Via Rede Brasil Atual
Por Marcio Pochmann*
Sem capacidade de organizar majoritária quantidade de signatários
a seu favor, estratégia é desmobilizar o eleitor, sobretudo o mais
crítico, para que proteste por meio do voto branco, nulo ou mesmo a
abstenção
A eleição geral de 2018 – a oitava desde 1989 – apresenta-se
circunscrita a uma importante contradição. Não obstante a sua
significância para o desbravamento do impasse gerado com o golpe que
possibilitou a trágica ascensão do governo Temer, a população indica
elevado grau de descomprometimento e descrédito com a política.
Pesquisa realizada no ano passado pelo Instituto Paraná indicou, por
exemplo, que quase três quartos dos eleitores brasileiros não
repetiriam, em 2018, o mesmo voto concedido a deputado federal nas
eleições de 2014. Naquele ano, embora o país possuísse um total de 141,8
milhões de eleitores, somente 97,2 milhões deles votou para deputado
federal, ou seja, apenas 68,5% dos brasileiros em condições de votar.
Ao se considerar somente os votos recebidos pelos 513 deputados
federais eleitos em 2014 (58,1 milhões), nota-se que a Câmara
representa, no seu conjunto, menos de 41% do total dos eleitores. Resta
ainda considerar que dos 513 deputados federais, somente 36 deles
alcançaram o chamado coeficiente eleitoral, sendo os demais 477 eleitos
por meio de votos transferidos de outros candidatos.
Ao se contrastar o perfil da Câmara Federal com a composição da
sociedade brasileira pode-se perceber o enorme contraste. Mesmo
representando mais de 51,5% do total da população, as mulheres mal
alcançam 10% do total dos deputados federais, assim como a população não
branca possui menos de um quinto do total do parlamento brasileiro.
No mesmo sentido da sub-representação política, encontra-se, por
exemplo, a classe trabalhadora, uma vez que os empresários, por não
alcançar nem mesmo 5% da população ocupada, detêm quase 45% do total dos
deputados federais. Também os 12,3 milhões de trabalhadores da
agricultura familiar não conseguem registrar dez deputados federais,
enquanto cerca de 40 mil grandes proprietários rurais alcançam uma
bancada com quase 40% do total da Câmara Federal.
A representação política desconexa em relação à composição da
população e o descrédito da política decorrem direta e indiretamente da
experiência acumulada de duas décadas de forte presença do financiamento
empresarial das campanhas eleitorais. A contaminação do poder econômico
no processo de escolha da representação política terminou por deslocar o
candidato do eleitor em direção ao financiador privado.
Em consequência, o avanço da fragmentação partidária foi
imediatamente acompanhado pela formação de burocracias especializadas na
formação de verdadeiras máquinas eleitorais – capazes de agenciar
campanhas cinematográficas – e de força de trabalho voltada para a
conquista mecanicista e sem compromisso com o voto. Com isso, o deputado
federal, salvo as exceções, foi gradualmente se tornando uma espécie de
vereador federal, comprometido com a agilização de recursos
orçamentários aos seus feudos políticos, por meio das emendas, cada vez
mais impositivas.
Das antigas candidaturas ideológicas, compromissadas com causas e
opinião sobre questões de ordem nacional, passou-se à mediocridade do
parlamentar de senso comum, sem cara, nem personalidade que possa
colocar em risco a sua releição. Enfim, uma profissão, sem vocação,
quase um negócio a serviço do seu próprio interesse, cada vez mais
distante do sentido de população e nação.
Expressão disso foi a manifestação de baixo nível e desqualificação
verificada durante a votação do impeachment da presidenta Dilma na
Câmara Federal. Quanto tempo faz que o parlamento federal se distancia
da função de ser a verdadeira caixa de ressonância da população e do
sentido de nação?
Essa situação, contudo, não deixa de ser a própria expressão da visão
predominante da direita. Sem capacidade de organizar majoritária
quantidade de signatários a seu favor, ela trata de desmobilizar o
eleitor, sobretudo o mais crítico, para que proteste por meio do voto
branco, nulo ou mesmo com a própria abstenção.
Dessa forma, a minoria dos votos da direita cresce em proporção,
frente ao avanço da descrença política. Nesta circunstância, o protesto
construtiva é escolher melhor e votar, pois do contrário, o voto nulo,
em branco, ou a abstenção podem simplesmente favorecer a permanência
justamente daqueles que a população mais repulsa.
Pesquisa realizada pelo Diap aponta que as eleições vêm permitindo a
renovação cada vez menor para a Câmara Federal. No ano de 2014, por
exemplo, a taxa de renovação foi de 44% dos deputados federais, enquanto
foi de 62% nas eleições de 1989. Para este ano, por exemplo, a
expectativa parece indicar menor renovação, podendo consolidar,
inclusive, o perfil parlamentar ainda mais conservador e desconectado do
conjunto da população e do sentido de nação.
*Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos
Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de
Campinas
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