sábado, 14 de outubro de 2017

Por que a Venezuela sumiu dos noticiários?




Durante quase todo o ano de 2017, a Venezuela ocupou boa parte da grade do jornalismo no Brasil e no mundo. Desde a eleição para a Assembleia Constituinte, porém, a mídia pouco tem abordado o que se passa no país. Vários fatos envolvendo tanto o cenário político venezuelano quanto o contexto mundial explicam isso.
O principal motivo, talvez, para a mudança no comportamento jornalístico é o fato de que os protestos da oposição de direita na Venezuela esfriaram e praticamente não ocorrem mais.
Logo depois do pleito que escolheu os novos Constituintes do país, houve uma tentativa frustrada de convocar um protesto por parte da principal força de oposição, a MUD. A adesão foi muito pequena e acabou inaugurando um período de calmaria nas ruas venezuelanas.
Vários fatores levaram à baixa adesão popular aos novos protestos da direita. Embora contestada pela mídia internacional, a eleição para a Assembleia Constituinte, de fato, teve uma grande participação popular, uma das maiores já conquistadas pelo chavismo, o que mostrou que boa parte do povo venezuelano realmente aposta na Constituinte como um caminho para a pacificação do país.
Do outro lado, boa parte do povo que não apoia o bolivarianismo passou a se sentir traída pela MUD e por outros organismos políticos da direita venezuelana.
Primeiro porque os chamados a protestos feitos por lideranças que se manifestavam no conforto de Miami já eram vistos como pura hipocrisia pelos revoltosos. Segundo porque a MUD, que dias antes contestava a legitimidade de qualquer processo eleitoral feito pelo Estado, logo se apressou a dizer que concorreria nas eleições regionais convocadas pela Constituinte.
Assim, se ao lado da oposição houve uma grande desilusão popular em relação a classe política que a representava, do lado bolivariano, o apoio massivo à Constituinte rendeu novas forças ao governo de Maduro.

Com as ruas mais calmas e com a Constituinte baseada em apoio popular, a oposição passou a voltar seus olhos para a comunidade internacional. Nesse momento, sumiram as notícias sobre fatos internos do país, que passaram a ceder espaço à pressão internacional sobre a Venezuela.
A narrativa parecia que ganharia força, inclusive, quando a ex-Procuradora Geral do país, Luisa Ortega, foi destituída e se refugiou na Colômbia. Mas suas ameaças de revelar os podres do Governo parecem ainda não ter prosperado e, inclusive, geraram desconfianças sobre ela, que ocupou o cargo por anos sem se manifestar nesse sentido.
E nem mesmo a narrativa de rechaço mundial ao regime chavista rendeu muitos frutos. Pelo contrário, acabou expondo a incoerência dos grandes grupos de mídia, que, no conturbado cenário político atual, mostram dois pesos e duas medidas para fatos semelhantes.
Como a mídia mundial poderia, por exemplo, manter a narrativa de que a falta de rotatividade no poder venezuelano é uma ditadura, ao mesmo tempo em que apoia que Angela Merkel permaneça no poder da Alemanha (e da Europa) por um período maior do que o próprio Chávez? E nem se diga que não há repressão no governo alemão, ou todos já esqueceram as horríveis cenas de violência policial durante a reunião do G-20 em Hamburgo? Ou a pressão escandalosamente imperialista e antiética que exerceu sobre países em crise como Grécia, Portugal e Espanha?
A narrativa de pressão da comunidade internacional também acabou esbarrando nos atos dos próprios governos que a exerciam. Enrique PeñaNieto, presidente mexicano, acusava Maduro de ditador sob a tutela de seu partido, o PRI, que governou o México por mais de 70 anos, e sem ainda ter explicado o massacre de 43 estudantes em Ayotzinapa. Juan Manuel Santos, presidente colombiano, por sua vez, passou todo o ano de 2017 condenando o regime chavista, sendo que, nesse mesmo período (entre janeiro e agosto), 101 líderes de movimentos sociais haviam sido assassinados em seu país.
A mesma incoerência atingiu o governo espanhol, recentemente, quando, após reconhecer o governo venezuelano como uma ditadura, chocou o mundo ao reprimir com uma violência completamente desproporcional o movimento separatista catalão.

Repressão que boa parte da mídia espanhola, como o El País, se apressou em encontrar justificativas. Aliás, este diário espanhol, meses antes, confiou cegamente no plebiscito realizado pela oposição na Venezuela, ainda que a MUD tenha queimado todas as cédulas e atas para que nenhum órgão pudesse auditá-las. Mas não mostrou a mesma confiança a respeito do plebiscito catalão, que tem seus resultados contestados em suas páginas diariamente.
Mas a narrativa de pressão internacional já tinha perdido sua força antes disso, quando Trump afirmou que os EUA consideravam uma opção de intervenção militar na Venezuela. Nem mesmo os governos subordinados aos interesses americanos, como o de Colômbia, México, Brasil e Argentina, apoiaram a declaração.
Declaração esta que acabou sendo um tiro no pé para a própria oposição venezuelana, que passou a ser acusada por parte da população de estar participando de uma conspiração internacional contra o povo venezuelano.
Mas, talvez, em nenhum outro país essas incongruências saltaram tanto aos olhos quanto no Brasil. Soava falso demais para a imprensa brasileira continuar uma campanha anti-chavismo ao mesmo tempo em que empregava todos os seus esforços em apoiar as medidas impopulares de um governo golpista, como a reforma trabalhista e da Previdência.
Soava falso, também, que militantes da direita condenassem a violência na Venezuela ao mesmo tempo em que comemoravam o massacre de manifestantes na Esplanada em Brasília. Assim, aqui, como no resto do mundo, a imprensa achou por bem baixar o tom nas notícias a respeito da Venezuela.


Enquanto isso, o povo venezuelano mostra sua força ao tentar reerguer o país após a grande divisão política que sofreu. Como já defendi neste mesmo espaço em uma ocasião anterior, o bolivarianismo, que apresenta dados incontestáveis entre 1999 e 2014, segue sendo o caminho escolhido pelo povo Venezuelano em busca de seu desenvolvimento.
Com a pacificação do país e uma possível alta do petróleo, abre-se a porta para que a Constituinte corrija as falhas do chavismo, como ela já propôs ao apresentar um plano de diversificação da economia e de apoio aos produtores rurais. E é desse modo que segue o povo venezuelano, exercendo sua auto-determinação e soberania, em um pedaço da América Latina que ao menos ousa se dizer livre.
Almir Felitte é advogado, graduado pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

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