Via Agência Pública
Levado à política pelo pai, eleito presidente da Câmara com ajuda do
sogro, Moreira Franco, o deputado agora pode vir a substituir Temer ou
conduzir um eventual processo de impeachment
O deputado federal Rodrigo Maia, 46 anos, eleito pelo DEM-RJ, é tido
como um dos mais fiéis aliados do presidente Michel Temer. Também é um
moço educado, de família influente no Rio de Janeiro. Seu colega Ivan
Valente, do PSOL, contou à Pública que, ao contrário do
antecessor, Eduardo Cunha, preso em Curitiba, ele costuma ter bons
modos quando está fora da cadeira de presidente da Câmara Federal. ‘‘Mas
é só sentar naquela cadeira que ele se transforma em um monstro. Age
não como um presidente de uma das casas do Legislativo, mas sim como um
soldado do presidente ilegítimo Michel Temer’’, se apressa a dizer
Valente. ‘‘Ele impede os setores populares de frequentar a Câmara. Exige
que a polícia torne o Parlamento algo inóspito’’, acentua.
Na semana passada, quando milhares de manifestantes protestavam
contra o governo Temer do lado de fora do Congresso, o presidente da
Câmara foi mais longe. Um pedido seu para reforçar a segurança no
entorno acabou resultando no desastroso decreto do presidente Temer
convocando os militares para a “Garantia da Lei e da Ordem (GLO)” em
Brasília. Com a reação desfavorável ao decreto, Maia procurou a imprensa
para desmentir o pronunciamento do ministro da Defesa, Raul Jungmann,
que havia atribuído a ele o pedido de uso das tropas militares. Não foi
ele quem solicitou a entrada das Forças Armadas, disse o deputado, o que
ele havia pedido era que viesse a Força Nacional “porque o ambiente lá
fora estava um campo de guerra’’, declarou. Em um raro momento de
enfrentamento do governo, ainda criticou o decreto de Michel Temer que
liberava a ocupação militar da Esplanada dos Ministérios até o dia 31.
‘‘Isso é muito tempo’’, disse. A queixa não inibiu sua atuação no
Congresso: com a retirada da oposição do plenário em protesto contra o
malfadado decreto, ele aprovou sete medidas provisórias do governo em um piscar de olhos, enquanto o pau comia do lado de fora. O decreto foi anulado no dia seguinte pelo presidente.
Afeito a seguir à risca as determinações de Temer, o filho do
polêmico ex-prefeito Cesar Maia pode vir a ocupar por 30 dias a
Presidência da República em caso de renúncia ou impeachment do próprio
Temer. O ex-senador Saturnino Braga, contemporâneo do pai de Rodrigo
Maia nos tempos do PDT de Leonel Brizola, diz que ao parlamentar falta
densidade política para exercer a mais importante função do país, mesmo
por apenas um mês. ‘‘Ele deveria estar consciente de que o papel dele é
convocar novas eleições.”
O educado Maia, contudo, sabe agir como trator – até o momento em
defesa dos interesses do governo. O deputado Henrique Fontana (PT-RS)
reclama, por exemplo, que a discussão da PEC das eleições diretas, que
estava em debate na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), foi
interrompida abruptamente por Maia. No dia seguinte à discussão (em 23
de maio), Maia abriu o plenário com a ordem do dia, atropelando as
tratativas da CCJ sobre o tema.
Para conseguir a aprovação do regime de urgência da proposta
de reforma trabalhista, no mês passado, Maia colocou a votação em pauta
um dia depois de ela ter sido rejeitada. “Ele é cheio de artimanhas.
