Em uma semana marcada pela tragédia no centro de São Paulo, a esperança brilhou no trabalho de repórteres que nadaram na contracorrente e mostraram para que serve o jornalismo. Enquanto boa parte da imprensa buscava os culpados entre os próprios sem teto, que ocupavam precariamente o prédio por absoluta falta de opção, o programa “Profissão Repórter” contou o drama sob o ponto de vista das vítimas. Não apenas desse incêndio, mas da falta de políticas públicas de habitação: 40 anos depois da consagração do direito à moradia pela Constituição brasileira, inspirada na Declaração dos Direitos do Homem, de 1948, mais de um milhão de famílias não têm onde morar na cidade mais rica da América do Sul.
Muita gente contou ter chorado ao assistir o programa, tão próximo do sofrimento das famílias, dos sonhos das crianças nos barracos, do esforço eterno da reconstrução. O trabalho paciente da jovem equipe de Caco Barcellos, que acompanhou pessoas sem teto por mais de um ano, provoca essa empatia solidária, transformadora, capaz de ir além das cordas do ringue de ódio que aprisiona o país e da distorção sensacionalista das manchetes, apoiadas nas fontes oficiais.
Outro exemplo de jornalismo – esse em um jornal diário – veio no furo de Berenice Seara, no Extra, revelando que as cinco câmeras da Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro que estavam no trajeto da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes foram desligadas entre 24 e 48 horas antes dos assassinatos. Uma delas, que envia imagens em 360 graus do metrô do Estácio ao sistema do Centro Integrado do Comando e Controle (CICC), fica bem na frente do ponto em que os tiros foram disparados. O envolvimento de policiais – entre eles os formadores de milícias – emerge cada vez mais claro, apesar do silêncio dos investigadores, incluindo os militares que comandam a intervenção federal no Rio de Janeiro.
É por essas e outras que os jornalistas são tão importantes quando comprometidos com os fatos e o interesse público. O relatório “Violações à Liberdade de Expressão – 2017”, lançado ontem pela ONG Artigo 19, mostra que, infelizmente, é nos lugares onde eles são mais necessários que correm mais risco. Quase metade das agressões contra jornalistas (21 ameaças de morte, 4 tentativas de assassinato, e dois homicídios) em 2017 ocorreram no chamado “deserto de notícias”, lugares que não possuem veículos periódicos de imprensa. Como o artista da música de Milton Nascimento, todo jornalista tem que ir aonde o povo está – e assim fizeram os jovens do Profissão Repórter. É da poeira do chão que brota a verdade que as autoridades teimam em esconder.
Marina Amaral, co-diretora da Agência Pública
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