Lava Jato se transformou em instrumento de perseguição, diz
Gilberto Carvalho
Jornal GGN - Gilberto Carvalho, ex-ministro do governo
Dilma, afirma que a condução coercitiva do ex-presidente Luis Inácio Lula da
Silva na última sexta-feira foi "totalmente desnecessária", já que
Lula nunca se negou a depor e compara com outro ex-presidente, Fernando
Henrique Cardoso: "a PF foi colher em sua casa o depoimento dele
gentilmente e discretamente em um processo no qual ele é citado como
testemunha". Para Carvalho, a Lava Jato foi invadida por uma concepção
ideológica e política e acabou se transformando em um instrumento de
perseguição.
Em entrevista para a Folha de S. Paulo, Carvalho disse que
tanto os procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato quanto o juiz
Sergio Moro tem a necessidade de provar que os agentes do PT formam uma quadrilha,
e que Lula seria o chefe da quadrilha. O ex-ministro também critica a
utilização enviesada das delações premiadas, reconhece que o PT errou ao não
combater o fnanciamento empresarial de campanhas eleitorais. Também afirma que
uma eventual prisão de Lula seria brincar com fogo e diz não acreditar no
sucesso do impeachment contra Dilma Rousseff. Leia mais abaixo:
Enviado por Makário
Da Folha
Eventual prisão de Lula seria brincar com fogo, diz Gilberto
Carvalho
Na última quinta-feira (3), véspera da Operação Aletheia,
Lula fez um desabafo premonitório ao amigo petista Gilberto Carvalho.
"Eu vou ser preso ou vão fazer a minha condução
coercitiva porque, do contrário, a Lava Jato não tem sentido."
A conversa sintetiza a percepção do partido de que a maior
investigação das últimas décadas busca fazer "justiçamento, não
justiça".
"O doutor Sergio Moro tem uma necessidade de provar que
os agentes do PT formam uma quadrilha e que o capo dessa quadrilha agora é o
presidente Lula", disse ele.
Para Carvalho, a Lava Jato não tem provas contra Lula, tem
teses. E prevê que, no pior caso, tentem prender o ex-presidente: "Não
quero falar nessa hipótese. Espero que não brinquem com fogo".
Carvalho não acredita no sucesso do impeachment e duvida que
Dilma Rousseff saia do PT. "Até porque a sobrevivência dela estaria muito
ameaçada", avalia.
*
Folha - O Ministério Público diz que Lula obteve vantagem na
Lava Jato. Daí a operação de sexta-feira (4).
Gilberto Carvalho - Foi uma operação totalmente
desnecessária, uma violência gratuita. O presidente Lula nunca se negou a
depor. Podiam ter feito com ele o que fizeram com o presidente Fernando
Henrique, em que a PF foi colher em sua casa o depoimento dele gentilmente e
discretamente em um processo no qual ele é citado como testemunha. Eu só posso
entender que o que aconteceu na sexta foi motivado por um processo que, a meu
juízo, está tirando os méritos que poderíamos ter na Lava Jato, porque ela
surge como uma ação importante de combate à corrupção. Mas, à medida que ela é
invadida por uma concepção ideológica e política por parte de seus principais
agentes, vai se tornando um instrumento de perseguição política.
A Lava Jato se politizou?
O problema acontece quando, numa investigação criminal, se
abandonam os princípios que regem uma investigação científica. Os procuradores
e, ao que tudo indica, o Dr. Sergio Moro, tem uma necessidade de provar que os
agentes do PT formam uma quadrilha e que o capo dessa quadrilha, que antes era
o José Dirceu, agora é o presidente Lula. Mas, ao invés dos fatos, dão base a
uma tese pronta. Aí eles constrangem os fatos. Aquela entrevista coletivadada
na sexta em Curitiba, particularmente a participação do Dr. Carlos Fernando [procurador
da Lava Jato], deve ficar gravada para a história como a demonstração mais
cabal do que eu estou dizendo. O tempo todo ele ficou pré-julgando. Ele não
pode fazer isso! Ele não pode dizer que não houve palestras antes de levantar
os fatos.
Você diz que a PF esteve na casa do FHC no mesmo dia da
condução coercitiva do Lula?
Li no Brasil 247 que sim.
Você diz que o procurador não tinha elementos para dizer o
que disse?
