quarta-feira, 20 de março de 2013

Já houve políticos piores do que os atuais na história do Pará?

O sujo e o mal lavado

Lúcio Flávio Pinto
Jornalista paraense. Publica o Jornal Pessoal (JP)
Via Adital


Já houve políticos piores do que os atuais na história do Pará? Esta é a questão que a atual lavagem de roupa suja na elite paraense suscita. Todos só têm razão quando se acusam. Não quando se defendem – e quando se defendem.
Na transição do século XIX para o XX, o Pará teve políticos brilhantes. Alguns deles alcançaram dimensão nacional e até internacional, como Lauro Sodré, Serzedelo Corrêa e Augusto Montenegro. Esse brilho se devia à riqueza proporcionada pela exploração da borracha, que culminou em 1912, quando a produção da Amazônia, de mais de 40 mil toneladas, foi suficiente para abastecer o mundo inteiro com a goma elástica. A partir daí a produção asiática foi entrando no mercado internacional. A Amazônia se tornaria incapaz sequer de garantir o consumo nacional. A política foi para rés-o-chão.
É onde ela atualmente se encontra, talvez no nível mais baixo da história paraense. No entanto, o Pará é o quinto maior exportador e o segundo Estado da federação em saldo de divisas proporcionado ao país, abaixo apenas de Minas Gerais. É também o quinto maior gerador e o terceiro maior transferidor de energia bruta para o restante do Brasil.
Por que então a era da mineração, com seu eixo principal nas jazidas de minério de ferro de Carajás, não gerou políticos ao menos comparáveis aos se mais de um século atrás?
Alguns números são assustadores. Parauapebas foi o município brasileiro que mais exportou no primeiro mês deste ano. Vendeu ao exterior quase 720 milhões de dólares. Foi 5% acima do poderoso município de São Paulo, detentor do terceiro maior orçamento público da federação (depois da União e do próprio Estado paulista), que exportou US$ 680 milhões e bem acima do Rio de Janeiro, com seus US$ 524 milhões de comércio exterior.
Há um número ainda mais impressionante. Além de ter sido o maior em valor de exportação em janeiro, Parauapebas alcançou o maior saldo comercial do período. Os mais de US$ 710 milhões em divisas que introduziu no país foram o dobro obtido pelo segundo município, Santos, com US$ 354 milhões. E muito mais do que o concorrente minerador de; Nova Lima, em Minas gerais, que agregou US$ 285 milhões.
Logo se vê que as grandezas dos nossos dias são antitéticas, colidem. O Estado devia ter capacidade para transformar ao menos parte mais expressiva do excesso de dólares que cria e da abundância de energia obtida em seus rios para agregar valor ao processo produtivo e distribuí-lo com maior intensidade e por mais pessoas. Como não faz isso, é cada vez mais colônia – e em dupla dimensão punitiva: nacional e internacional.
Esse resultado é que causa o baixíssimo nível da política paraense ou o Pará é ao mesmo tempo rico e pobre porque suas lideranças não sabem quebrar esse ciclo de exploração, nada contribuindo para a solução de problemas e impasses?
Alguém pode argumentar que o modo de produção é o mesmo, na borracha e nos minérios, meramente extrativo. Mas comparando as duas épocas, com o cuidado de atentar bem para as condições diferentes no passado e no presente, provavelmente se chegará à conclusão de que a inexpressiva – e mais do que isso, nefasta – política de hoje não tem paralelo. Nossos políticos são terrivelmente ruins, muito pior do que os do passado, por qualquer critério de análise que se adote.
Na passagem do Império à República, o Pará alcançou o grau máximo de presença na vida nacional. Belém era considerada a terceira mais importante cidade do Brasil, secundada por Manaus, afetada pela sua distância do litoral, sempre a base territorial do poder, desligada do sertão ou do hinterland.
Mesmo que as elites locais tenham parcela de culpa pela manutenção do monocultivo extrativista da borracha, que deixou um vácuo depois do declínio da produção, talvez se possa atribuir maior parcela de responsabilidade aos dirigentes nacionais. Eles descuraram do cultivo racional de seringueiras adotado na Ásia. Houve empenho das elites paraenses para impedir a decadência da economia estadual, o que não se vê atualmente.
O que se vê são demonstrações lamentáveis da pobreza mental e vilania moral na prática política no Pará, sem falar no tradicional assalto aos cofres públicos. O capítulo mais recente desse contínuo espetáculo de baixarias, desempenhado por grupos que mais se parecem a quadrilhas, está sendo apresentado nas sessões do Senado.
Gritando como um profeta insano e esmurrando sua bancada como um lutador de vale-tudo, o senador Mário Couto Filho brada como um Catão, autorizado pelo Senado a integrar a comissão de ética da "casa”. Profliga contra ilegalidades e ilicitudes que teriam sido (e ainda estariam sendo) praticadas por seu colega de parlamento, Jader Fontenele Barbalho.