Deixa, por exemplo, de fazer a reunião do Colégio de Líderes, pela qual
se define a pauta, a fim de justamente dar o ritmo das votações. Nos
últimos dois meses, atuou dessa forma pelo menos por duas semanas”, diz
Glauber Braga, deputado federal do PSOL do Rio de Janeiro. O deputado
Alessandro Molon (Rede-RJ) também se revoltou quando, sem o quórum
necessário, Maia abriu o debate sobre a Medida Provisória 756 (MP 756),
pela qual parques nacionais teriam sua área diminuída. Em discurso na
Câmara, Molon disse que tal ação foi antirregimental e serviu como um
chega pra lá na oposição, que tentava obstruir a MP que, para o
parlamentar, visa “facilitar o desmatamento na região em que a Amazônia
mais tem sido desmatada”. Nesses momentos, lembra o estilo de Eduardo
Cunha, com quem também coincide no gosto por declarações polêmicas. “A
Justiça do Trabalho nem deveria existir’’, disse ele em meio ao processo
pela aprovação das reformas.
E Maia não pode negar que Cunha seja para ele uma inspiração. No dia
da votação do impeachment da então presidente Dilma Rousseff na Câmara,
ele foi ao microfone, fixou os olhos no então presidente da Câmara e o
homenageou. ‘‘Senhor presidente, o senhor entra para a história hoje’’.
Mas Maia tem o próprio clã, e ele é poderoso. Sua mulher, Patrícia
Vasconcellos, é enteada do ministro-chefe da Secretaria-Geral da
Presidência da República, Wellington Moreira Franco, um dos assessores
mais próximos de Temer. Moreira Franco foi governador do Rio entre 1987 e
1991 pelo PMDB, mas não conseguiu eleger seu sucessor, Nelson Carneiro,
derrotado por Leonel Brizola. Já seu pai, Cesar Maia, vereador do DEM,
foi prefeito do Rio de Janeiro em três mandatos. Ambos estão longe de
ser unanimidade entre os cariocas. No dia em que Maia e Patrícia se
casaram, houve protesto fora da igreja no centro do Rio onde ocorreu a
cerimônia. ‘‘Não procriem’’, dizia um cartaz ofensivo erguido entre os
manifestantes, como registrou a Folha de S.Paulo à época.
Maia – o filho – tem posições conservadoras. Declara-se contra a
legalização do aborto, da maconha e do casamento de pessoas do mesmo
sexo. Mas defendeu a audiência concedida pelo ministro da Educação,
também filiado ao DEM, ao ator Alexandre Frota, que levou propostas à
pasta. ‘‘Não tenho nada contra ator pornô, muito menos contra Alexandre
Frota’’, disse no programa Roda Viva, da TV Cultura, em 2016.
Sua carreira política tem um quê de incoerência. Em 2012, por
exemplo, deixou que o pai, Cesar Maia, articulasse a candidatura dele à
prefeitura do Rio. Maia pai então surpreendeu todo mundo ao procurar o
antigo desafeto Anthony Garotinho, ex-governador do Rio, e acordar com
ele a candidatura de Rodrigo, tendo como vice a deputada federal
Clarissa Garotinho, filha do ex-governador. A ideia aparentemente
esdrúxula se revelou esdrúxula mesmo. A chapa teve 3% dos votos válidos.
À época, o então prefeito do Rio, Eduardo Paes, classificou a aliança
de “bacanal eleitoral’’. Clarissa, por sua vez, disse que ter sido vice
de Rodrigo na candidatura foi o maior arrependimento de sua vida.
“Quando o Rodrigo me procurou dizendo que queria disputar a eleição, eu
perguntei a ele que razão eu teria para apoiá-lo. Ele me disse:
‘Clarissa, nós precisamos derrotar o PMDB, que está fazendo muito mal ao
Rio de Janeiro e, posteriormente, em 2014, apoiaremos o candidato de
vocês’”, disse ela em entrevista ao jornal O Globo. Mas em 2014, Cesar Maia apoiou Luiz Fernando Pezão, do PMDB, ex-vice de Sérgio Cabral, na disputa pelo governo do estado.
Entre a política e o mercado financeiro
Foi Cesar Maia quem colocou o filho na carreira política ao indicá-lo
para o primeiro cargo público como secretário de Governo do então
prefeito Luiz Paulo Conde, em 1997 e 1998. Antes de ser secretário, ele
atuava no mercado financeiro, trabalhando nos bancos BMG e Icatu, embora
não tenha conseguido completar o curso de economia na Universidade
Candido Mendes, no Rio.