É isso. Porque, antes da investigação e da verificação dos
fatos, ele já trabalha com a tese de que tudo aquilo que apareceu até agora
está amarrado por uma quadrilha que busca dinheiro a qualquer preço, e que as
palestras, por exemplo, não passam de desculpas para que Lula obtivesse
dinheiro. Ele agiu como um julgador, sem nenhuma serenidade. Qual a tese de que
eles estabeleceram previamente? Que o dinheiro da Petrobras é roubado pelas
empresas coordenadas pela quadrilha do PT e que, a partir daí, o dinheiro que
elas roubaram irrigou as campanhas eleitorais, deram um apartamento para o
Lula, fizeram uma chácara para ele. Essa é a tese. Eles vão ter que provar
isso. Não tem nenhuma disso! Até porque, pela história do país, os cartéis que
se formam entre as empresas, e a maneira que elas corrompem os agentes
públicos, não é por comando político. O problema político aparece em virtude do
financiamento de campanhas, que todos os partidos praticaram.
Mas não há muitas acusações nas delações premiadas.
Nas delações premiadas, só interessam delações contra o PT,
porque é preciso provar que aquele dinheiro é contaminado. O dinheiro que foi
para o Aécio e o que foi para a Marina Silva não tem essa contaminação. Ele sai
do mesmo cofre, da mesma fonte, mas como não estavam no governo, não
determinaram o assalto à Petrobras. Isso é uma loucura.
Por que?
As empresas obtiveram o recurso, lícito ou escuso. Quando o
Edinho Silva [ministro da Secom e ex-tesoureiro de Dilma] pediu dinheiro para a
Andrade Gutierrez ou para Camargo Corrêa, fez o mesmo que o tesoureiro da
campanha do Aécio ou da Marina. O Edinho não condicionou a uma sonda ou a uma
obra. O dinheiro tem a mesma origem.
Mas isso não exime o dolo.
Vou insistir. O problema da delação premiada é que a pessoa
é constrangida pelo inquiridor a dizer aquilo que o agrada porque está na mão
dele a liberdade do delator. O advogado também tem o papel de convencer o seu
cliente a fazer a delação para buscar a liberdade do seu cliente.
Tudo empurra para a delação. Mas não é preciso haver prova?
O problema da Lava Jato, e é preciso que se diga em alto e bom
som, é que os campeões da corrupção estão soltos, tendo as suas penas reduzidas
escandalosamente e tendo devolvido pequenas quantias daquilo que eles são
acusados de ter se apropriado. Quem está ficando na cadeia em Curitiba é o
Marcelo Odebrecht, que se negou a fazer delação, e os políticos. Isso é combate
à corrupção? Isso tem de ser denunciado. O povo está se iludindo, achando que a
Lava Jato está fazendo um processo importantíssimo de combate à corrupção.
Isso não exime o PT de tudo?
Eu sei que o PT errou, nós temos de reconhecer que errou.
Além de não combater o financiamento empresarial, meteu-se a cometer erros
através de várias pessoas, que se locupletaram. Não quero de maneira nenhuma
negar isso. O problema é que quem criou isso, o mecanismo de financiamento
empresarial de campanhas, não foi o PT. O mecanismo de financiamento
empresarial de campanha é o mesmo para todos os partidos maiores. E todas as
empresas doaram para ficar bem com os governantes. Isso precisa ser dito. O que
as empresas fazem, na verdade, é uma espécie de investimento para não terem
problema com o governante. Então, se nós queremos extirpar o câncer da
corrupção, não se pode acusar primeiro, vazar criminosamente em seguida e expor
Lula como ele foi exposto e só depois vem um julgamento. E quando for provado
que as palestras foram pagas e efetivamente dadas? E quando for mostrado que
não tem nada a ver o trabalho que a Odebrecht fez lá em Atibaia com a
Petrobras? Aí será tarde. Estão criando no Brasil uma espécie de neofascismo.
Pois não estão fazendo justiça, estão fazendo justiçamento. O clima que está no
Brasil agora, e estou muito preocupado, é que estamos fazendo um acirramento de
ânimos, onde não importa o devido processo legal. Isso leva a uma violência
cada vez maior e fragilizará as nossas instituições. E o algoz de hoje pode ser
a vítima de amanhã. Hoje é o PT que está exposto na praça pública, que virou a
Geni, e que atiram pedras. Amanhã pode ser um outro partido se não se tomar os
cuidados necessários. Esse é um papel que a mídia tem de chamar para si e
assumir responsabilidade.
