram à perda de áreas de moradia, do extrativismo do açaí e afetaram um igarapé, conforme aponta a ação judicial.

A Defensoria afirma que o Estado do Pará não fez um cadastro socioeconômico das famílias para calcular as devidas indenizações, não elaborou laudos de avaliação das áreas diretamente impactadas pela obra e não realizou um plano de regularização fundiária dos ribeirinhos na APA

“Tudo isso gerou a perda da posse, da atividade agrária e danos ambientais e climáticos, que impactaram o extrativismo desenvolvido por membros da comunidade”, diz a ação do órgão.

“Desmataram cem metros de largura do açaizal”, diz Danielson, da associação de produtores e pescadores. “E ninguém foi indenizado. Não falaram quanto vão indenizar e nem quando. Mas o certo era terem primeiro levantado quantos pés tinha no açaizal antes de desmatar”.

A Defensoria aponta que essas medidas não foram tomadas, apesar de haver recursos financeiros específicos previstos no planejamento da obra: R$ 4 milhões para desapropriações e R$ 15 milhões para ações de mitigação dos impactos sociais.

Questionado pela Pública, o governo do Pará disse que “o processo de indenização está em andamento, conforme previsto nas condicionantes ambientais, com tratativas em curso para análise individual dos casos”. Tudo isso gerou a perda da posse, da atividade agrária e danos ambientais e climáticos, que impactaram o extrativismo desenvolvido por membros da comunidade”, diz a ação do órgão.

“Desmataram cem metros de largura do açaizal”, diz Danielson, da associação de produtores e pescadores. “E ninguém foi indenizado. Não falaram quanto vão indenizar e nem quando. Mas o certo era terem primeiro levantado quantos pés tinha no açaizal antes de desmatar”.

A Defensoria aponta que essas medidas não foram tomadas, apesar de haver recursos financeiros específicos previstos no planejamento da obra: R$ 4 milhões para desapropriações e R$ 15 milhões para ações de mitigação dos impactos sociais.

Questionado pela Pública, o governo do Pará disse que “o processo de indenização está em andamento, conforme previsto nas condicionantes ambientais, com tratativas em curso para análise individual dos casos”. Edição: Bruno Fonseca 

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Foto de capa: Marcelo Souza/ Ag, Pará 

Reportagem publicada originalmente na agência Pública

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