domingo, 20 de setembro de 2009

Candidato sem simpatia sofre, diz ministra



Dilma afirma que nunca imaginou um dia ser candidata a presidente da República e, na infância, queria ser "bailarina'

Ministra reafirma certeza de que está curada do câncer e diz que, depois da doença, passou a "dar importância ao sol batendo nas folhas"

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Ainda sem assumir oficialmente uma candidatura que o presidente Lula divulga pelo país, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) afirma que nunca imaginou um dia disputar esse cargo e que, na infância, seu sonho era ser "bailarina".
"Isso, eu acho que é mais de homem. Na minha época, eu queria ser bailarina", disse, depois de ser questionada se na infância chegou a sonhar em ser presidente do Brasil.
Dilma deixa escapar aqui e ali sua condição de candidata petista à sucessão de Lula, apesar de dizer que isso só ficará definido após a convenção de seu partido. "É uma honra, sem sombra de dúvidas", diz, ao falar sobre a possibilidade de dar continuidade ao governo Lula.
Tida como uma futura candidata "sem carisma nem jogo de cintura", a ministra reconhece que são qualidades importantes num candidato. Quem não as tem, afirma, "sofre".
Dizendo ter certeza de que está curada do câncer, afirma que a doença a fez dar "imensa importância para a vida" e também a "coisas menores". Por exemplo, "você dá importância ao sol batendo nas folhas, olha o mundo com outros olhos".
Sobre a polêmica envolvendo a ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira, que gerou desgaste em sua imagem, a ministra diz que, para ela, esse episódio está encerrado.
A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha, na qual afirmou que o governo Lula fez o brasileiro perder "aquilo que o Nelson Rodrigues chamava de complexo de vira-latas". (VALDO CRUZ)


FOLHA - Quais são os pontos positivos que o governo Lula poderá apresentar durante a campanha eleitoral, em 2010?

DILMA ROUSSEFF - Eu acho que três, que vamos deixar de legado. Crescimento econômico, inflação sob controle e o fato de termos elevado à classe média milhões de brasileiros. Outro dia, o último dado dava quase 25 milhões de pessoas. Criamos uma rede de proteção para os mais pobres, fizemos uma transformação da educação básica. Tem ainda a questão das escolas técnicas, esse orgulho do presidente de ser quem mais criou universidades no Brasil. O JK criou 10, ele criou 11.

FOLHA - Duas não vinham do governo FHC?

DILMA - Tem mais três no Congresso. Tem o PAC. E tem mais uma coisa, a questão da nossa soberania, o fato de termos sido capazes, mantendo a nossa soberania, de ter uma política externa de diversificação de parceiros. O Brasil acabou com a submissão que tínhamos aos Estados Unidos, à Europa, e passou a ser um "player" internacional. E o presidente fez isso magistralmente. Essas coisas produzem, no Brasil e no governo, a respeitabilidade internacional. Eu acho que essa autoestima nós conseguimos passar para a população. Hoje nós não temos mais aquilo que o Nelson Rodrigues chamava de complexo de vira-latas. Eu acho que o Brasil mudou. E acho que as pessoas sabem disso.

FOLHA - E os pontos negativos do governo Lula, que serão explorados pela oposição?

DILMA - Ah, se a gente tivesse mais um prazinho fazia. A gente sempre pode melhorar tudo.

FOLHA - Mas alguns pontos, como saúde, segurança...

DILMA - Eu acho que nós temos uma grande tarefa daqui para a frente. O presidente sempre fala nisso. A questão da melhoria do Estado brasileiro. Esse negócio de transformar, de criar o Estado mínimo, é uma coisa muito ineficiente. Nós tivemos, depois da década de 80, um processo de desmantelamento da máquina pública, o que implicou perda de capacidade e de engenharia.

FOLHA - A sra. acredita que esse conjunto de programas será suficiente para o presidente eleger o seu sucessor?

DILMA - Nós acertamos mais do que erramos. Olha, se aquele assessor do Clinton tinha razão, "é a economia, estúpido", eu acho que o presidente Lula tem um governo que não é só economia. É, como eu disse, o social, o nacional e o internacional. Então, acho que, pelo menos, nós deixamos um grande legado.

FOLHA - Uma plataforma para eleger o sucessor?

DILMA - Esperamos que sim, mas, se não for suficiente, é um bom legado.

FOLHA - Como principal auxiliar do presidente Lula, como definiria a mensagem de uma campanha eleitoral no ano que vem?

DILMA - Não tenho a menor ideia, porque não sou marqueteira, não tenho esse talento. Mas no dia que eu tiver clareza disso eu te conto.
FOLHA - Mas a sra. conhece todo o governo. Não estou dizendo um slogan, mas a mensagem.


DILMA - Mas eu já respondi isso, quando falei dos quatro pontos que nos distinguem. Acho que a questão do pré-sal é uma marca inequívoca nossa. Eu acho que nossas intervenções foram todas estruturantes para o país. O que eu estou querendo dizer é o seguinte: esse governo pode ou não fazer seu sucessor, eu pessoalmente espero que ele faça, agora inequivocamente ele mudou o Brasil, o de 2010 não tem nenhuma similaridade com o de 2002. Nem nas expectativas das pessoas, nos sonhos das pessoas, no que as pessoas acham que é possível ter. Até isso eu acho que é importantíssimo, nós elevamos o que as pessoas podem sonhar. Nós aumentamos as possibilidades de sonhos. Então o maior legado é essa imensa esperança de hoje que esse povo tem.