E quem é responsável por essa perseguição ao PT?
Estou falando de um setor da Polícia Federal, de um setor do
Ministério Público. Estou falando da ação dirigida do juiz Moro.
Você tem algum indício de vínculo do Moro com algum partido
político?
Em defesa do José Eduardo Cardozo –que era muito acusado de
não controlar os excessos da Polícia Federal–, é disso que se tratavam as
broncas que o Zé Eduardo levava, não era a atuação objetiva da polícia, que era
necessária, mas esse conchavo com um tipo de imprensa e com os vazamentos. Não
é assim. A Polícia Federal não é controlada pelo PSDB. Esses rapazes que estão
hoje na PF e no MP são formadas numa geração profundamente marcada por um
antipetismo. Eles cresceram, são jovens em geral, em famílias que hoje estão
batendo panela. Foi se desenvolvendo nesses setores uma convicção de que bater
no PT é bom para o país. Eu fui interrogado por dois delegados da Polícia
Federal, eu pedi para conversar com eles fora do processo e me dei conta disso.
São pessoas honestas, são sérias, não são bandidos e nem são instrumentos na
mão da oposição. Não é rastaquera assim. Veja a ironia da história. Até 2002,
você sabe o que acontecia no Ministério Público Federal. Por que não foi feito
uma investigação mais profunda da compra de votos do Fernando Henrique e em
torno da privatização? O Dr. Gurgel, ex-procurador-Geral da República, disse
numa entrevista recente que Fernando Henrique não queria ser incomodado, por
isso colocou um cara que não deixava nada andar. Ele tinha o controle rigoroso
da PF, que centralizava qualquer investigação. Quando Lula tomou posse, muita
gente tentou indicar nomes próximos a nós, mas o Lula decidiu que indicaria o
primeiro da lista.
E houve reação na época?
Exatamente. Mas Lula bancou o primeiro da lista. Nos anos
subsequentes, quando saiu Fontelles e entrou o Antônio Fernando, que faz a
denúncia do mensalão, houve uma forte pressão para que ele rompesse essa lógica
do primeiro da lista. Mas ele reconduziu Antonio Fernando. Depois, aconteceu a
mesma coisa com o Gurgel. Mas não se rompeu essa tradição. Então, o que se
esperaria do Ministério Público? Essa responsabilidade. O máximo de equilíbrio.
No caso da polícia federal aconteceu a mesma coisa. Descentralizamos as
investigações. Tanto que o Lula sempre dizia: daqui pra frente, quem não quiser
ser investigado no governo, que não erre. Doa quem doer. Eu me lembro da nossa
dor quando o José Dirceu, o [Antonio] Palocci foram investigados. Lula disse
'eu sinto muito'. Esse delegado que me inquiriu começou na Polícia Federal em
1998 e se tornou delegado em 2002. Ele não conhece o período anterior. Esse
menino não tem a maturidade de não fazer loucuras como essa de sexta. Na sexta,
quem saiu prejudicado e quem vai se desgastar no médio prazo não é o Lula, e
sim essas instituições. Porque é muito ruim para nós que a Polícia Federal
comece a ser utilizada para atender esse ou aquele tipo de pressão. Aí se faz
um complô da investigação e do vazamento pra imprensa. Isso neste momento
prejudica o PT, é verdade. Mas é ruim para a democracia. Esse procurador Carlos
Fernando, que hoje brilha e foi receber as palmas sexta à noite, a história o
terá como Calabar, como alguém que perseguiu uma pessoa que só fez bem ao país.
Essa glória momentânea inebria essas pessoas e elas vão na linha da
irresponsabilidade. Isso que, aparentemente, é muito bom, porque é o tal do
julgamento imediato sem o contraditório, vai fazer mal mais para essas
instituições do que para o PT no longo prazo.
Nos últimos meses, Lula passou por um desgaste muito grande
e ficou fragilizado, mas não deu uma palavra sobre o seu caso. Ele parecia
acuado. Por que ele demorou tanto para falar? Por que precisou de uma condução
coercitiva para falar e ainda assim não explicou o que deveria explicar?
