Via Observatório do Clima por Rodrigo Vargas – Coordenadora global da DCJ (Campanha para Demandar Justiça Climática), uma rede com mais de 250 organizações ligadas a temas de clima e direitos humanos e uma das duas redes de ONGs ambientais que integram os observadores da Convenção do Clima da ONU, a indiana Rachitaa Gupta está habituada a contornar desafios logísticos para fazer a sociedade civil marcar presença em fóruns internacionais
Nas últimas três COPs, realizadas no Egito, Emirados Árabes e Azerbaijão, essa capacidade de adaptação foi testada como nunca. Além dos custos elevados de alimentação e hospedagem, também era preciso lidar com anfitriões autocratas, avessos a manifestações de rua
O que ela não poderia imaginar é que a escolha de Belém traria barreiras ainda mais severas à participação dos movimentos socioambientais do planeta, especialmente os do chamado Sul Global
A menos de 100 dias do evento, afirma ela, mais de 80% dos possíveis representantes da rede não conseguiram solucionar a logística básica do evento, principalmente em razão dos preços exorbitantes de hospedagem. “Isso nunca aconteceu antes”, diz. “Para nós, o problema com o Brasil é que sabemos que o país está na presidência há dois anos. Teve muito tempo para tornar Belém uma cidade acessível para a sociedade civil.”
A plataforma lançada pelo governo, que supostamente traria opções a preços justos, chegou com três meses de atraso e diárias mínimas em torno de US$ 300 (R$ 1.630, segundo a cotação mais atualizada). A responsabilidade por toda a infraestrutura e logística da COP está a cargo da Casa Civil da Presidência da República, que criou uma estrutura própria para a conferência, a SECOP
Em entrevista ao OC, Gupta relatou os resultados frustrantes de uma reunião recente com a presidência da COP na qual, segundo ela, foram sugeridos alojamentos coletivos em escolas e barracões da cidade
Ela criticou ainda o que identifica como contaminação do evento pela agenda política interna do governo federal. compartilhar cinco, seis camas juntas com apenas um banheiro por um período de três semanas pelo menos. E a presidência simplesmente não parece aceitar isso.
NEGOCIAÇÕES COM A PRESIDÊNCIA
Na última ligação, a presidência novamente se comprometeu a trabalhar, mas nossa avaliação até agora, pelo que estamos ouvindo no terreno, é que não importa o que a presidência faça, parece que ela será incapaz de apresentar acomodações que funcionem para a sociedade civil. No passado, todos os países anfitriões insistiram que não podem controlar os preços dos hotéis porque a acomodação é privada e está sujeita a certas leis de turismo e tudo mais. Mas sabemos que os governos podem disponibilizar acomodações, podem trabalhar com a indústria do turismo ou a indústria hoteleira e disponibilizar muitos desses espaços. Um outro ponto que levantamos este ano também é para disponibilizar alimentos limpos, seguros, acessíveis, higiênicos e nutritivos dentro do local e, até agora, a presidência não se comprometeu com nada disso. Quando se trata de logística, parece que estamos sendo cada vez mais descartados como prioridade nos últimos anos. E este ano parece especialmente sério com esta presidência. Porque tivemos várias conversas e toda vez que levantamos um problema não recebemos nenhuma medida concreta até agora.
COP E POLÍTICA
Está parecendo que a presidência está usando esta COP como uma plataforma política para o atual presidente brasileiro e seu partido para as próximas eleições. Acreditamos que é completamente injusto usar um espaço internacional de política climática como a COP, onde toda a capacidade e recursos precisam ser dedicados a realmente lutar contra as mudanças climáticas a realmente reunir recursos para encontrar soluções que nos permitam, como pessoas e como humanidade, lutar contra essa crise planetária realmente catastrófica. Esses eventos, esses espaços tão importantes de política climática, estão sendo usados pelas presidências para seus próprios ganhos políticos domésticos. E usar a COP nesse processo é simplesmente injusto para as pessoas que se engajam nesse processo e vêem a COP como um espaço que pode gerar ação climática.
UNFCCC OMISSA?
Temos trabalhado como secretariado da UNFCCC por anos para tornar a acomodação acessível uma parte do acordo de país anfitrião [host country agreement, como é conhecido em inglês]. E também gostaríamos de responsabilizar a UNFCCC neste processo porque nas últimas três COPs levantamos a questão da falta de acomodação acessível e o secretariado nunca interveio neste processo. Mesmo quando compilamos evidências para mostrar essa extorsão de preços descarada durante a COP, o máximo que o secretariado faz é apenas enviar essa informação para a presidência. Perdemos milhares de dólares no passado por causa de atos criminosos como aceitar e depois cancelar acomodações e tudo mais, e o secretariado não interveio para apoiar a sociedade civil de forma alguma. Estes são fundos que não podemos nos dar ao luxo de perder, e especialmente como sociedade civil no Sul Global, estamos realmente subfinanciados. Outra razão pela qual desta vez a acomodação está se tornando mais cara para nós é o custo geral de viagem para Belém. Para muitos de nós, a viagem para o Brasil é muito cara. E esse é um valor adicional que está sendo retirado de qualquer orçamento logístico que teríamos.
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