FOLHA - Candidata a presidente tem necessariamente de ser simpática e ter jogo de cintura?

DILMA - De preferência, ser simpático e ter um de jogo de cintura.

FOLHA - E não tendo essas características?

DILMA - A pessoa sofre.

FOLHA - A sra. vai sofrer?

DILMA - Eu não sei ainda. Mas a gente sempre sofre, não dá para achar que o mundo é um paraíso, que a gente vive em um mar de rosas.

FOLHA - O presidente tem falado, nos últimos dias, abertamente da sua candidatura a presidente...

DILMA - Pois é.

FOLHA - A sra. imaginou um dia disputar esse cargo?

DILMA - Se você perguntar para mim se alguma vez imaginei disputar, não. Imaginei não.

FOLHA - O que é ser candidata a presidente da República?


DILMA - Olha, [reflete por alguns segundos], eu acho que é para qualquer pessoa, brasileiro ou brasileira, é algo muito... Primeiro, honroso, a pessoa tem de se sentir muito honrada. Segundo, eu acho que é algo que o pessoal da minha geração, ela queria mudar o Brasil, o mundo, e queria um mundo mais justo, um Brasil mais avançado. A minha geração foi contra a pobreza, a favor dos trabalhadores, a favor do desenvolvimento do país, da riqueza do Brasil. Então eu acho que o governo Lula nos deu a possibilidade de tornar isso real. Ainda no meu período de vida, porque podia ter passado por esse período e não ter se tornado realidade. Então essa experiência no governo Lula já foi avassaladora. Eu acho, para qualquer pessoa, estou falando do meu lado, do pessoal que está tocando o governo Lula, é uma honra. E, mais do que isso, é a continuidade disso que importa.

FOLHA - A sra. poder continuar isso é uma honra?

DILMA - É uma honra, é uma honra, sem sombra de dúvidas.

FOLHA - A sra. se sente preparada para isso?

DILMA - Eu não sei, porque essa, daqui para a frente, você não me pega em mais nenhuma, tá? Porque eu não vou entrar na sua, especulando sobre candidatura.

FOLHA - Mas a sra. já falou tanto sobre isso.

DILMA - Não, não vou. Não. Agora encerramos essa conversa de candidatura. A gente retomará, oportunamente, se for o caso, em 2010. Eu todas as vezes falei do ponto de vista conceitual. Isso é um assunto para ser tratado depois das convenções dos partidos, do PT.

FOLHA - Mas a sra. disse que é uma honra?

DILMA - Para todos nós será. Para todos nós, da minha geração e dos que participam do governo Lula, é uma honra. Porque tem isso no governo Lula. A gente tem esse lado, considera uma coisa muito importante.

FOLHA - A sra. teve, na infância, esse desejo de um dia ser presidente?

DILMA - Não, eu não tive não. Isso, eu acho que é mais de homem. Na minha época eu queria ser bailarina.

FOLHA - De bailarina a presidente da República.

DILMA - Não, mas é bailarina. Menina queria ser bailarina, princesa, Cinderela. Quando menina, da minha geração, queria ser bailarina, a gente gostava muito de bailarina.

FOLHA - A sra. fez exames na semana passada...

DILMA - Não, não fiz. Vou fazer, porque na semana passada, eu ia lá fazer, mas eu saí em férias e perguntei se precisava ir. Como estava em férias, tanto faz fazer numa semana, duas semanas depois. Vou fazer no final da próxima semana. Aí nós vamos fazer de fato o anúncio oficial da minha situação de saúde. Mas eu tenho absoluta certeza de que estou curada.

FOLHA - A doença mudou o comportamento da sra.?

DILMA - Muda, muda. Você dá mais importância a coisas menores. Por exemplo, você dá importância ao sol batendo nas folhas, você olha o mundo com outros olhos. Você dá importância maior para a vida. É sobretudo isso. Quer uma síntese. Dá uma imensa importância para a vida e suas manifestações. Árvores, flores, você olha mais, e dá mais importância para o mundo de uma forma mais tranquila, mais calma. Mesmo trabalhando 24 horas por dia.

FOLHA - A sra. se sente mais forte depois disso tudo?

DILMA - Fica mais forte. Foi o que eu falei no início, doente velho é um bicho muito esperto. Você fica esperto, fica mais forte.

FOLHA - Fica mais forte para qualquer desafio pela frente?

DILMA - Fica mais forte para enfrentar, porque as outras coisas não são tão desafiadoras como é a vida. A vida é mais desafiadora do que qualquer outra coisa. E tem de dar valor a isso, viver.

FOLHA - O que mudou na vaidade da sra. nesse período?

DILMA - Valoriza horrores o cabelo. Porque você perdeu, então valoriza ele, fica olhando para ele, passa a mão, olha se ele cresceu.

FOLHA - A sra. quer tirar a peruca quando?

DILMA - Eu estou esperando que ele cresça um pouquinho. Eu não posso nem dar de exemplo o cabelo de vocês, que são imensamente maiores do que o meu. O meu está muito curto. O que acontece, estou esperando ele crescer um pouquinho. A minha expectativa é essa, de que venha bem bonito, mas esse é um grande desafio.

FOLHA - Sobre a ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira, ela afirma que se encontrou com a sra. A sra. afirma que não. O que afinal aconteceu?

DILMA - Para mim, esse episódio está encerrado.

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