Eu concordo com a tese de que o Lula deveria ter falado
antes. Acontece que em certos acontecimentos você precisa ter muita certeza do
que você vai falar. Lula não estava a par de muitas das coisas da qual era
acusado.
Como o quê, por exemplo?
Na história da chácara, o Lula não acompanhou em detalhes o
processo de aquisição feito pelos amigos, nem sobre a reforma. Ele estava no
governo e nós estávamos pressionando Lula a partir do penúltimo ano para que
ele desse um destino para os bens que ele recebia no governo. O Lula, de longe,
é o presidente que mais recebeu presentes e o acervo é imenso. Nossa
preocupação era de como ia ser tratar aquele acervo porque o certo era ter uma
fundação que tivesse condições de pegar todo esse material de todos os
ex-presidentes e que faz parte da história do Brasil e colocasse no mesmo
lugar. Só que a legislação diz que isso pertence ao ex-presidente e é de
interesse público mas de propriedade privada. O que fez o Fernando Henrique?
Ele pegou empresas e pediu doação para fazer o Instituto FHC. O Lula fez um
Instituto Lula e pensava em construir um memorial da democracia. Nós estávamos
fazendo essa pressão. Da mesma forma, a família estava pressionando para que ele
tivesse algum espaço de descanso após a Presidência, mas ele dizia que
discutiria isso depois. Foi nesse contexto que surge uma história de algum
amigo comprar um espaço onde ele pudesse descansar e eventualmente guardar os
presentes da Presidência. Foi aí que esses amigos tomaram uma iniciativa. Só
que ele não foi informado adequadamente e no tempo certo de todo esse processo.
Mas ele não teve curiosidade para saber quem tocou a compra?
Dona Marisa?
Foi um pool de amigos. Se ele teve curiosidade depois, eu
não sei, não acompanhei. Houve um embaraço da parte dele, que eu concordo que
não foi positivo, para poder dar uma explicação cabal de dizer que a chácara
tinha sido comprada e mostrar os recibos. Foi feito uma reforma e alguém teve a
ideia de pedir para um construtora ajudar para acelerar o processo, porque
estava chegando o fim do ano e queriam dar esse presente para ele ter um lugar
para descansar.
Quando Lula toma conhecimento de como foi toda operação, ele
fica constrangido de admitir que tinha recebido presentes, é isso?
Primeiro porque ele não sabia quem tinha participado
efetivamente, não era uma coisa explicitada na época. O negócio da torre da Oi
eu nem sei, não posso falar, mas o da reforma, que teve a participação da
Odebrecht, não foi o Lula que pediu. Até porque, é bom lembrar que, em 2010 e
em 2011, não tinha a Lava Jato e não tinha essa conotação. E o Lula estava
saindo do governo.
Mas quando as obras começaram o Lula ainda estava no
governo.
Pois é, mas ele não estava participando dessa história, pois
quiseram fazer uma surpresa pra ele. Eu concordo que faltou rapidez na resposta
e concordo também que não foi adequado envolver uma empresa nessa questão.
Agora, o que não pode é estabelecer esse nexo causal de crime entre a Petrobras
e uma obra de reforma de um lago e de uma casa em Atibaia porque, se ele
quisesse acumular dinheiro, ele teria feito como outros fizeram e não fez. O
Lula passou a ganhar dinheiro fazendo palestras depois da Presidência. Qualquer
empresa no Brasil e no exterior queria ouvi-lo. Não faz sentido, é ridículo.
Ele que foi tão rigoroso com a gente, não se sujaria.
Não é inverossímil ele ir ao sítio pela primeira vez e não
perguntar de onde veio? Não dá para dizer que ele não sabia.
Eu não posso dizer isso. Eu só disse que eu não acompanhei
esse processo.
Ele tinha intenção de adquirir o sítio mais tarde?
Não tenho certeza, mas acho que seria provável.
E o tríplex?
Ele tinha comprado um apartamento lá atrás, aí a OAS quis
inventar de fazer uma puta de uma melhora naquele apartamento para oferecer
para ele como uma valorização daquele móvel. Ele me contou que foi lá um dia
para ver se fechava o negócio ou não. A OAS queria agradá-lo, mas ele chega lá,
olha pro mar, e diz: "isso aqui seria uma prisão, uma torre de marfim pra
mim, uma prisão, eu nunca poderei atravessar a rua e ir para essa praia. Não
quero", disse para Marisa. E o negócio não foi feito, graças a Deus, diga-se
de passagem. Então, no caso do tríplex, é mais fácil a explicação porque não
tem nada que vá comprovar essa acusação. É como se um cara me oferecesse um
imóvel e me desse uma puta arrumada no imóvel para me agradar e eu chego lá e
desisto de fazer, de exercer o direito de comprar. A chácara está em nome do
Fernando e do Jonas e não tem nada que prove a acusação de que não são deles.
