sábado, 26 de agosto de 2017

Vítimas preferenciais

Via Agência Pública
Em uma entrevista publicada ontem no portal UOL o novo comandante da Rota defendeu sem pudor que a polícia trate de forma diferente os cidadãos de acordo com sua condição econômica: “Se ele [policial] for abordar uma pessoa [na periferia] da mesma forma que que ele for abordar uma pessoa aqui nos Jardins, ele vai ter dificuldade. Ele não vai ser respeitado. Da mesma forma, se eu coloco um [policial] da periferia para lidar, falar com a mesma forma aqui nos Jardins, ele pode estar sendo grosseiro com uma pessoa que está ali, andando. O policial tem que se adaptar àquele meio que ele está naquele momento”, disse o tenente-coronel Ricardo Augusto Nascimento de Mello Araújo, que desde do dia 4 desse mês comanda os cerca de 700 homens que compõem a tropa de elite da PM.
O depoimento é ainda mais chocante quando se sabe que essa diferença pode significar a morte do cidadão que mora na periferia. A Rota é a polícia que mais mata no Estado de São Paulo, polícia essa que mata 3 vezes mais negros do que brancos de acordo com um estudo de fôlego da Universidade Federal de São Carlos, que concluiu pela existência de um “racismo institucional” na corporação.
Na mesma entrevista, o comandante da Rota diz: "Para quem sonha ser policial, a Rota é o sonho de consumo. É onde a gente tem liberdade, a tropa mais especializada. E a gente vai atuar nas ocorrências mais graves. A adrenalina é maior aqui na Rota. E isso é uma coisa que o ser humano procura”. Uma rápida busca pelos últimos feitos da Rota mostra bem o que significa essa “adrenalina”: em junho, a ouvidoria da PMdenunciou policiais da Rota por torturar e matar um jovem de 19 anos, morador da favela do Moinho. Em maio, a promotoria de São Paulo denunciou 14 policiais pela morte de dois jovens em Pirituba, na periferia de São Paulo.
A melhor declaração sobre o que significam as ocorrências policiais no Brasil está na entrevista publicada em nosso site essa semana com um policial fora da curva: o coronel da reserva Ibis Pereira, ex-comandante geral da PM do Rio. “É porque a gente não assumiu os direitos humanos como bandeira radical do Estado que estamos vivendo esse horror”, ele diz. E vai além: “O nosso problema é justamente que aquilo que poderia nos salvar é o que a gente repudia. A gente repudia exatamente o remédio. Por isso a gente não sai da UTI, porque estamos recusando o remédio, que é mais direitos humanos, para todos, já que é para o homem. A vida humana não é uma prioridade para o Brasil.”
Um balde de água fria para os que veem os direitos humanos como obstáculo e não como condição para que se restabeleça a paz, a democracia e a justiça no país como os seguidores do candidato Jair Bolsonaro, uma espécie de porta-voz do desespero e da ignorância que assola o país. Não por acaso, defensor da ditadura militar e da violência policial.
Os direitos humanos são a garantia de liberdade, justiça e paz de todos nós.
Marina Amaral, codiretora da Agência Pública

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