Da mesma tribuna, o coronel (acreano por nascimento, paraense por formação) Jarbas Gonçalves Passarinho travou duelos verbais com o oposicionista gaúcho Paulo Brossard. Na época Passarinho tinha a difícil –ou completamente intragável– tarefa de defender os atos de uma ditadura. Nem ele e Brossard, ou outros contendores naquele plenário, disseram coisas tão vis –e às vezes falsas– quanto os atuais senadores do Pará, em sua apoplexia sem fronteiras.
Como todos os Estados brasileiros, o Pará tem uma bancada de três senadores, dois deles do PSDB e um do PMDB. Dois deles já apareceram em público presos e algemados pela Polícia Federal, envolvidos em processos judiciais por ilícitos praticados, sobretudo apropriação ou desvio de recursos públicos: Jader e Fernando Flexa Ribeiro.
Em épocas passadas, também se roubava (talvez não da mesma maneira), mas havia uma noção de dignidade pessoal que parece ter-se evaporado das biografias contemporâneas. Hoje o poder público tem mais ferramentas ao seu dispor para coibir a corrupção e está mais atento aos roubos. Mas há também maneiras mais sutis e eficientes de manipular os fatos.
Se a lei fosse rigorosamente aplicada, nem Jader nem Flexa deviam ter sido algemados e presos de forma tão ostensiva. Conforme se pôde verificar depois, até mesmo pela evolução dos processos judiciais, havia evidências de crimes, mas não provas robustas e o nexo de causal dos fatos com seus supostos autores. Ambos continuam soltos e exercendo mandatos eletivos.
Isso se deve à inoperância da justiça ou à sua omissão ou conivência com os crimes de colarinho branco? Provavelmente também, mas não só.
Dentre os principais sustentáculos de uma democracia está o direito à produção de provas, ampla e livre, conferido ao réu em processos judiciais, que devem se cercar de todos os cuidados adjetivos e substantivos, na forma do processamento das ações e na produção de provas, para que inocentes não sejam considerados culpados e sentenciados.
A polícia que prendeu os dois senadores paraense é a mesma que, submissa ao ditador de plantão e à sua estrutura de poder, cometeu barbaridades contra cidadãos e manipulou inquéritos para conduzir aos objetivos desejados, sobretudo para punir adversários e proteger aliados. O exercício do poder de polícia deve ser outro dos polos essenciais da democracia. Os policiais têm que cumprir o seu dever de Estado (não de governo), mas precisam estar circunscritos aos termos desse poder inscrito nas leis. Ou a polícia judiciária não passa de título mal posto.
A arbitrariedade pode causar alegria e reconforto num país que se acostumou a repetir, como um carma, que só putas, pobres e pretos vão para a cadeia. É preciso engaiolar os ladrões do dinheiro público, os criminosos de colarinho branco e mãos perfumadas, as personalidades que se apresentam como os "mais iguais”, acima de qualquer suspeita. Mas é preciso provar seus crimes e aplicar-lhes a sentença conforme manda a lei.
Os indícios devem ser considerados, é claro. Se não se tornasse político, Jader Barbalho teria o patrimônio que hoje ostenta (e ostenta porque parece refratário a usar "laranjas” nesse particular, colocando tudo no próprio nome)? Obviamente, não. A indagação sobre a origem do império de comunicação e outros itens patrimoniais do senador tem que partir dessas premissas, mas elas precisam ser demonstradas.
O povo já devia ter punido de forma mais dura o desvio de função no exercício do mandato em que se afundou o líder do PMDB. Ele cumpriu todas as etapas da carreira política, de vereador a deputado, senador, governador e ministro. Por que continua na vida pública? Por que ainda é tão bem votado? Por que não foi autuado e sua declaração do imposto de renda não foi glosada? Por que a justiça ainda não o condenou?
Muitas outras perguntas podem ser feitas em função do exercício do poder, em graus variados, por Jader Barbalho desde 1966. Perguntas parecidas foram feitas em relação a Ademar de Barros, Orestes Quércia e Paulo Maluf, para ficar apenas nos políticos do Estado mais rico – e, por isso mesmo, com um butim maior para os que minam os cofres públicos.
Ademar foi um dos líderes do golpe que derrubou o presidente constitucional atrás de corrupção (além de subversão) e morreu como um injustiçado no exílio dourado de Paris (e ainda como grande empresário, que transferiu seu legado ao herdeiro). Quércia largou a política e ficou mais rico depois, sem ser mais perturbado. E Maluf resiste tanto que mereceu o abraço daquele que foi um dos símbolos das melhores práticas republicanas, Luiz Inácio Lula da Silva, o fugaz inimigo dos 300 picaretas do Congresso Nacional.
Quem tem dinheiro dispõe de meios para esconder suas felonias e falcatruas. Por isso mesmo, as instituições públicas que as combatem precisam dispor dos recursos necessários para igualar-se aos que se apropriam do dinheiro do povo. Só assim terão competência técnica e isenção política para levar sua ação até o desfecho, a condenação e a punição dos culpados, pondo fim à malsã regra da impunidade.