Parte do acervo foi pra lá. Pelo amor de Deus, os dois pedalinhos, não vou nem
comentar.
O Lula estava deixando de ser funcionário público e, ainda
que ele não soubesse da operação do presente da casa, o transporte dos
presentes da Presidência que foi pago por uma empreiteira também.
Mas o Lula não era mais presidente. Esse material saiu do
Planalto e do Alvorada quando ele já era ex-presidente.
Ele não era mais presidente, mas era um quadro político com
extrema influência sobre o novo governo. Afinal de contas, ele tinha eleito
Dilma Rousseff. Não tem empresa nem no Brasil nem no mundo que agrade sem um
interesse. Portanto, a empresa era movida por interesse e Lula aceitou.
Se ele tivesse aceito um tipo de presente dessa natureza
como presidente da República, eu ficaria muito mal com ele, seria antiético.
Agora, ele não sendo mais presidente, eu não posso pessoalmente, no meu
critério, dizer que não acho legal, Ele pode ser influente o resto da vida, e
vai passar o resto da vida sem poder receber nenhum tipo de presente? Eu não
posso impor a ele aquilo que a lei permite. Se a lei dissesse que ex-presidente
não pode aceitar nenhum tipo de presente, tudo bem. Mas a lei permite. O que a
lei não lhe proíbe, não posso ter um padrão de exigência subjetivo meu para
dizer "não, você não pode, porque você é ex-presidente e porque talvez
você pudesse influenciar a Dilma".
O Lula foi conduzido até a polícia e você diz que a polícia
foi até o Fernando Henrique? Não vi isso.
Eu li num blog ontem que trazia uma ata da PF mostrando
isso, que a polícia foi até a casa do Fernando Henrique para colher o
depoimento dele. Não estou reclamando que fizeram isso, eu estou achando que
podiam ter feito com Lula o que eles já fizeram em outras condições. Mandaram
uma comunicação e se combinou a data do depoimento.
Mas ele demorou sete meses para isso acontecer.
Um deles pode ser verdade, ter demorado mais, mas, no
segundo, não, no segundo ele foi quando foi chamado. Eu não estou reclamando
tratamento especial para ele, não. O ministro Marco Aurélio [STF] foi muito
claro quando disse que a condução coercitiva é quando o investigado se recusa a
se apresentar.
É uma diferença gritante de tratamento entre Lula e FHC! Uma
diferença gritante que pede uma explicação. Tudo bem que o Fernando Henrique
era chamado como testemunha, mas tinha que ter dado uma isonomia não só em
relação a Fernando Henrique mas a qualquer cidadão. O que eles fizeram com o
Fernando Henrique, a meu juízo, é correto, pois não o constrangeram e não
expuseram publicamente. Fizeram uma gentileza pelo fato de ele ser
ex-presidente da República. Eu nem estou dizendo que a polícia precisava ir na
casa do Lula, era só fazer uma intimação e o Lula compareceria. Porque não
fizeram com Lula isso? Vou te falar uma frase que o Lula me disse na quinta:
'Gilbertinho, põe na tua cabeça. Eu vou ser preso ou vão fazer a minha condução
coercitiva porque, do contrário, a Lava Jato não tem sentido. Ela foi moldada
nessa perspectiva. Então, Gilbertinho, tire da cabeça que eu não sofrerei algum
tipo de constrangimento porque eles fizeram tudo isso para chegar a mim. Então,
não tem como eu não ser levado'. Eu só não imaginava que isso seria no dia
seguinte.
Isso foi na véspera da Operação?
Um dia antes. Passei no Instituto para me reunir com Luiz
Dulci sobre uma questão do movimento sindical para combater o desemprego, e o
Lula estava lá. Tomei um café rápido com ele e perguntei como ele estava e
tocamos na Lava Jato.
Existia no começo da Lava Jato uma máxima de que não teriam
coragem de levar Lula preso. A operação de sexta parece ter derrubado essa
máxima. O que veremos o que nos próximos dias nas ruas?
