Jornal GGN - Em sua
coluna publicado ontem (29) na Folha de S. Paulo, Janio de Freitas
analisa as gravações feitas por Sérgio Machado, ex-presidente da
Transpetro, que acabaram tirando Romero Jucá do ministério do
Planejamento. Janio afirma que Machado será premiado pela Justiça por
gravar "colegas que o têm por confiável, incluído aquele a quem deve o
emprego magnífico usufruído por dez anos". Janio também argumenta que,
apesar de acusados pela imprensa de "tentar obstruir" o prosseguimento
da Lava Jato, as falas de Machado e dos gravados "vão em sentido oposto
à obstrução".
Leia a coluna abaixo:
Da Folha
Janio de Freitas
Nas gravações feitas por Sérgio Machado e
em sua divulgação há um componente que reflete bem o estágio em que
estamos, sendo incerto que apenas o atravessamos. Prefiro não definir
nem qualificar o componente, também por desnecessidade. É suficiente
sintetizá-lo na prática.
Um homem procura colegas que o têm por
confiável, incluído aquele a quem deve o emprego magnífico usufruído por
dez anos. Mesmo sem ser explícito, faz entender que busca ajuda
solidária para o risco angustiante de ser entregue, por atos de sua
plena responsabilidade, a um juiz que valoriza a cadeia como passo
preliminar. O homem conduz as conversas, em sutis induções e
insistências. Grava-as, sem disso ser suspeitado. Não se sabe quantas
foram, nem quantos os gravados.
O homem divulga várias gravações.
Gravado que não se comprometeu com propostas condenáveis, passa, no
mínimo, pelos dissabores do escândalo. Os que se mostraram mais
solícitos com as angústias do colega, porém, fosse por solidariedade ou
por combiná-la com sua própria situação, foram –como outros vão ser– por
ele entregues às feras, com suas situações agravadas. Por tal atitude, o
homem será premiado pela Justiça.
É reconfortante, ao menos, imaginar que
não podem ser muitos os capazes de agir da mesma maneira desse homem
cujas angústias lhe parecem justificativas para tudo. A imaginação é
temerária, no entanto. A naturalidade com que esse enredo é tratado na
imprensa e na TV, é lido e ouvido, é citado e comentado até como um
momento de comicidade, não pode ser sem significação profunda. Até pela
extensão, como se unânime. Se houve algum repúdio, alguma consideração
crítica, uma reprovação qualquer, não a encontrei.
O cinismo pode ser uma epidemia? Ou,
quem sabe, é uma insensibilidade endêmica e progressiva, um Alzheimer
que devora a memória dos valores pessoais. Seja o que for, é o mal de um
país que está doente. Muito doente.
MACHADO A JATO
Os gravados e o próprio Sérgio Machado
estão acusados pela imprensa de "tentar obstruir" o prosseguimento da
Lava Jato. Há dois motivos para outra interpretação: primeiro, porque
nenhum deles tentou coisa alguma, a não ser nos títulos de jornais;
depois, porque suas palavras vão em sentido oposto à obstrução.
"Aécio é a bola da vez", "ninguém
escapa", "no Congresso só escapam uns cinco", "no PSDB não sobra
ninguém", e por aí segue a contabilidade dos que têm conhecimento
intestino do Congresso. Mas esse desnudamento põe a Lava Jato contra a
parede: em vez de obstrução, indica quanto os seus integrantes deveriam
trabalhar ainda. Ou já tê-lo feito.
Gravados e gravador vão mais longe, como
dizem por aí, na imposta "saia justa" (uma das maiores invenções da
humanidade, ultrapassada só pela minissaia): com as referências a Aécio,
ao PSDB sem salváveis, só cinco inocentes, Sérgio Machado e seus
gravados querem que a Lava Jato deixe de transitar em mão única e entre
nas vias que até agora bloqueou.
Aí já querem demais. E não entenderam a
contribuição da Lava Jato, com a ida coercitiva de Lula para o
aeroporto, a divulgação dos seus telefonemas com Dilma, e o veto à sua
posse ministerial por Gilmar Mendes, criando o clima coincidentemente
adequado para a decisão de Eduardo Cunha pró-impeachment.
A propósito, a divulgação das gravações
de Sérgio Machado e a queda de Romero Jucá, do PMDB, não atestam a
indiferença da Lava Jato entre partidos, como pretendem alguns
comentaristas. Tudo nas gravações é obra só de Machado, mais da alma do
que do corpo. E por elas Jucá se foi, apesar de Michel Temer, e não por
ação da Lava Jato.
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