Via Folha de S.Paulo por Celso Rocha Barros*
Magistrado é o que traiu, o que se rendeu, o que encorajou Trump a impor mais tarifas.
Luiz Fux condenou os golpistas pobres que denunciaram seus chefes, como Mauro Cid, e absolveu os golpistas ricos e poderosos, como Bolsonaro e Garnier. Tudo o que disse em seu voto é mentira.
Fux mentiu que o STF não é o foro adequado para julgar Jair porque ele já deixou a Presidência. Na verdade, o foro privilegiado serve, entre outras coisas, para garantir que ex-presidentes não sejam soterrados por processos em primeira instância depois de deixarem seus cargos.
Fux mentiu que Jair e seus generais não constituíram organização criminosa porque não usaram arma de fogo. Segundo o ministro, os kids pretos que tentaram matar seu companheiro de corte Alexandre de Moraes pretendiam apenas sufocá-lo com excesso de amor. Fux também parece acreditar que Jair não propôs um golpe aos chefes das Forças Armadas, mas sim ao Itamaraty e a duas professoras de ioga que estavam passando ali na hora.
Fux mentiu que o crime de golpe de Estado foi apenas um meio para a realização do crime de abolição do Estado de direito, e que, portanto, as penas não devem ser somadas. Isso pode ser verdade em alguns casos, mas não no caso de Jair: ele implementou simultaneamente a estratégia Orbán de tentar castrar institucionalmente o STF (abolição) e, sobretudo, mas não apenas, depois de perder a eleição, a estratégia Pinochet de tomar o poder violentamente (golpe). As penas devem ser somadas.
Fux mentiu sobre a tentativa de golpe ter ficado apenas em estágios preparatórios. Isso se mede pela distância entre até onde os criminosos foram e o resultado final por eles esperado. A distância é de um monossílabo, o "não" de dois comandantes militares.
Fux mentiu quando comparou o 8 de Janeiro a Junho de 2013. Entre as várias diferenças, destaco a seguinte: os black blocs foram reprimidos pela polícia, porque o secretário de segurança pública não era um ex-ministro de seu líder.
Fux mentiu sobre o diagnóstico da revista The Economist, e de seu instituto de pesquisa, a Economist Intelligence Unit (EIU), sobre o estado da democracia brasileira. Disse que a matéria de um "freelancer" (foram, na verdade, um editorial e uma capa) na revista havia exaltado o Brasil como modelo de democracia, mas que a EIU havia rebaixado a nota da democracia brasileira por restrições às redes sociais, polarização, e, sobretudo, pelo golpe tentado por Jair Bolsonaro.
Fux, a Economist achou ruim o Jair tentar um golpe e achou bom ele ser julgado. Qual o problema?
Finalmente, Fux nos pediu que ouvíssemos o relato sobre os crimes dos outros acusados sem nunca lembrar que o objetivo era instaurar Bolsonaro como ditador. Nos pediu que tratássemos os fracassos dos criminosos como provas de sua inocência.
Toda a longa digressão de Fux sobre a democracia é baseada em autores que citam Bolsonaro como um exemplo de retrocesso democrático. Fux só os citou para ajudar os golpistas a fazerem cortes de vídeo que sugerissem que o Brasil é uma ditadura, já dando, assim, sua contribuição para os golpes do futuro.
Moraes falou a verdade, Fux mentiu, mas seus votos divergem também em outros aspectos. Moraes optou por citar pouca doutrina e listar uma avalanche de provas. Fux citava autores convulsiva e ineptamente, sem nunca determinar que raciocínio específico dos autores citados livrava Jair e sua quadrilha da cadeia.
Fux, sua biografia agora é só seu voto sobre o golpe. Você é só o que traiu, o que se rendeu, o que encorajou Trump a impor mais tarifas, o que estendeu por mais alguns anos a instabilidade política que tanto mal já fez ao país, o que fortaleceu os fascistas dentro da direita brasileira.
Todos os juristas brasileiros sabem disso, inclusive os que eventualmente mentirem para você que não sabem. Aproveite a Disney. *Analista do Banco Central, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra) e autor de "PT, uma História".
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