Eu não quero falar nesse hipótese, espero sinceramente que
não aconteça. Eu só espero que eles não brinquem com fogo. A tese que eles
desenvolveram é a tese de que o Lula é uma estátua de gelo, que basta você
encostar perto do fogo que ela vai derreter. Essa foi a tese que eles seguiram,
na expressão de um cara deles, que eu fiquei sabendo. Então, eles tentaram
desmoralizar o Lula, primeiro isolando-o da massa para depois chegar nele. Na
sexta ficou evidente que isso não é tão simples assim. Mas o problema não é
esse. A polícia não pode ser conduzida pelo princípio de que eu prendo ou não
prendo pelo que ele fez ou deixou de fazer, mas sim pelo medo que eu tenho de
uma convulsão. Isso é um absurdo. Espero que haja o bom-senso e de que a Lava
Jato volte ao seu leito natural de combater a corrupção real e deixe de fazer
teatro, que as delações premiadas deixem de ser instrumento de perseguição de
parte de um partido político. E digo mais, se a delação da Andrade Gutierrez
for direcionada apenas contra o PT, esse escândalo vai ser insuportável, porque
vai ser a confissão final de que a lava jato é dirigida contra o PT. Pois todo
mundo sabe que a Andrade Gutierrez é a casa do senhor Aécio Neves, é quem banca
o Aécio. Então, se houver isso, vai ser uma loucura. Por isso espero que volte
a ser um instrumento de combate à corrupção. Esperamos que cessem os vazamentos
criminosos e a espetacularização. Queremos uma investigação séria, científica,
sem preconceito. Não pode isso de que o cara roubou, conta duas ou três coisas
e é perdoado no tempo de prisão e na questão financeira. É esse o combate à
corrupção que nós vamos ter no país? Não pode, eu não quero acreditar nisso.
O que acua mais o PT, a Lava Jato ou a economia?
O povo está preocupado com emprego. Eu começo a ver o fastio
das pessoas. Eu não esqueço quando, no mensalão, cheguei no meu gabinete e Lula
estava lá, sentado esperando. Quando entrei, ele me deu um abraço e disse:
"Gilbertinho, eu vou viajar, quero que você ponha na cabeção uma coisa: o
que eles querem é que a gente pare de trabalhar. Vamos trabalhar, vamos fazer
economia crescer, pois quando passar esta espuma, o povo vai perceber que nós
trabalhamos e que a vida do povo começou a melhorar, o resto desaparece".
Foi o que aconteceu. Agora eu digo a mesma coisa. O problema principal da Lava
Jato é que ela está prejudicando profundamente a economia. O que eu acho que é
pior pra nós, de fato, é a economia. Porque se a economia voltar, tiver respiro
de crescimento, a Lava Jato vai ficar no seu lugar. O que preocupa é muito mais
a economia, mais do que a Lava Jato.
Todos os relatos das pessoas do grande e do baixo clero que
trabalham no governo são de que o governo está completamente paralisado. O
governo Dilma não consegue se desvencilhar da paralisação. Parece que parou.
Eu te confesso que essa é a minha preocupação central. Eu
não estou no governo, eu não tenho elementos para avaliar, mas o que mais me
preocupa, de longe, é esta questão da economia. Eu penso que nós precisamos
trabalhar e isso é muito difícil porque este clima não ajuda em nada. Tem que
ter um processo de repactuação neste sentido ou vamos entrar num processo
gravíssimo para o país.
Você diz repactuar com qual agenda?
Com o mundo empresarial, com o mundo político mesmo. Eu acho
que é hora de chamar governadores e mesmo a oposição, e o governo deve propor.
Porque, nesse caso, quem sinaliza uma proposição, um pacto, não é o mais fraco,
é o mais nobre, é o que tem mais condição de ver que acima de tudo está o
interesse do país. Precisamos salvar o essencial.
Você acha que a Dilma está livre do impeachment?
Eu não acredito na possibilidade do impeachment enquanto as
instituições estiverem funcionando, porque eu não vejo base nenhuma para o
impeachment, nem mesmo base para um julgamento do TSE (Tribunal Superior
Eleitoral). Eu acho que a Dilma vai até 2018. Eu não posso ser ingênuo e achar
que o impeachment acabou. Acho que é um erro da oposição, porque ela não
contribui, ela ajuda a fragilizar muito o governo. O governo tem que virar esta
agenda. Quando você está muito sitiado é que precisa tomar uma iniciativa.
