Cobrindo conflitos de terras - muitos com vítimas, quase todos impunes -, perguntei certa vez a um experiente advogado que atua para os movimentos sociais por que os juízes eram tão cegos às evidências nesses casos, inclinados a punir os que ocupam terras mesmo quando são eles as vítimas - assassinados, não raro, por forças do próprio Estado. A resposta dele foi direta: “É porque eles se identificam com os proprietários, muitos deles, inclusive, são proprietários rurais e a polícia, para eles, é proteção da propriedade”.
Esse recorte de classe, muitas vezes de parentesco, nos órgãos da Justiça, é o foco da pesquisa feita por quatro professores da UFPR – que será publicada em livro ainda este mês. Ao analisar as biografias dos integrantes da Lava-Jato, revelou filhos e netos de procuradores, desembargadores, juízes, alguns também com conexões pessoais e familiares com escritórios de advocacia e políticos regionais. Como resumiu um dos pesquisadores, o sociólogo Ricardo Oliveira, em entrevista à Pública, todos eles vivem na “mesma bolha”.
Para além da possível contaminação das investigações com a proximidade entre defesa, acusação e juízes, a coincidência de sobrenomes e círculos sociais dentro do Judiciário e do Ministério Público aponta para um viés ideológico na Justiça que não combina com um poder que tem o dever de zelar pela igualdade de tratamento e direitos entre os cidadãos brasileiros.
Uma pesquisa realizada pela ONG Conectas sobre o Ministério Público de São Paulo em 2016, alvo de uma reportagem da Pública, já apontava para o peso da mentalidade hegemônica entre promotores e sua conexão com os políticos. Entrevistado pela reportagem, um promotor aposentado com 31 anos de carreira contava como a política interna influenciava, na prática, a atuação do Ministério Público.
O promotor se disse preterido em promoções por ouvir os movimentos sociais e contou ter sofrido perseguições da Corregedoria por processar a PM por abuso de autoridade. “O perfil não é encher a Promotoria de pobre, de sem-teto, de sem-terra e ficar lutando por esses direitos. O perfil do promotor, nesse caso, seria reprimir esses grupos. Esse é o perfil oficial”, concluía o promotoraposentado.
Vale lembrar: o controle externo da Polícia é atribuição do Ministério Público bem como a garantia dos direitos constitucionais da população.
Marina Amaral, co-diretora da Agência Pública
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