Eleito pela primeira vez deputado federal aos 28 anos, em 1998, pelo
PFL-RJ (atual DEM), Maia tem ao todo cinco mandatos na Câmara Federal.
Em tempos de Lava Jato, vale lembrar que ele foi vice-presidente da
Comissão Parlamentar de Inquérito do Banestado, o Banco do Estado do
Paraná, que investigou remessas ilegais para o exterior. Um clichê
sintetiza a CPI: deu em pizza.
Conhecido como “Botafogo” nas delações da Odebrecht, Maia está na
chamada lista do Fachin – como é conhecido o rol de políticos que
tiveram abertura de inquérito pedida pela PGR, determinada pelo STF. Em
um dos inquéritos, Rodrigo e seu pai, Cesar Maia, estão entre os
suspeitos de receber propinas para aprovar leis favoráveis à Odebrecht.
Claudio Melo Filho, um dos ex-diretores da empresa, disse que lhe pediu
especial atenção à tramitação de uma medida provisória – a 613/2013 –
que concede incentivos ao setor petroquímico. E disse que Maia lhe
requisitou R$ 100 mil para pagamentos de dívidas de campanha para a
prefeitura do Rio em 2012. Já o pai era chamado de “Inca” ou “Déspota”
na planilha de propinas da empresa, segundo Melo Filho e mais quatro
delatores, que relataram ter pago R$ 400 mil para a campanha de Cesar
Maia ao Senado em 2010. No mesmo ano, houve um pedido de R$ 500 mil para
a campanha de Rodrigo Maia à Câmara. Ambos negam as acusações de
propina, afirmando que se tratou de doações eleitorais. “Ele pode ser
alvejado a qualquer momento por essas denúncias’’, diz Ivan Valente,
afirmando que a Justiça pode impedi-lo de ser presidente da República
mesmo por um mês. Ele também é citado nas conversas grampeadas entre o
senador Aécio Neves e o empresário Joesley Batista, presidente da
holding J&F, exatamente quando se discute a aprovação da lei de
anistia ao caixa 2. “O cara, cê tinha que mandar um, um… Cê tem ajudado
esses caras pra caralho, tinha que mandar um recado pro Rodrigo, alguém
seu, tem que votar essa merda de qualquer maneira, assustar um pouco, eu
tô assustando ele, entendeu, se falar coisa sua aí… forte”, diz Aécio a
Joesley na gravação.
Tido como interlocutor entre o governo e o mercado, os Maia e o sogro
de Rodrigo, Moreira Franco, são apontados como protagonistas da saída
do comando do BNDES de Maria Sílvia Bastos Marques, que estaria dificultando o acesso ao financiamento do banco. Uma fonte ligada à economista afirmou à Pública
que Maia levou ao presidente Michel Temer a reclamação de um grande
empresário sobre a dificuldade de se fazer empréstimos com o banco de
fomento.
Muito da vida recente do país foi decidido à mesa de Maia,
frequentada com assiduidade por Temer. No último dia 22, por exemplo,
foi na residência oficial de Maia que o presidente tentou reunir a base
do governo após as delações dos irmãos Joesley e Wesley Batista. O
jantar político reforçou a fama de que o anfitrião Maia exerce uma dupla
função: a de presidente da Câmara Federal e a de líder do governo. E
não são só os políticos que o frequentam. Maia gaba-se de ser próximo
dos acionistas do Itaú e do setor bancário como um todo. Em evento recente,
discursando em nome da Câmara, deu um recado claro em meio à crise
política: “A Câmara vai manter a defesa da agenda do mercado”, afirmou.
O atual presidente da Câmara dos Deputados foi eleito no dia 2 de
fevereiro, em primeiro turno com apoio de um bloco parlamentar com 13
partidos, totalizando 358 deputados. Entre os integrantes estavam PMDB,
PSDB, PP, PR, PSD, PSB, DEM, PRB, PTN, PPS, PHS, PV e PTdoB. Maia já
presidia a Câmara desde julho de 2016, em um mandato “tampão”, em
substituição ao então deputado Eduardo Cunha, afastado do cargo pelo
Supremo Tribunal Federal (STF) e depois cassado pela Câmara. Investido
de poder, angariou fãs.
