sexta-feira, 13 de julho de 2018

Ninguém pode entrevistar o Lula


Via Agência Pública - Imagine a seguinte situação: em um país distante, um líder consegue ser popular o suficiente pare se eleger presidente duas vezes e ainda obter votos para uma sucessora escolhida a dedo, que é depois reeleita – e sofre um impeachment pelo Congresso.

Imagine, então, que esse líder, investigado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, se declara candidato para um terceiro mandato. No caminho da pré-campanha ele é condenado na Justiça, julgamento que é referendado pela segunda instância e o leva à prisão.

Imagine que, mesmo dentro do cárcere, ele continua à frente nas pesquisas eleitorais. Segue tendo peso na política nacional: move paixões e ódios, é chamado de “o melhor presidente que o país já teve” e “chefe de quadrilha”, tem seu apoio disputado, está nos jornais todos os dias e mantém a intenção de seguir com a candidatura, embora com a quase certeza de que será impugnada.

É ainda tão relevante que em apenas um domingo tem sua prisão revogada três vezes por um desembargador, o que provoca uma imediata reação dentro do Judiciário – um juiz de instância inferior se nega a obedecer a ordem, procura o presidente do Tribunal e provoca outro desembargador para que se pronuncie, alertando ainda a Polícia Federal para que não cumpra a ordem. Finalmente o presidente do Tribunal interfere contra a soltura. Até o Ministro da Justiça é envolvido.

Se você fosse um jornalista estrangeiro, caindo de pára-quedas na realidade brasileira de hoje, não teria dúvidas que o Lula é uma das figuras mais interessantes para se entrevistar neste momento. A prisão de um ex-presidente é histórica por si só, mas o apoio popular à sua candidatura mesmo detido – algo inédito, acredito, em todo o continente – demonstra uma grande sede pela sua visão de país. É um fenômeno social que ultrapassa as mesquinhezas da política do momento e merece reflexão, escuta, debate público.

A decisão da juíza substituta Carolina Moura Lebbos de negar a possibilidade de Lula dar entrevistas contraria o interesse público. Respondendo a pedidos da Rede TV, Diário do Centro do Mundo, Folha, Uol e SBT, que queriam sabatiná-lo como pré-candidato, mantendo a equanimidade (exigida por lei para TVs), ela argumenta que presos não têm o direito constitucional dar entrevistas. E lhe nega a posição de pré-candidato: “Embora se declare ser o executado pré-candidato ao cargo de presidente da República, sua situação se identifica com o status de inelegível. Em tal contexto, não se pode extrair utilidade da realização de sabatinas ou entrevistas com fins eleitorais “, diz, tomando o cuidado de ressaltar que "não se trata de tolher a liberdade de imprensa, mas apontar que o pedido, além de inoportuno, não encontra fundamento constitucional e legal”.

A se levar em consideração as pesquisas eleitorais, cerca de 1/3 dos eleitores gostariam de ouvi-lo. Ou seja, calar o Lula não ajuda o debate nacional e vai tolher, sim, qualquer iniciativa jornalística séria que pretenda registrar o que se passa nesse momento tão singular da nossa República.   
Natalia Viana, codiretora da Agência Pública

Nenhum comentário: