Tempos de Resistência
Em agosto de 1977, na igreja de Santa Terezinha, no bairro do Jurunas, em Belém, foi fundada a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH). Lavradores, profissionais liberais, funcionários públicos, estudantes, religiosos, operários da construção civil e gráficos ousaram criar uma organização não-governamental, em pleno período governado pelo general Ernesto Geisel, com o objetivo de resistir ao autoritarismo do regime militar. E ao mesmo tempo propagar e divulgar as bandeiras de lutas pela redemocratização do País.
Era o tempo das lutas pela anistia aos presos políticos, de liberdade de expressão e pens
amento. Tempo de discutir as propostas de assembléia nacional constituinte. Tempo de lutar pela liberdade de organização dos trabalhadores do campo e da cidade, numa região isolada e com uma população bastante dispersa.
Era também o tempo em que o governo dos generais controlava a vida de tudo e de todos. O aparelho de Estado, com seus tentáculos, formado por uma rede de segurança e informação, censurava a imprensa e bisbilhotava a vida dos cidadãos. Impedia as reuniões públicas e determinava o que os músicos podiam ou não gravar em seus discos, os artistas de encenar uma peça teatral ou exibir uma película.
A ditadura militar traçou uma geopolítica de ocupação da Amazônia, baseada na premissa de que era preciso ocupar “os imensos vazios demográficos”, aliada à doutrina da “segurança nacional”. E sem nenhuma preocupação ambiental, ampliou a rede de rodovias, com a abertura da Transamazônica, da Santarém-Cuiabá, que juntamente com a Belém-Brasília, construída no governo de Juscelino Kubitschek, formaram a grande rede fede
ral no Pará, acrescida pela abertura da estrada estadual PA-150, ligando Belém a Conceição do Araguaia, no sul do Estado.
Poder das oligarquias
Além dos caminhos dos rios, por onde teve início o processo de ocupação da Amazônia, a colonização dirigida pelo governo autoritário utilizou as estradas para deslocar imensas levas de trabalh
adores rurais, castigados pela seca do semi-árido nordestino e também colonos do sul do Brasil, comprimidos nos minifúndios no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.
Além dos que foram transferidos pelo poder público, a propaganda da época induzia à migração espontânea de camponeses pobres, que sonhavam com um pedaço de terra na Amazônia. Enquanto os pequenos eram atirados à própria sorte, enfrentando todos os tipos de doenças e de conflitos com as oligarquias tradicionais, que já ocupavam uma parte das terras, das águas
e da floresta, a ditadura criou os incentivos fiscais e transformou a antiga Superintendência de Valorização da Amazônia (Spevea) em Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Mudava o conceito. A periferia tinha que produzir para o centro-sul, onde estava o capital mais dinâmico.
E assim criou as condições para atrair à região grandes grupos econômicos, representantes do ca
pital financeiro, industrial e comercial. Para fugir da carga do Imposto de Renda, muitas empresas como Volkswagen, Bradesco, Bamerindus e Andrade Gutierrez implantaram projetos agropecuários e de colonização no Estado do Pará, sem nenhuma tradição nessa atividade. Substituíram árvores centenárias da floresta amazônica pelo capim, que passou a servir de pasto ao gado de corte. A madeira nobre era extraída e vendida, em tora, para o mercado do sul e sudeste brasileiro.
Foi nesse cenário que também se implantaram grandes projetos, ditos de desenvolvimento para a Amazônia, como a Zona Franca de Manaus, e a construção da hidrelétrica de Tucuruí, com objetivo de abastecer de energia a planta industrial do Projeto Carajás, o qual por sua vez demandou uma ferrovia, que inicia no sudeste do Pará e vai
até o porto de Itaqui, no Maranhão, onde o minério de ferro, bruto, é exportado para diversas partes do mundo.
Esses novos atores contribuíram para a intensificação do processo de expulsão das populações tradicionais para a periferia das cidades. Primeiro num processo violento de grilagem, depois pela pata do boi, e posteriormente pela pistolagem de jagunços, a serviço, principalmente, de madeireiros e pecuaristas.
A SDDH surge, portanto, em meio ao clamor dos que choravam a perda das terras e do ambie
nte de viver e produzir. Dos que foram expropriados pela barragem de Tucuruí, das lideranças de trabalhadores rurais, ameaçadas de morte, dos agentes pastorais, advogados e religiosos, que eram considerados inimigos da ditadura e de seus aliados.
Após um ano de funcionamento, tendo como seu primeiro presidente o advogado e ex-preso po
lítico Paulo Fonteles de Lima, a direção da SDDH decidiu criar um veículo de comunicação, com o objetivo de difundir as notícias que a grande imprensa, por conveniência, auto-censura e até mesmo por imposição da censura oficial, não publicava. As denúncias, sofrimentos e lutas dos que enfrentavam a nova ordem na Amazônia raramente eram publicadas.
O jornal “Resistência” desponta em 1978 e funciona regularmente até 1983 No editorial da primeira edição a publicação assume que tem um lado. E se coloca a serviço de todos os oprimidos e democratas que lutam pelo estado de direito. A sua marca era a frase “Resistir é o primeiro passo”, que vinha logo abaixo do título.Vários jornalistas, estudantes e assessores dos movimentos sociais integravam o núcleo que editava o jornal.
Papel da igreja
Embora a sede da SDDH funcionasse numa sala da casa paroquial da igreja católica Nossa Senhora Aparecidssem no expediente.
A primeira gráfica a imprimir o jornal foi a da Escola Salesiana do Trabalho, cujo chefe da oficina era o gráfico Paulo Rocha, que depois viria a se tornar presidente do Sindicato dos gráficos e deputado federal. Durante quatro edições, os que faziam o jornal não foram incomodados. Mas os órga, no bairro da Pedreira, em Belém, o jornal era diagramado na casa do editor ou de algum colaborador. O temor do empastelamento atormentava a todos os que faziam o jornal. Diagramadores que trabalhavam na grande imprensa não permitiam que seus nomes figuraãos de segurança já haviam dissecado cada linha das matérias e artigos, e esquadrinhado a identificação de autores de fotografias e charges.
< Fonteles foi eleito deputado estadual em 1982. Em 1987 foi barbaramente assassinado por pistoleiros, na Região Metropolitana de Belém.
[2] Várias edições circularam de forma esporádica. A última delas, em 2002, para marcar os 25 anos de fundação da SDDH.
4 comentários:
Caro internauta pela relevância e importância da sua denúncia, estaremos checando, até terça-feira a depender da confirmação estaremos postando denunciando e cobrando das autoridades a exoneração desse elemento.
Obrigado por acessar nosso Blog.
A esquerda no Pará muito boa idéia, temos histórias ricas para contar, vou coloborar com esse projeto. fui militante da ALN com muito orgulho. nossa base de atuação era belém são luis.
Atonio Rodrigues
Parabéns pela brilhante idéia de resgatar a memória da esqueda no Pará.
Newton Pereira
A história da esquerda do Pará precisa ser colocada em livro, temos Pedro Pomar e João Amazônia, que foram os grandes ícones do período getulistas, fugindo de barco da repressão pelos rios da Amazônia paraense, passando pela prisão de padres em 1964 a mando de Dom Alberto Ramos, e pela guerrilha do Araguaia aos dias de hj. com a eleição de uma mulher de esquerda para o governo do Pará. Uma história contada aos pedaços, é bom saber que alguém se interessou e vai colocar isso em livro.
Prof. Normando Reis, Ou (Carlinhos da VPR)
abraços
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