A prisão espalhafatosa de personagens considerados como inimigos públicos se torna inócua se é tomada de forma açodada e inconsistente. Pode fazer a fama de quem prende e oferecer vantagens ocultas para quem manobra a cena teatral. Mas não se consolida, como precisa, para que supra e fortaleça a moral pública contra seus aproveitadores individuais.
Tem-se como público e notório que Jader, no seu primeiro mandato, desviou dinheiro do Banco do Estado do Pará, o depositou num fundo privado e ficou com a renda da aplicação (numa época de inflação galopante), ao devolver apenas o principal à sua origem. Por vários dias examinei o levantamento feito pelo Banco Central desse circuito (que viria a ser apontado no governo de outro "baratista”, Hélio Gueiros).
De fato, o dinheiro saía, através de cheque administrativo, e ia para a aplicação, voltando sem a devida incorporação dos rendimentos. Mas quem ficava com essa renda? Suspeita-se que tenha sido o governador. Mas não há nexo causal. A reconstituição do Banco Central não chega até o beneficiário. Há o crime, não o criminoso.
Ao lixo os escrúpulos da consciência? Sabemos o que resulta dessa atitude. Hoje se prende um verdadeiro culpado, amanhã se chega a um bode expiatório. E a partir daí ele servirá de boi de piranha para que uma manada de ladrões passe pelo rio sem chamar a atenção da população.
Por força desse desvio da verdade se tornou tão fácil atirar pedras contra Jader Barbalho (que, debaixo desse tema, não se defende) que até um contraventor provado, réu em várias ações judiciais, apontado como autor de desvio de recursos públicos, quando na presidência da Assembleia Legislativa, como Mário Couto, se apresenta como o paladino da moralidade pública.
Ele ousa se exibir para as câmeras como vestal da mesma forma indecorosa como fez gesto obsceno na Assembleia para ser registrado pelo fotógrafo da extinta A Província do Pará, que divulgou a imagem degradante na sua primeira página.
Claro que o Diário do Pará, na defesa do patrão, diz horrores de Mário Couto. Mas quem leva a sério o jornal? Ele sempre, como novamente agora, derrapa nos princípios do jornalismo isento para fazer o jogo do seu chefe, incapaz de deixar que a linha editorial se liberte dos seus interesses políticos, dando força ao filho, que administrativamente comanda o jornal. A tendenciosidade do jornal que acusa acaba servindo de habeas corpus para o péssimo político que o ataca.
Onde está a voz ponderada e arbitral para estabelecer bitolas, parâmetros e referenciais na busca pela verdade em meio a essas retaliações verbais irresponsáveis? Ela não está em O Liberal. Obcecado por seus instintos comerciais e políticos, o jornal da família Maiorana é capaz de tudo na guerra suja que trava com os Barbalho. Para infelicidade geral do Estado, os dois grandes grupos de comunicação agem como máfias no tabuleiro do poder, intimidando aqueles que, já intimidados de moto próprio, sumiram do horizonte e se entocaram em seus abrigos subterrâneos.
O comportamento de O Liberalse tornou indecoroso. De fato, não há um Maiorana na política para carrear dinheiro público para seu jornal. Mas não foi por desprezo a essa gazua. Os dois irmãos chegaram a se lançar na carreira política, mas lhes faltoaram as qualidades do político, bom ou ruim. Não foram além do primeiro passo, a admissão. E. por incrível que possa parecer, Romulo Júnior se filiou ao PMDB, com o endosso do então governador Jader Barbalho.
Mas há outras vias oblíquas. Analisando os balanços de Delta Publicidade, aqui se mostrou que a empresa responsável pelo jornal vive em situação de pré-falência. Por seus próprios meios, com a renda que gera, ela não consegue se manter. Precisa de outro caixa para assegurar sua solvência. De onde vem esse dinheiro?
Se, na melhor das hipóteses, vem da empresa-irmã, a TV Liberal, que dá lucro em função de sua afiliação à Rede Globo, em nome de quem é feita a retirada e transferência desse dinheiro? Se é receita, é declarada? Paga imposto? Ou tem-se claro indício de sonegação, a clamar pela ação da Receita Federal e outros escaninhos legais competentes? O pior, diante dos números revelados, é o silêncio das autoridades. Belém incorporou de vez o ethos de Chicago?
É o que parece. A furiosa campanha contra a Construtora Freire Mello evaporou depois que a sua motivação foi revelada: pressionar a esposa de um dos donos da firma, que vai dar o parecer final sobre a apreensão do jatinho ilegal da ORM Air, de Romulo Júnior. Ele deve ter percebido que exagerou na investida, provocando a reação unânime dos funcionários da Receita Federal. Os de fora, então, escandalizados pela ousadia inédita de atingir a inspetora pela via indireta, mas barulhenta. Se a campanha era por uma causa pública, por que parou?
Por ironia amarga, mas pedagógica, depois de ter ocupado um grande espaço na capa de A Província do Pará com seu cotoco indecente, imoral e depravado, Mário Couto surgiu na primeira página de O Liberal do dia 6 como a trombeta da verdade, abençoada por seus pares na outra banda podre do poder no Pará.

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