Foro privilegiado para ex-presidentes. Você acha que com o
que aconteceu na sexta é o momento discutir isso?
Não. Acho que não.
Para não parecer casuísmo?
Não é para não parecer casuísmo. O foro privilegiado tem que
pertencer a quem está exercendo algum mandato pra que ele não fique ao léu à
disposição de qualquer juiz de primeira instância. Mas quem não está no governo
não vê razão nenhuma para isso. O próprio Lula concorda porque nunca aceitou a
hipótese de virar ministro para ter foro privilegiado. Eu não vejo razão.
O PT e a Dilma estão cada vez mais distantes e a presidente
tem sido aconselhada a sair do PT. O que você acha disso?
A Dilma não vai sair do PT. Eu não consigo imaginar de
maneira alguma isso. Não pode ser visto como uma crise. Se o partido discorda
da política econômica do governo, está na opção dele, criticando. O governo
recebe enorme pressão dos setores conservadores todos os dias. Se, do outro
lado, não tiver ninguém pressionando, o governo vai ser cada vez mais
conservador. Sempre fui favorável à pressão dos movimentos sociais porque é a
forma que nós temos de equilibrar o governo. Os nossos ministros recebem todos
os dias empresários, mas têm enorme dificuldade de receber movimentos sociais.
Mesmo o governo Lula, mesmo o governo Dilma. Então, acho que está correto o
partido fazer as críticas que têm que fazer. Elas têm que ser recebidas com naturalidade
pelo governo, pela presidente, e o partido tem que entender que ele não pode
querer mandar no governo, ele pode influenciar, mas ele não tem que mandar no
governo. Então, eu não acho que a Dilma saia do do PT, até porque a
sobrevivência dela estaria muito ameaçada se ela saísse do PT. Seria uma ilusão
achar que ela faria o movimento feito por Marta Suplicy, que iria sobreviver
apoiada por setores que só querem vê-la fora do governo. Acho que ela tem uma
ligação com o presidente Lula que é muito mais profunda ainda.
O que acontece se a presidente não mudar sua agenda
econômica?
Não quero pensar nessa hipótese. O conflito com o partido
evidentemente se acentuaria. A base que a sustenta hoje não terá condição de
segui-la sustentando, mesmo querendo. Os movimentos sociais demonstraram a
maior maturidade nos últimos tempos na relação com o governo, pois mesmo tendo
uma agenda absolutamente adversa, as iniciativas do governo nos últimos tempos
têm sido quase toda contra os interesses da maioria dos trabalhadores. Os
movimentos tiveram a maturidade de distinguir a crítica à política econômica do
governo da necessidade de manter a legalidade e ser contra o impeachment. Daqui
para frente, se continuar numa situação em que a economia vai mal e os direitos
sociais, tolhidos, qual trabalhador ou sindicalista vai para porta de fábrica
defender um governo com o índice de desemprego imenso? Qual morador, qual
agente do movimento social de moradia vai poder defender se pararem os
benefícios de moradia para o povo? Por isso que eu espero sinceramente que a
presidente Dilma leve em conta a necessidade de buscar saídas na economia que
retomem o investimento e o emprego.
Essa condução coercitiva do Lula levará a uma radicalização
muito forte nas ruas?
Vai depender, a meu juízo, do comportamento da PF, do
Ministério Público e do Judiciário. Se houver um reequilíbrio e ficar claro que
a Lava Jato busca combater a corrupção, não o Lula, acho que a sociedade vai
compreender. Mas, se continuar tão explicitamente como foi demonstrado na sexta
e em outras ocasiões, esse direcionamento persecutório de uma força política de
um líder, como é o caso do Lula, aí eu temo muito por um processo que nos leve
ao que acontece na Venezuela, porque você vai levar ao processo de
justiçamento, de justiça com as próprias mãos, e haverá um ódio progressivo.
Não foi nada bom o que ocorreu na sexta, as manifestações à tarde. Estou
convencido de que pode ocorrer no dia 13, mas temos que ter maturidade de não
insuflar ou estimular esse tipo de manifestação. Temos de buscar o contrário,
buscar o entendimento e a paz.
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