“Ele foi meu adversário na disputa da presidência da Câmara, e, mesmo
tendo perdido, posso dizer que ele tem cumprido bem a função. Ele é
muito ligado ao mercado, mas nunca escondeu isso de ninguém. Nesse
ponto, mostra coerência”, diz o deputado federal Rogério Rosso, do PSB.
Para Pedro Cunha Lima, do PSDB, Maia tem sido criticado por dialogar
muito com a oposição. “Eu concordo parcialmente com quem reclama que ele
conversa muito com a oposição. Fora isso, acho que ele tem feito de
tudo para aprovar as reformas necessárias ao país”. Para o deputado
Efraim Filho, do DEM, obviamente, a atuação de Maia na presidência da
Câmara tem sido irrepreensível. “Ele dialoga com a esquerda. Tanto que
na sua eleição obteve votos de parlamentares do PDT e do PCdoB”.
Professor da PUC do Rio, o cientista político Ricardo Ismael crê que
ele chegou à presidência da Câmara por influência de Moreira Franco.
“Ele foi ajudado pelo sogro, mas pode ter seu primeiro grande teste se a
base do Temer rachar. Até agora ele foi blindado pela maioria a favor
do governo na Câmara e pelo Colégio de Líderes, que toma as decisões
mais importantes. Vamos ver como irá se portar em mais situações-limite
que vêm por aí.”
Para o ex-senador Saturnino Braga, Rodrigo Maia precisa ter muita
desenvoltura e cuidado com o que diz no atual momento político. O
presidente da Câmara tem como certo verniz progressista o fato de ter
nascido no Chile, devido ao período de exílio político de seu pai
naquele país durante a ditadura militar brasileira. ‘‘Tudo que ele fizer
agora vai influenciar demais o futuro político dele’’, prevê Saturnino.
As respostas de Maia
A assessoria de imprensa de Rodrigo Maia enviou um texto em resposta à agência Pública.
“O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, tem procurado garantir a mais
ampla participação social em todos os debates da Casa. Foi na gestão do
deputado que foi autorizada a reabertura das galerias da Casa, por meio
da distribuição de senhas às lideranças dos partidos. Medidas de
controle no acesso aos espaços da Câmara são adotadas apenas quando os
trabalhos parlamentares são comprometidos por eventuais excessos de
alguns grupos. No gabinete da presidência, o deputado Rodrigo Maia tem
atendido a todas as demandas de audiências solicitadas por diversos
grupos da sociedade como a UNE, representantes indígenas, só para citar
alguns”, destacou o texto da assessoria.
Sobre ter colocado a votação da reforma trabalhista em pauta no dia
seguinte da própria reforma ter sido rejeitada, foi evasivo: “A condução
dessas votações também tem seguido estritamente o Regimento Interno e a
Constituição”.
Maia não respondeu à crítica de alguns de seus colegas de que atuaria
como líder de governo enquanto é presidente da Câmara. Sobre sua
ligação com mercado, a assessoria afirmou: “O deputado Rodrigo Maia
sempre defendeu a aprovação das medidas econômicas, mesmo antes de ser
eleito presidente da Câmara dos Deputados. Foi um dos poucos deputados
da oposição a votar a favor de medidas do ajuste fiscal proposto pela
então presidente Dilma. A pauta econômica, portanto, já era um tema
defendido por ele e a discussão das propostas que buscam o reequilíbrio
fiscal do país, como as reformas trabalhista e da Previdência, além da
proposta que definiu um teto para os gastos públicos estão sendo
amplamente debatidas e votadas pelo Congresso e com apoio da maioria dos
parlamentares”.
Por fim, sobre o questionamento da votação da MP 756 sem ter havido
debate com um quórum minimamente representativo, afirmou o seguinte: “O
debate em relação a qualquer medida provisória pode ser iniciado sem
quórum, como permite o regimento. No entanto, a votação só é iniciada
quando é atingido o quórum de 257 parlamentares presentes”.
Crédito da imagem destacada: Alex Ferreira/Câmara dos Deputados
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