quinta-feira, 4 de junho de 2015

Por Atnágoras Lopes*:"Três operários morrem em Belo Monte: Um dia em que o “Norte escreveu-se com “M”


“Seus olhos embotados de cimento e lágrimas” (Da música Construção de Chico Buarque).

É como se essa frase houvesse previsto a trágica cena que correu o mundo, minutos depois de um silo, com toneladas de concreto, desabar, literalmente, sobre a vida de três operários nas obras da usina hidrelétrica de Belo Monte. Nesse vídeo, operários lavavam, da cabeça aos pés, um jovem trabalhador que, atordoado, escapara com vida e completamente encoberto pelo concreto que matou três de seus companheiros de ofício.
Essa chaga aberta, na madrugada de sábado, 31 de maio de 2015, provoca dor, angústia, desalento e desesperança nos familiares das vítimas. Eram ajudantes de produção, dois deles com cerca de 20 anos de idade e o terceiro com pouco mais de 40 anos de idade. Sonhos foram interrompidos; O clima fúnebre, certamente, paira no ar amazônico e deve ter ganhado peso nas noites dos alojamentos e no canteiro que não para, mesmo diante de vidas ceifadas.
Como diz um poema: “Há homens de pensamento, não sabereis nunca o quanto, aquele humilde operário soube naquele momento”; É o que imagino ter passado na cabeça daquele jovem das imagens. Frente à essa tragédia, além da mais profunda e necessária solidariedade às famílias desses trabalhadores, confesso que me vem muitas outras imagens que indignam.  Ali se trabalha sob à presença de forças armadas (a Força Nacional de Segurança) mantida pelo governo federal, dali só se sai pra visitar as famílias, na pratica, a cada 180 dias; Um canteiro que, em busca de vida, morre-se a cada instante e há instantes em que se morre assim, tão “concretamente”.
Uma obra que, mesmo contestada “nos quatro cantos do mundo”, impõem-se pelos mandos do governo petista; Uma chaga que “rasga o rosto da terra”, obstrui o curso do rio e joga, quase à míngua, centenas e até milhares de ribeirinhos, pescadores, mulheres e homens nativos, enquanto as “monetárias mãos” das empreiteiras, cinco delas (Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão e...) envolvidas nas investigações da “Operação Ava Jato”, esquema de corrupção da Petrobrás, receberão o dobro (30 bilhões) do orçamento inicial da mesma.
Contrariando o otimismo e a ironia da composição paraense, eis um dia em que “Norte” escreveu-se com “M”. Cabe a nós trabalhadores honrar os que tombam na labuta, tomar as suas esperanças em nossas mãos, afagar-lhes a alma em nossa unidade, em nossa capacidade transformadora e na obra de nossa luta! Somos nós, a classe trabalhadora, que, como a força da correnteza Xingu, prensaremos os que põem o lucro a cima da vida até transbordarmos um novo destino; O da liberdade, o do fim da exploração.

* Dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Belém e da CSP Conlutas

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